“Boiada” que cruza o RS traz balaio de pedágios, privatizações e agrotóxicos – por Valdeci Oliveira
“Filme já apresentado num passado recente e final não é feliz para a maioria”
A política sempre teve algo de dinâmico, cujos movimentos precisam estar conectados com as necessidades do coletivo. Também advém dela, da política, as transformações para que vivamos em uma sociedade justa, com garantias democráticas e relações que primam pelo civilizatório. Mas a política, com tudo mais, é elaborada por mulheres e homens dispostos a enfrentar os desafios para que tais quesitos realmente sejam buscados.
Por ser feita por pessoas de carne e osso, ela também está sujeita a contradições, cujos efeitos recaem sobre todos, mas com diferentes pesos ou benefícios. Isso não chega a ser uma novidade, são atributos há muito consolidados e demonstrados no decorrer da História humana.
O momento pelo qual passa o país e o RS, por mais que pareçam distintos, nos leva a refletir sobre aonde queremos chegar, para qual lugar estão querendo nos levar. Sim, diferenças políticas entre ambos existem, mas em algum momento nesse caminho eles se encontram, principalmente no aspecto econômico e nas suas narrativas.
Passado mais de um ano e meio desde o início da pandemia, os gaúchos e gaúchas ainda aguardam do governo estadual uma resposta satisfatória ao enfrentamento dessa urgência sanitária que já retirou centenas de milhares de vidas. Uma espera que tem sido em vão, pois o modelo de distanciamento controlado naufragou pela pressão daqueles que elegeram a economia como a primeira a ser salva numa guerra em que não há vencedores.
No lugar das bandeiras que foram perdendo a cor conforme o ir e vir do governo, temos agora uma fórmula que reúne emissão de avisos e alertas e planos de ação que as pessoas, assim como os gestores municipais, não sabem explicar. Até mesmo as vacinas não foram compradas, apesar do legislativo ter autorizado gasto para tal. Se fôssemos um país, estaríamos entre os piores da América Latina no enfrentamento da pandemia. Aqui a política se mostra que está posta para atender a uma parte do todo, não a sua maioria.
A sociedade gaúcha também esperava do governo uma ajuda aos que estão abaixo ou um pouco acima da linha da pobreza, com a concessão de um auxílio emergencial. A resposta a esse desejo veio na forma de um projeto aprovado, há 90 dias, pelo Parlamento estadual e que, até agora, não mostrou a que veio. Mesmo a léguas distantes do que propomos, votamos a favor diante da urgência e da inexistência de um programa social dessa monta.
Das milhares de famílias que vivem o injusto cotidiano da vulnerabilidade social – algo em torno de 400 mil -, presentes nos cadastros das prefeituras e do próprio governo, somente 8 mil mulheres terão direito. Dos R$ 107 milhões previstos para o auxílio, apenas 6% vai para os que estão abaixo da linha da pobreza. E mesmo assim, a maioria das pequenas e microempresas de setores previstos no projeto ainda não viu a cor do dinheiro.
No lugar do atendimento desses anseios, fomos brindados com a quebra da promessa do governador de não vender a Corsan e o Banrisul. E para “passar nos cobres” nossas empresas e a lei que o autoriza, mundos e fundos foram mexidos, incluindo supostas articulações não muito nobres (como o relaxamento das medidas de distanciamento social, retorno às aulas presenciais e a distribuição farta de asfalto).
Mas sem que a população pedisse, direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do serviço público foram retirados e os investimentos em saúde e educação questionados do ponto de vista constitucional. Novamente aqui, a política se mostra ao lado dos interesses de uma minoria.
A inação, a falta de projetos inclusivos, o baixo grau de investimentos públicos, o não acreditar naqueles que realmente produzem e o não dividir a mesa de debate com a sociedade – ladeado pelos agravantes produzidos pelos ineptos gestores do Palácio do Planalto (alta no preço do gás de cozinha, dos combustíveis e da energia elétrica) – alimenta um perverso cenário consumido pelo desemprego e pela desesperança.
Por outro lado, sem nenhuma discussão transparente e, de fato, aprofundada e democrática, o governador anuncia praças de pedágios em localidades de todas as regiões do RS. Só de Santa Maria a Porto Alegre serão seis – dentre as 22 a serem exploradas pela iniciativa privada por nada menos do que 30 anos. E isso traz consigo um custo altíssimo a ser pago pelos mesmos de sempre, que irá impactar toda a população hoje e nas sete futuras administrações do estado.
De fato, a “boiada neoliberal” que irrompe o território gaúcho hoje traz consigo um balaio de pedágios, privatizações, agrotóxicos, retirada de direitos de trabalhadores e, pra não dizer que é insensível por completo, atira aqui e acolá uma migalha, quase invisível a olho nu, aos mais vulneráveis. Esse filme já nos foi apresentado num passado recente e seu final não é feliz, ao menos não para a maioria. Aqui novamente a política escolhida é a de atender aos interesses de quem sempre teve um lugar cativo na mesma desse fausto banquete servido pelo ente chamado Estado. Política é mais do que isso.
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é 1º Secretário da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa e Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287.
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