Destaque

EPIDEMIA. A peste bubônica, em 1912, matou pelo menos 18 pessoas e mudou a história de Santa Maria

Rua do Acampamento em foto do início do século passado. Município estava em plena expansão, mas a epidemia, em 1912, mudou o rumo

Por MAIQUEL ROSAURO (com fotos arquivos Polifonias/Adesm/HCAA), da Equipe do Site

Julho, 21 – Ocorre o primeiro óbito por peste bubônica, forma pneumônica, espalhando pavor e morte e determinando fechamento de colégios, paralisação das atividades comerciais e sociais e verdadeiro êxodo da população”.

É desta forma que o memorialista Romeu Beltrão descreve a epidemia que atingiu Santa Maria em 1912. A peste bubônica matou pelo menos 18 pessoas, ocasionando mudanças na sociedade e na política da cidade. Embora tenha ocorrido há 108 anos, analisar os fatos do passado é essencial para entender como os santa-marienses irão superar a atual pandemia de covid-19 e as medidas que poderão ser tomadas pós-coronavírus.

No livro Cronologia Histórica de Santa Maria e do Extinto Município de São Martinho 1987 – 1930, Beltrão relata que a epidemia de 1912 foi considerada um dos períodos mais trágicos da História de Santa Maria. Tal calamidade assolou a cidade por aproximadamente um mês.

O primeiro caso fatal, citado no início desta matéria, foi do jovem Gil Brum Corrêa, 13 anos, que morava com sua família no imóvel onde ficava a Padaria Aliança, esquina sudoeste da Avenida Rio Branco com a Silva Jardim.

Em 27 de julho, apenas seis dias após a morte do adolescente, morria Clécia Bica, responsável por cuidar do jovem enfermo. Beltrão relata que os doentes não sobreviviam mais do que dois dias.

A reação das autoridades começou em 2 de agosto, quando no Hospital da Caridade (inaugurado em 1903) reuniram-se em conferência os médicos Astrogildo de Azevedo, Nicolau Becker Pinto, Francisco Mariano da Rocha, Nicola Turi e Valente Ribeiro. Na ocasião, após exames laboratoriais do médico Alberto de Sousa, foi firmado o diagnóstico de peste bubônica de forma pneumônica, altamente contagiosa.

A primeira ação tomada foi inspecionar a Padaria Aliança, onde foram encontrados mais de 200 ratos, todos infestados com a doença.

“Ficou comprovado que foram portadores do bacilo pestoso ratos chegados num carregamento de farinha de trigo, embarcado em Rosário e Santa Fé, Argentina, então focos da peste. Foi mandado queimar a casa imediatamente”, registrou Beltrão.

A epidemia que teve início na Casa da Peste, como ficou conhecida a padaria, alastrou-se rapidamente a partir de pessoas que tiveram contato com as duas primeiras vítimas. Beltrão descreve em seu livro 18 mortes, além de outros sete casos suspeitos de doentes transportados para o interior do município e subtraídos ao controle das autoridades.

Agosto, 16 – As autoridades sanitárias anunciam a debelação da peste, embora a 18 (de agosto) ainda ocorra um óbito. Foi o período mais trágico da vida da cidade. O aparecimento repentino no seio de uma pequena cidade, cuja população era como uma família; a falta de recursos médicos, hospitalares e medicamentos; a tomada de medidas draconianas por parte das autoridades, embora necessárias, como a queima de casas, o isolamento de residências por forças armadas; a fuga da cidade dos que puderam iludir a vigilância das autoridades; a morte rápida de todos os doentes, em número de 18, sendo 6 de uma só família, e a paralisação total das atividades citadinas, transformaram a cidade em um cenário de espectros”, relatou Beltrão.

A causa: ratos infectados com a peste bubônica chegaram a Santa Maria em carregamento de farinha de trigo oriundo da Argentina

A peste de 1912 foi estudada em profundidade pela professora Flávia Prestes, em seu Trabalho Final de Graduação (TFG) na licenciatura em História, em 2010, pelo Centro Universitário Franciscano (Unifra) – hoje Universidade Franciscana (UFN). A monografia intitulada A peste em Santa Maria: A Cidade Sitiada (1912-1924) é enriquecida com informações colhidas no jornal O Diário do Interior, livros de prontuários do Hospital de Caridade, nas Crônicas das Irmãs Franciscanas, enfermeiras que atuavam na instituição desde 1903, entre outras obras.

No estudo, ela relata que a região passava por um significativo crescimento demográfico e urbanístico em 1912, momento em que Santa Maria se transformava em um importante entroncamento ferroviário. O fluxo constante de passageiros impulsionava o comércio, a construção de hotéis e escolas, além do investimento em calçamento e alargamentos de avenidas. Porém, a chegada da peste trouxe insegurança e medo.

Em entrevista concedida ao Site nessa quinta-feira (26), a professora explica que as medidas de combate à propagação de germes, micróbios e bactérias não eram suficientes. As doenças vinham juntamente com a falta de controle sobre as construções desordenadas, redes de esgoto e entrada e saída de produtos, não eram suficientes.

“Logo no início, com a morte dos primeiros infectados, as informações à população eram desencontradas, e causaram grande alvoroço nos órgãos públicos, afetando até as eleições municipais que naquele ano não se realizaram devido à falta de candidatos. Médicos e jornais falavam em “epidemia de gripe”, pediam calma a população. Com a confirmação de que se tratava de peste bubônica, a estrutura sociopolítica da cidade passou por algumas mudanças”, afirma Flávia.

