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Onde vivem os nossos monstros – por Bianca Zasso

“O Problema de Nascer”, de Sandra Wollner, e as perguntas que assombram

Quantas boas ideias acabam esquecidas em gavetas por conta da falta de tempo ou de dinheiro para realiza-las? E quantas ideias medíocres ganham o mundo com uma rapidez absurda? E mais ainda: quantas grandes sacadas se perdem no meio do caminho e resultam em quase nada de interessante?

Volto a este espaço neste sítio talvez com perguntas demais, mas são elas que nos assombram quando surgem os créditos finais de O Problema de Nascer.

Exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado e no Festival de Berlim, o segundo longa da carreira da diretora austríaca Sandra Wollner parece ter tido sua faísca em uma boa ideia, mas algo falhou.

A própria sinopse do filme é um tanto confusa, pois só sabemos que Elli, interpretada pela talentosa Jana McKinnon, é uma androide que mora com um homem cuja filha desapareceu quando tinha 10 anos. A menina-robô é uma cópia da menina que sumiu e chama o homem de pai.

É natural lembrarmos do já clássico A.I. – Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, e seu protagonista com amor incondicional pela mãe humana. Mas a doçura quase infantil da produção de 20 anos atrás não é o mote de O problema de Nascer.

A relação de Elli com o “pai” é mostrada em cenas dúbias e, em alguns momentos, bastante perturbadoras. Em um momento conversa banalidades e, no instante seguinte, dança de maneira sensual e toma sol nua ao lado de seu suposto responsável.

A exploração do corpo da jovem atriz, em cenas extremamente desnecessárias para a condução da história, tornam o filme ainda mais complicado. Se aquela androide está ali para amenizar a dor do desaparecimento de uma filha, porque se comporta como amante?

Não sabemos se ela foi encomendada pelo pai em luto ou se é parte da sociedade futurística do roteiro a substituição de pessoas por robôs. O que sabemos é que O Problema de Nascer parece interessado em mostrar como adultos precisam de “brinquedos” para superar (ou pelo menos conviver) com algumas perdas.

Isso porque a reviravolta do roteiro faz com que Elli mude de gênero e fisionomia para satisfazer outra pessoa marcada pela morte de um ente querido. Porém, apensar de ter sido reprogramada, ela continua repetindo “memórias” de sua forma anterior e buscando uma relação fetichista com quem está por perto.

A fotografia sombria do longa colabora para que o clima seja denso, quase sufocante, mas o que incomoda de verdade são as poucas respostas que a história nos dá. Não que um roteiro precise ser compreendido no seu todo, longe disso. Porém faltam detalhes para que haja compreensão do porquê daquelas atitudes dos personagens e onde a diretora quer nos levar, seja no sentido físico ou psicológico.

Da metade para o final, a confusão parece crescer e O Problema de Nascer entra num turbilhão visual que não se define nem como pesadelo, nem como transformação. Algumas sequências parecem ter sido construídas pelo puro impacto visual, mas são vazias de significado.

Uma hora e meia de projeção e não conseguimos construir empatia por ninguém que surge na tela. Nem o talento de McKinnon consegue nos prender. Há inclusive momentos em que tudo que queremos é que aquela menina robô se livre de seus fantasmas e os adultos que a rodeiam resolvam suas agruras no divã do analista e não vivendo uma relação com uma máquina.

Mas será que esses fantasmas existem ou são parte da programação de Elli? E os humanos estão ali na sua volta por não conseguirem entender a partida de alguém ou pelo prazer de ter com quem se distrair ao invés de encarar o mundo? Afinal, nascer e resolver os próprios dramas é o pior dos problemas e a tecnologia serve para amenizar tudo isso? Mais perguntas.

O que resta da sessão de O Problema de Nascer é uma estranheza que não nos motiva a sair do lugar em busca de respostas. Sua incógnita poderia ser fascinante, mas é apenas indigesta.

O Problema de Nascer (The Trouble with Being Born)

Ano: 2020

Direção: Sandra Wollner

Disponível na plataforma Mubi

(*) Bianca Zasso, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009.

Observação do Editor: as fotos que ilustram este texto são de Divulgação.

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