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Venezuela aqui – por Orlando Fonseca

A Venezuela é aqui. De tanto execrar o país vizinho e seu contraditório regime e mandar os desafetos para aquele lugar, o atual governo acabou esquecendo de olhar o território nacional. E aos poucos, aproveitando-se da pandemia, a Venezuela foi invadindo a realidade brasileira. E agora está aqui. Se a conjuntura fosse uma canção popular, talvez admitíssemos que o Haiti é aqui. Mas não estamos para música, e os desatentos conterrâneos, adoradores de mito, dançam conforme um ritmo que só eles conseguem ver. E o seu líder, em vez de enfrentar e combater o coronavírus, tem sabotado as medidas de distanciamento, faz propaganda de remédios ineficazes e não dá a mínima para o número de mortos pela doença. Se lá naquele outro país homônimo o povo vive sem acesso à informação, por aqui temos um campeão da desinformação.

Em um relatório divulgado, semana passada, pela organização britânica, Artigo 19, vemos o nosso glorioso país ocupando a 86ª posição, no ranking do acesso à informação (numa lista de 161 países). À nossa frente os países desenvolvidos, mas amargamos a constatação de estar atrás de nações como Albânia, Afeganistão e, pasmem, o Haiti – que como já disse, não é mais aqui. Não é à toa que tivemos uma queda nos últimos anos. No referido documento, se anuncia que na presidência temos um mentiroso contumaz. Só no ano passado, ele disparou 1.682 declarações falsas ou enganosas. Isso equivale a mais de quatro fake news por dia. Para a organização Artigo 19, apostar na desinformação junta o brasileiro a outros populistas autoritários, como o venezuelano Nicolás Maduro (ele mesmo). “Isso é estratégico: ao estimular a desconfiança do público e a polarização, muitos autocratas reforçam sua base de apoio”.

A entidade referida, Artigo 19, é uma organização não-governamental de direitos humanos nascida em 1987, em Londres. Tem como missão defender a liberdade de expressão e promover o direito de acesso à informação. Seu nome remete ao 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Para comprovar o que diz o relatório, na quinta feira passada, o presidente, utilizando abusivamente canal público de TV para divulgar a sua live, recorreu mais uma vez a mentiras e distorções dos fatos, na tentativa de comprovar sua teoria conspiratória de que as eleições de 2018 teriam sido fraudadas. Abriu sua metralhadora verbal contra magistrados e servidores da Justiça Eleitoral, contra o presidente do TSE e ministro do STF, Roberto Barroso, tudo para criar um ambiente de desconfiança, a fim de tumultuar o processo democrático em nosso país.

Enquanto isso, dezenove milhões de brasileiros acordam atualmente sem saber se vão conseguir alguma refeição para o dia (há dois anos, eram 10 milhões). Em Cuiabá, uma cena insólita chama atenção: a distribuição de pedaços de ossos com retalhos de carne tem formado filas. O açougue, que faz isso há dez anos, apenas uma vez por semana, viu-se obrigado, agora, a realizar três: “Tem gente que pega e já come cru, ali mesmo”, diz emocionada a dona do local. Não é para menos, desde o início da pandemia, o arroz ficou 56% mais caro e o preço do feijão preto aumentou 71%. Com isso, a saída têm sido os grãos de segunda linha, como arroz fragmentado e feijão bandinha, que vêm quebrados e com mais impureza. O Brasil já é o 9º país mais desigual do planeta, e o Ministério da Cidadania admite que 39,9 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza em nosso país. Sem contar os moradores de rua, um em cada quatro brasileiros é pobre, de acordo com a pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais, do IBGE.

Desinformação mata. Mitomania mantém o atraso – e até o agrava. Falta de conhecimento trava o progresso, impede o desenvolvimento. Segundo o Supremo Tribunal Federal “uma mentira repetida mil vezes não se torna verdade”. É simples: dentro do marco legal, do Estado de Direito, a prova dos fatos desfaz inverdades, contra fatos não há argumentos. Quem espalha boatos não faz mais do que espalhafatos. O país precisa de liderança.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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Um Comentário

  1. Obvio que não. Venezuela é uma narcoditadura. Se fosse aqui, os refugiados não estariam passando para o lado de cá da fronteira. E para a Colombia. Aposto 780 mil Bolivares Soberanos Venezuelanos. Um pila.
    Haiti? Com assassinato de presidente e aroma de tráfico de drogas no ar.
    Artigo 19 deve ter sido fundada em Londres porque a ‘chefona’ deveria estar por lá chuleando um mestrado.
    Resumo da ópera: vermelhinhos criam ONG’s para ‘esquentar’ as proprias lorotas. Na fachada uma galera que encontrou diversos diplomas irrelevantes em caixas de sucrilhos. Simples.
    Problema do Cavalão resolve-se sozinho. Problema institucional uma hora ‘vem a furo’. Problema dos vermelhinhos também se resolve sozinho. Falta capacidade. Truquezinhos infantis. Já estão procurando o disfarce que irão vestir na proxima eleição. Uns já falam em ‘social democracia’ (o desenvolvimentismo gorou). Alás, dizem que pais bom é o Canadá. Porque o governo dá caninha pro ‘pôvú’.

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