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REPORTAGEM. As memórias dos 30 anos de uma ocupação que viria a ser o bairro Nova Santa Marta

Do preconceito aos “sem teto” ao orgulho dos pioneiros do que foi construído

Os “sem teto” e os “pés de barro”: evidente preconceito contra os cidadãos pioneiros da hoje Nova Santa Marta (Foto Arquivo Pessoal)

Por Fritz R. Nunes / Da Assessoria de Imprensa da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm)

A ocupação de uma área da então fazenda Santa Marta, localizada na região oeste de Santa Maria, na madrugada de 7 de dezembro de 1991, viria a se tornar uma das maiores ocupações urbanas do país. No entanto, naquele momento, o que movia aquelas poucas dezenas de famílias, era a busca de um teto para morar, em uma época de muita crise econômica, exacerbada no governo José Sarney (1985-1990) e não debelada no governo Collor (1990-1992).

Foram dezenas de reuniões com pessoas de várias regiões da cidade entre abril de 1990 e dezembro de 1991, subsidiadas por respostas de pedidos de informações aos órgãos ligados às diferentes esferas de governo, que prometiam programas de moradia popular, mas acabavam não cumprindo. Diante dessa situação, lembra Fernando Menezes, à época coordenador municipal do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e membro da direção estadual, a decisão acabou sendo por ocupar uma área estatal, primeiro da Rede Ferroviária, que não deu certo, depois, então, a do estado, na Fazenda Santa Marta.

Maria de Fátima Gonçalves, hoje com 59 anos, moradora da Vila Prado (vizinha à Santa Marta) estava entre as pouco mais de 50 famílias que primeiro ocuparam o local, onde mais tarde passaria se chamar Vila 7 de Dezembro. Fátima destaca que não foi nada fácil viver os primeiros dias e meses na área, sem luz ou água. Para ela, só conseguiram permanecer no local porque havia uma organização prévia, com o planejamento do MNLM.

Fátima recorda que uma moradora da Vila Prado, dona Terezinha Menezes, foi uma das que cedeu energia elétrica para os ocupantes e, também, que no início, havia uma pressão forte dos órgãos governamentais, especialmente da Brigada Militar, para que as pessoas desocupassem. Mas, para ela, a organização por parte do Movimento, que se apoiou nas igrejas, sindicatos, partidos políticos, deu suporte à permanência. “A liderança do Fernando Menezes e da Sandra Feltrin (advogada do escritório Wagner Associados e hoje já falecida) foi fundamental. Eles foram guerreiros”, exclama Fátima.

Leonel Pacheco, 59 anos, hoje morador da Vila Pôr do Sol, e que também estava na primeira leva de ocupantes, destaca um dos momentos que considera marcantes naquela luta inicial: “quando a nossa grande liderança do Movimento, representada na figura do Fernando (Menezes), de punho erguido, disse ‘passamos o arame, agora é esperar e lutar’.” A maior angústia, conta Pacheco, era justamente não saber se conseguiriam permanecer na área.

Ex-primeira dama francesa, Danielle Mitterrand, com Fernando Menezes (à esquerda), visita o bairro em 2002 (foto Arquivo Pessoal)

A fazenda

O bairro Nova Santa Marta integra o que outrora se chamava fazenda Santa Marta. Dados disponíveis na internet apontam que, em 1979, a área tinha um total de 1.126 hectares. Deste total, 728 hectares eram da Companhia de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Estado (Cedic); 300 hectares eram do Distrito Industrial; 343 hectares eram da Companhia Habitacional do Estado (Cohab); 484 hectares eram da secretaria de Agricultura; 38,70 hectares foram usadas para a construção da Cohab Santa Marta e, até 1991, ano da ocupação, 304 hectares estavam sem uso algum.

Às vésperas dos 20 anos da ocupação em 2010, o censo demográfico do IBGE registrou 12.722 moradores (as). Entretanto, atualmente, conforme dados extraoficiais, vindas das lideranças comunitárias, a população já atingiria cerca de 25 mil pessoas. As vilas que compõem a Nova Santa Marta são: 7 de Dezembro; Alto da Boa Vista; 10 de Outubro; 18 de Abril; Loteamento Marista; Núcleo Central e Pôr do Sol.