Segundo a professora, buscou-se instalar medidas profiláticas (isolar possíveis doentes em um lazareto e também em uma ala do Hospital de Caridade e os que decidiram ficar em suas residências eram vigiados por uma força policial) para tentar conter a expansão da doença, o que não foi bem aceito pela população em geral. Casas de comércio e escolas fecharam suas portas, os trens lotavam diariamente com as pessoas tentando fugir da contaminação (cerca de 50% da população abandonou a cidade).

Outra medida foi a criação da Guarda Municipal, em 1912, que auxiliou no combate à peste. Também foram realizadas mudanças no Código de Posturas da cidade com ações higienistas, investimento na rede de esgoto e distribuição de água para os habitantes locais, além do aumento de leitos para atendimento dos doentes pelo Hospital de Caridade.

“Segundo observações dos médicos da época e também da Administração Pública, as medidas tomadas surtiram efeito e a contaminação não saiu de seu círculo de origem, sendo controlada naquele mesmo ano. Salientando assim, a importância dos órgãos públicos, visto que todos os setores importantes da sociedade foram chamados a ajudar. Contou-se com a ajuda do Exército, Viação Férrea, profissionais da medicina e policiais locais, aproximando mais estes da sociedade como um todo e ressignificando sua importância para o funcionamento da estrutura sociopolítica de Santa Maria”, afirma.

Inaugurado em 1903, Hospital de Caridade foi o principal destino dos enfermos, com um lazareto e uma ala específica para recebê-los

Flávia descobriu ainda que entre 1914 e 1919 a peste bubônica apareceu ocasionalmente em Santa Maria, tendo aumento significativo em 1920, com 21 casos. Dois anos depois, ocorreram mais 23 casos e, em 1924, a encerram-se os registros com oito infectados.

CLIQUE AQUI para acessar a monografia A peste em Santa Maria: A Cidade Sitiada (1912-1924), de Flávia Pretes.

Epidemias e História

Flávia Prestou foi orientada em seu TFG pela professora e historiadora Nikelen Witter. Na quarta (25), ela gravou um vídeo comentando sobre o papel das Ciências Humanas para a compreensão e evitação das epidemias.

“Uma epidemia é um grande sintoma de questões mais profundas sobre as quais temos que pensar e agir. Nada vai ser exatamente como era depois que essa onda passar”, afirma Nikelen.

Confira o vídeo:

 

Saneamento básico

A peste bubônica e seus efeitos também foram abordados em estudo do arquiteto e urbanista Daniel Tochetto de Oliveira. Em sua dissertação de mestrado A Cidade de Santa Maria e o Saneamento de Saturnino de Brito, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2013, ele analisou tecnicamente os motivos que levaram à epidemia e suas consequências na Administração Pública.

Oliveira destaca que o município era um dos maiores produtores de alfafa do Estado, enquanto que o armazenamento era feito em depósitos no Centro da cidade, facilitando o acúmulo de ratos e a propagação de doenças. O autor também aponta como problemas para a saúde pública a grande quantidade de estábulos, comuns nos pátios das residências, a ausência de condições de conforto e higiene dos prédios antigos e, sobretudo, a ausência de uma rede de esgoto.

“A situação sanitária da cidade ficava cada vez mais complicada devido à falta de uma infraestrutura adequada. Para piorar o problema, quando chovia, as águas pluviais se contaminavam facilmente e passavam por toda cidade, colocando as pessoas em risco. Era muito comum essas águas entrarem em contato com os lixos nos quintais das casas ou com os afluentes das fossas”, alega Oliveira em sua dissertação.

Conforme o autor, após o controle da epidemia, o Decreto Municipal 1/1912 determinou a construção de reservatórios sanitários, armazenados até que fosse retirado por meio de bomba de sucção e lançado em veículos fechados. Ao mesmo tempo, o Poder Público passou a defender que a salubridade do espaço urbano também dependia da higiene domiciliar.

“A Administração Municipal tinha consciência que o sistema de fossas móveis e coleta do afluente não eram os mais adequados, mas considerava serem esses os que apresentavam menos inconvenientes para a higiene pública, desde que executados em boas condições”, relata Oliveira.

Em contrapartida, nos anos de 1913 e 1914 foram previstas verbas para estudos definitivos do serviço de águas e saneamento, e da instalação do serviço de higiene e assistência pública. Além disso, também foi direcionada uma verba para o levantamento da planta cadastral do município. Ou seja, a peste de 1912 foi o estopim para as obras de saneamento básico que até hoje protegem os santa-marienses de diversas doenças.

CLIQUE AQUI para ler a dissertação A Cidade de Santa Maria e o Saneamento de Saturnino de Brito, de Daniel Tochetto de Oliveira.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

3 Comentários

  1. Coleta de dados de literatura cinza é um método científico validado!
    Peste bubônica e Covid-19 do ponto de vista de etiologia e desenvolvimento da patologia tem pouquíssimas semelhanças. Mas ambas são “pestes” e o comportamento social,político e econômico é extremamente semelhante nesses cenários. É necessário estudar o passado para entendermos melhor o futuro, isso é uma das bases da epidemiologia.
    Se esconder atrás de um pseudônimo para disseminar discórdia e ignorância é algo repugnante.

  2. Peste bubônica é causada por uma bactéria. Geralmente disseminada pela pulga. Ainda ocorrem óbitos pelo mundo devido a mesma.
    Ou seja, tem nada a ver com o Covid. Ou seja, esta bela peça de propaganda para ressaltar as humanas (chamar de ciência o que não pode utilizar o método cientifico é dose) está furada.
    Ah, quase esqueci. Na época citada não havia antibióticos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo