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Pobres porcos pobres – por Marcelo Arigony

A analogia: “se o sistema poupar o lobo, está sempre sacrificando o...”

Era uma comunidade onde moravam lobos e porcos. Também havia alguns javalis, que tinham vindo ao mundo pelados como porcos, mas sofreram mutações, transformando-se em javardos peludões por necessidade de sobreviver e se adaptar à influência da alcateia.

Os porcos eram maioria. Quase todos na linha da pobreza, cordatos e trabalhadores. Estavam razoavelmente organizados, e conseguiam repelir alguns ataques dos lobos.

Todavia, sempre que os lobos planejavam bem as investidas, ou atacavam em bando, eles matavam e comiam os porcos, a maioria incapaz de oferecer resistência. Os lobos, embora em menor quantidade, eram agressivos e não cumpriam qualquer lei.

Alguns porcos tinham uma situação financeira melhor, possuíam  modernos sistemas antilobo, e moravam em casas de concreto indevassável, seguindo um modelo prático de 1890, chamado Joseph Jacobs. Mas os porcos pobres não tinham recursos para se proteger. Estavam fadados a alimentar os lobos.

O sistema repressivo funcionava mal. Quando algum animal descumpria as regras de convivência era julgado e trancafiado em escuras galerias nos extremos da floresta. E além dos lobos, quando algum porco infringia a lei, também era jogado no cárcere coletivo.

Os suínos infratores padeciam muito ao cumprir a pena, porque as galerias eram comandadas pelos lobos. Os porcos acabavam sendo seviciados e comidos no cárcere. E os que estavam aqui fora não se importavam com isso. A comunidade achava justo que fosse assim.

No início todos temiam o sistema, mas levantaram-se algumas vozes em favor dos lobos, dizendo que era de sua natureza serem agressivos, que a sociedade não dava bola para eles, que estavam sendo discriminados. E com o passar do tempo os lobos começaram a usar o sistema a seu favor para arregimentar mais e mais soldados.

Os porcos que queriam sobreviver não tinham opção. Rendiam-se à alcatéia, obedecendo cegamente aos lobos, e passando também a atacar porcos. Agora eram javalis, garralonga dos lobos, agindo dentro e fora das masmorras para trazer lucros à alcateia.

E a força dos lobos foi crescendo…

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É uma meia verdade simplista dizer que o sistema só prende pobres. Realmente, a grande maioria dos presos é pobre. Os ricos passam incólumes à maioria dos fatores criminógenos, conseguem pagar bons advogados, arrastar processos até ulteriores instâncias, etc. Mas a outra importante metade da verdade que não é dita é que as vítimas dos pobres são os pobres, em sua maioria gente ordeira e trabalhadora.

Quem sofre nas mãos do criminoso é aquele trabalhador que mora na área vulnerável, que comprou um celular em 12 vezes e é assaltado na parada de ônibus. Quem padece é aquela mãe que tem o filho cooptado pela facção da área onde mora. A vítima é o pai de família que é expulso de sua casa na comunidade porque os traficantes querem o local.

Se o sistema poupar o lobo, está sempre sacrificando o pobre do pobre.

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

Nota do Editor: a arte que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet. Pode ser encontrada neste site: AQUI

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4 Comentários

  1. De fato este é um ciclo sistêmico, onde a impunidade ou o pouco castigo fomenta o profano a manter seu maus hábitos. Tais hábitos herdados de seu ambiente de convivência! Sonho seria corrigi-los já na infância pois quando adulto já se suprimi esperanças!!!Parabéns nobre Marcelo!!!

  2. Os politicos tem o privilegio de descriminalizar os proprios atos sujos. O que acaba tendo repercussões no andar de baixo. Se alguém utilizar o transporte publico sem passagem na Alemanha e for pego recebe uma multa de 60 euros. No RJ o BRT estava tendo prejuizos financeiros consideraveis devido ao grande numero de pessoas pulando a catraca. Resumo da opera: problemas complexos não tem soluções faceis. Agora vou estudar para ver se aprendo o que é ‘comunismo’.

  3. Outro argumento: ‘na periferia não existem bons exemplos, não há medicos, advogados,etc’. ‘O exemplo é o traficante que tem carrão, pega as mais bonitas, etc.’. Para começo de conversa para medicina e direito são necessarios anos de estudo. Maioria dos presidiarios largaram os estudos no meio do caminho. O que leva também a Richard Sennet, sociologo. Que se diz seguidor de Adorno, Escola de Frankfurt. Escreveu sobre a desvalorização do trabalho manual em detrimento do intelectual. ‘Não dá para todo mundo se advogado’ (ele esteve no Fronteiras do Pensamento anos atras). Escreveu um livro chamado ‘The Craftsman’ (‘O artesão) sobre ‘o desejo de fazer um trabalho bem feito pela satisfação exclusiva (ou orgulho) de fazer um trabalho bem feito’. Algo que se perdeu na nossa sociedade, o que os antigos chamavam de ‘capricho’. No Brasil até o artesanato de rua é majoritariamente tosco. Lembrando que arte é tekhne, de onde vem a tecnologia. Lembrando que até a medicina também é arte. Exemplo na periferia? O pessoal que acorda cedo ou vai dormir tarde, passa puxando um carrinho de reciclagem geralmente acompanhado(a) por um monte de cachorros sem raça. É o ideal? Não é. Muito longe. Pune-se o ato que não pode ser separado do autor. Ser pobre não justifica vida criminosa. Simples assim.

  4. Criminologia critica. Luta de classes. Não estou no negocio de ficar debatendo as ideologias tolas dos outros. ‘A culpa é do sistema, o capitalismo, se implantarmos o comunismo o crime diminui’. Historicamente é uma completa asneira. Na antiga União Sovietica havia crime organizado, as mafias não surgiram da noite para o dia. Presidios na Siberia eram tocados por criminosos comuns que ‘se criavam’ em cima dos prisioneiro politicos. O que é a Triade? A mafia chinesa. Crime organizado. Se existe uma demanda ilegal vai haver quem forneça. No imaginario popular, por exemplo, os morros do RJ se dedicam unicamente ao trafico. Não, também trabalham com trafico de armas, com roubo de cargas e contrabando de cigarro paraguaio.

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