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ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo, educação em tempo covídico, menino João Vitor e aqueeela reunião

O grito de alerta pela educação

Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)

Como eu havia iniciado o artigo da semana passada afirmando que não há sextas-feiras sem emoção na república bolsonarista, a última, dia 22, não poderia ser diferente. A divulgação do vídeo da reunião ministerial, caracterizada pela forte incontinência verbal dos membros do primeiro escalão da nação, expôs, a meu ver, o caráter pernicioso dos nossos dirigentes. Embora isso não seja novidade.

Mas o que chamou muito a minha atenção foi um áudio divulgado nos veículos da imprensa um dia antes, na quinta-feira. Não, calma não é mais uma das sessões de horrores, com verborragia latente e rompantes extremistas invocando a todos a pegar em armas. Foi o áudio de um menino de seis anos, estudante, morador da cidade de Lagoa Vermelha, no interior do Rio Grande do Sul.

João Vitor dos Santos enviou uma mensagem à sua professora e expôs a dificuldade enfrentada por ele, e que pode ser creditada a milhares de outros estudantes, nas aulas pelo modo remoto, com o seguinte testemunho:

“Sem você, professora, eu não consigo aprender bem. A mãe não é igual a você. Você tem as ‘manias’ de ‘prô’. A minha mãe não tem. Ela trabalha num restaurante. Ela só tem a ‘mania’ de fazer comida. Desculpe te incomodar agora, só queria falar ‘pra’ senhora isso”.

A mensagem de João Vitor, além de realçar a importância do profissional da educação na formação de todos nós, é um verdadeiro grito de alerta. E digo isso pois, desde a suspensão das aulas presenciais e a tentativa de algumas escolas, principalmente particulares, de manter a rotina do calendário letivo, os alunos têm enfrentado enormes dificuldades na aprendizagem.

Os motivos são muitos e tornam-se mais ou menos gravosos a depender da classe social a qual pertence o estudante. Antes, é preciso ressaltar a diferença entre aula remota e ensino a distância, pois há muitas pessoas confundindo esses dois modos de ensino. No segundo, os professores, o material didático, o planejamento das aulas e a disposição dos alunos, no sentido de procurar esse tipo de ensino, tende, por certo, a auferir resultados satisfatórios na aprendizagem.

Já no primeiro, que é o utilizado temporariamente para suprir a falta de aulas presenciais no período da atual pandemia, as condições são totalmente diferentes e até adversas. Isso se dá por muitos motivos. Entre os quais o fato de que as aulas foram suspensas de súbito e as escolas/faculdades não estavam preparadas para transmitir conhecimento aos alunos, que não fosse em um ambiente com a presença física do professor.

Alia-se isso, a realidade de que os pais, ao trabalhar “de casa”, além desse compromisso, devem dedicar mais atenção à educação formal dos filhos. Óbvio, há os que têm melhores condições estruturais para tanto, o que lhes permite uma maior facilidade no desempenho da tarefa. No entanto, há aqueles que não conseguem desempenhar as duas atividades de forma concomitante, ou seja, trabalhar e ao mesmo tempo estar ao lado do seu filho durante a exposição das aulas. É o caso o menino João Vitor.

Mas esse não é um problema somente nas séries iniciais. Os estudantes do ensino médio, das graduações e até em cursos de nível de Mestrado, estão enfrentando uma série de dificuldades. A principal é que muitos não têm, em suas residências, acesso às novas tecnologias da informação.

Por mais paradoxal que possa parecer, tendo a internet como fundamental para desempenho das atividades no século XXI, a pandemia trouxe à luz de nossos olhos, a realidade de que as famílias brasileiras ainda estão muito distantes de possuir condições adequadas de acesso a esse arcabouço digital.

Para se ter uma ideia, no âmbito das Universidades Federais, conforme dados do Ministério da Educação, pouco menos de 100 mil alunos, do total de 1,1 milhão, estão tendo aula no modo virtual. Nas instituições públicas do ensino médio, o exemplo do Rio Grande do Sul é emblemático. Embora a recente iniciativa do governo do estado em dispor aulas pré-Enem, via Televisão Educativa – TVE, as mesmas só têm alcance pela TV aberta a 47 % dos alunos do terceiro ano. Os demais… bom, podem assistir pelo Youtube.

No que se refere às faculdades privadas, esse contexto já muda. Em pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, o índice de alunos com acesso às aulas virtuais chega a perto de 80%.  Porém, embora o alto índice de acesso na área privada, em comparação aos alunos do ensino público, não é indicativo de qualidade de ensino, e sim de transmissão de matéria, de vencer o programa, de não atrasar o calendário.

E isso pode ser visto no relato de muitos estudantes que não conseguem absorver de forma adequada e satisfatória o conhecimento transmitido. E também de professores que se mostram sobrecarregados com o modo de ensino remoto. A grande parte tendo que gravar aulas nas suas residências, improvisando a forma de poder atender seus alunos.

Esse contexto de dificuldades, e os meios para recuperar o tempo perdido, é o que eu gostaria de assistir sendo debatido em uma reunião ministerial. No entanto, parece que por algum tempo ainda, somente o que teremos, no já combalido sistema de educação brasileiro, são as atitudes chulas do nosso ministro da educação e seu combate às instituições democráticas.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Observação do editor: a imagem (de utilização gratuita) que ilustra este artigo é uma reprodução da internet. Você a encontra originalmente AQUI.

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