Macarrão instantâneo não é alimento – por Marta Tocchetto
E mais: “o consumo frequente pode acarretar diversos problemas de saúde”
Comida que envenena não é alimento. É formulação química. “Alimentos” que envenenam não apenas quem os consome, mas a terra, a água, o ar e a biodiversidade.
O consumo de macarrão instantâneo no Brasil, que já era um dos maiores do mundo, cresceu ainda mais devido à alta dos preços do arroz e de outros alimentos. A notícia foi seguida pela opinião e pela surpresa da comentarista do programa de rádio que eu ouvia.
Ela, espantada, disse que não tinha a menor ideia do fato, pois na sua casa não consomem macarrão instantâneo. Finalizando acrescentou: – Fica a dica às donas de casa como uma alternativa para driblar a elevação dos custos da alimentação.
Ouvindo o absurdo, refleti com os meus botões – quão profundo é o abismo econômico e social que separa os brasileiros! A dica ignorou, propositalmente, me atrevo afirmar, uma parcela expressiva da população.
Ignorou também o direito à alimentação saudável e de qualidade, sem falar no direito à escolha. Escolha que norteou o consumo da comentarista – macarrão instantâneo não é alimento. É um produto ultraprocessado, cuja concentração de sódio é altíssima. Na sua composição ainda há diversos aditivos químicos como, conservantes, corantes, saborizantes e outros.
Afirmam os nutricionistas que o consumo frequente pode acarretar diversos problemas de saúde: hipertensão arterial, problemas cardíacos e renais, aumento de peso, gastrite, dentre outros. Comida que envenena não é alimento. É formulação química.
“Alimentos” que envenenam não apenas quem os consome, mas a terra, a água, o ar e a biodiversidade. Alimentação saudável não deveria ser privilégio para poucos, como certamente o é.
As informações desconsideradas e que transformaram a estatística em dica reflete o descompromisso de muitos meios de comunicação em informar corretamente, além de não incentivar a proposição de políticas públicas que levem a alimentação saudável a todos os brasileiros.
Restam alternativas e dicas inconsequentes que servem para enganar a fome e encher a barriga da classe pobre e miserável que cresce assustadoramente. É surpreendente, no momento, em que a fome galopa a passos largos, nenhum programa de governo para resgatar, no mínimo, os índices anteriores.
Que falta faz o Betinho! Se veem políticas públicas que priorizam o agronegócio que está distante de produzir alimento para os brasileiros, cujo compromisso é com a transgenia, com a modificação genética, com a poderosa indústria de agrotóxicos e com as grandes empresas processadoras.
O interesse do setor está voltado ao mercado internacional e na transformação da produção em dólar, em commodities. Grupos, governos e políticas que não têm compromisso com a saúde e com a vida.
As grandes indústrias processadoras criam sabores, texturas, cores, aparência que remetem às mais ternas memórias afetivas. Impressões falsas obtidas em bancadas de laboratórios.
Os atuais alimentos à base de plantas fabricados por estes grandes grupos estão distantes de serem saudáveis. Sua base traz, mais uma vez, a transgenia e os agrotóxicos para a mesa. Uma nítida estratégia de maquiagem verde para abocanhar um novo filão de negócios.
Resgatar o trinômio – alimento, saúde e vida – é essencial para a reconstrução de um país sem fome. Resgatar os saberes tradicionais promovendo o reencontro com plantios e plantas que se perderam ao longo tempo, representam alimentação saudável. Resgatar o aproveitamento integral dos alimentos – cascas, talos, folhas, sementes, raízes – é essencial para reduzir o desperdício.
A alimentação é um ato político, pois requer escolhas. Por meio da comida saudável demonstramos liberdade, emancipação, empoderamento, respeito, sustentabilidade, diversidade, integralidade.
O reencontro com estes padrões resgata o sentido do alimento como fonte de saúde e de vida. Mudanças essenciais para curar um planeta doente, cujo adoecimento está ligado ao nosso modo de vida e de consumo.
(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.
Nota do Editor: a imagem de macarrão instantâneo, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet.
Miojo é o melhor amigo do(a) estudante. No mais, discurso pollyannico de sempre. Alimento, saúde e vida.
Vamos mudar o mundo, um texto de cada vez. E se furar o pneu do carro o negócio é pegar o iPhone e acionar o seguro.