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ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega, a “ideologia de gênero” e o programa Diversidade nas Escolas, em SM

Ideologia de Gênero? Quem tem medo da diversidade?

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

No último dia 8 de setembro de 2020, a Câmara de Vereadores de Santa Maria aprovou o Projeto de Lei 9091/2020 de autoria da vereadora Luci Duartes – Tia da Moto (PDT). O projeto propõe a implantação do Programa Diversidade nas Escola, visando incluir a comunidade LGBTQiA+ na vivência escolar das instituições de ensino do Município.

Nada do que já não venha sendo feito nos principais sistemas educacionais do mundo, como a Finlândia e a Dinamarca, que têm significativos índices educacionais. A própria Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) recomenda tal inclusão, uma vez que a Educação para a diversidade é uma das diretrizes pactuadas internacionalmente nos inúmeros encontros que trataram e tratam da Educação para o Século XXI.

Em tese, a apreciação do projeto poderia ter sido algo tranquila, afinal quem em pleno século XXI negaria a Diversidade e a pluralidade do existir humano em uma sociedade democrática? Mas não foi! A aprovação ocorreu com a diferença de apenas um voto. Partidos que foram responsáveis por construir a inclusão da temática na LDB de 1995 votaram contra (será que tudo que é sólido se desmancha em busca de voto?).

Poucas horas depois da votação, as Redes Sociais foram invadidas com listas de vereadores que votaram contrários ou favoráveis ao projeto. No intuito de atacar os últimos foi utilizado o slogan: “Votaram favoráveis a ‘Ideologia de gênero’”.

Ideologia de Gênero é um termo que tem sido muito utilizado por grupos conservadores (e oportunistas de plantão) para atacar o recente e tardio crescimento dos Estudos de Gênero no Brasil. Apesar de seu uso político, o termo Ideologia de Gênero não possui qualquer respaldo acadêmico. Ideologia é um dos conceitos mais controversos e polissêmicos.

Sua origem remonta ao clássico estudo de Destutt de Tracy, publicado em 1801, que propunha não um conceito, mas sim uma nova disciplina filosófica que fosse capaz de incorporar os resultados mais significativos de todas as outras disciplinas. Mais tarde, essa acepção positiva seria substituída (tanto pelas concepções liberais, como por algumas concepções marxistas) por uma conotação negativa. Segundo essa nova concepção, Ideologia seria uma “falsa consciência”, uma visão parcializada, uma distorção da realidade que serve para ocultar relações de poder.

Obviamente, essa não é a única visão sobre o conceito de ideologia, porém é a que mais tem prevalecido em seu uso social e político. É a partir desse uso que o termo muitas vezes ganha um sentido social de negação da ideia oposta, ou seja, é atribuído a tudo aquilo que não faz parte do que acredito ou penso ser a realidade. A acusação de algo como ideológico serve até mesmo para esconder a própria ideologia. Uma operação político-discursiva muito forte para aqueles que desejam impor um pensamento único ou uma forma de vida única. O uso do termo Ideologia de Gênero é parte dessa operação.

Gênero não é ideologia! Mas, sim, uma útil categoria de análise social que, conforme Joan Scott, dá conta da organização social das diferenças sexuais, um saber que estabelece significados para as diferenças corporais. Uma categoria que não nega as diferenças sexuais e corporais entre homens e mulheres, porém não as compreende como naturais e determinadas, mas sim, como relações sociais e de poder produtoras de hierarquias e dominações.

Uma categoria que permite, por exemplo, a compreensão crítica do que estava por trás da consideração da mulher casada como uma “incapaz” pela legislação brasileira até 1962. Uma categoria que permite questionar os discursos que até 1934 negavam à mulher brasileira o direito de votar. Uma categoria que impõe um olhar crítico ao fato de, em pleno século XXI, as mulheres receberem um salário inferior ao dos homens para desenvolverem as mesmas funções no mercado de trabalho. Uma categoria que abre o horizonte irreal da existência dualista e permite o entendimento da existência da diversidade presente nas diferentes formas que o afeto pode ter.

Educar para a diversidade é educar para a existência de um afeto plural. É a Educação para Diversidade que permite a inclusão de sujeitos que não são aceitos pelo poder exercido por concepções que, em nome de uma crença ou de uma biologia que há muito tempo já não existe, não propõe nenhum horizonte humano que vá para além da dominação e da sujeição.

A diversidade desacomoda, nos faz ver para além do pré-concebido. Nos permite perceber que existe um mundo colorido, onde cabem todas as cores do amor. Um mundo de esperanças, muito diferente daquele que é defendido por quem tem medo das diferenças. Por quem é incapaz de ver o mundo para além do medo da perda do poder. Um medo que produz muitos engodos, entre eles uma tal “Ideologia de Gênero”.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do editor: a imagem (sem autoria determinada) aqui publicada, de recente “Parada Livre” em São Paulo, é uma reprodução obtida na internet.

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