Preconceito: os sem-teto e os pés no barro

Emilia Gross, hoje com 52 anos, é uma das importantes lideranças comunitárias da Nova Santa Marta. Em 1993 ela foi uma das ocupantes da região conhecia como Alto da Boa Vista. “Quando ocupei, morava de aluguel, tinha dois filhos pequenos – um de 3 anos e outro de 1 aninho”, relembra ela. Sobre aquele período, Emilia recorda: “sem emprego, morando numa barraca, sem água e sem luz. Tivemos que lutar muito para sobreviver”, frisa.

Questionada se enfrentavam preconceitos, ela responde taxativamente: “Sofremos muito preconceito. Tínhamos dificuldade para nos inserir no mercado de trabalho, dificuldade de pegar ônibus, pois quando nos viam no ponto, logo falavam, lá vem o pessoal dos sem-teto. Nos dias de chuva pisávamos no barro, pois não tínhamos ruas calçadas, então, sujávamos bastante os ônibus”, diz Emilia. E complementa: “Nossos filhos tinham dificuldades de estudar, pois as vagas nas escolas próximas já tinham se esgotado. Então, além de não termos emprego, tínhamos que ter passagem para os filhos poderem ir para uma escola fora do bairro”.

Suelen Aires Gonçalves, 34 anos, veio com sua família direto de Uruguaiana para a ocupação, em 1995. Formada em Ciências Sociais pela UFSM, atualmente cursa o doutorado em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Suelen lembra dos primeiros tempos na ocupação, ainda criança. “Inicialmente, fomos morar na rua 10, número 195, na Vila 10 de outubro. Estávamos a duas quadras da divisa com a Vila Prado. Nossa realidade, neste local, era de uma rua sem saída, com água e luz somente para algumas residências”.

Ela lembra que, num primeiro momento, tinham água e luz de forma clandestina, de conexões com os vizinhos e compartilhamento dos gastos. “Logo após, tivemos água e luz instalados neste local. Sobre a infraestrutura, era péssima: ruas sem drenagem, sem saneamento básico. No ano de 1995, não tínhamos acesso à escola na ocupação, e nem a vários outros serviços”, descreve ela.

Suelen Gonçalves (ao microfone) junto com Fátima Gonçalves e Cristiano Schumacher (MNLM), lideranças (foto Arquivo Pessoal)

Superação e avanços

Fátima Gonçalves afirma que a luta inicial dos ocupantes era em busca de um terreno e benfeitorias para poder sobreviver, como água e luz. Com o tempo, depois de muita pressão, mobilização política, com o passar dos governos, as melhorias iam acontecendo, ainda que a passos lentos. A líder comunitária relembra um dos momentos mais importantes, alguns meses após o início da ocupação, que foi o sorteio dos terrenos. “O sorteio era para que ninguém fosse privilegiado”, explica ela.

Fernando Menezes também lembra desse momento. “Os terrenos foram sorteados publicamente, sem apadrinhar ninguém em terreno melhor ou pior. O nome era colocado no saquinho com 200 papeizinhos, que continha o número da quadra, o número do lote, marcados pela comissão em conjunto com a Cohab. E tu era sorteado para se dirigir e identificar o teu lote. Era uma emoção atrás da outra. Nos governos seguintes veio a regularização, ainda em fase de conclusão”, ressalta ele.

Foram trocando governos e as conquistas foram caminhando aos poucos, constata Fátima Gonçalves. E no campo da educação, os avanços foram significativos. Primeiro, veio a Escola Marista, depois, já no governo Olivio Dutra (PT) de 1999 a 2002, uma escola estadual, e no governo Valdeci Oliveira (PT), de 2001 a 2004, a escola municipal. Contudo, dentre as maiores conquistas do bairro, que foram estruturais, vieram com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que garantiram, esgoto, ruas pavimentadas.

Fátima lembra que cronograma das obras foi construído com a participação das lideranças da comunidade durante o segundo mandato do governo Lula (2007 a 2010). Ela cita como nomes relevantes para a construção do projeto, entre outros, o de Leonel Pacheco e o de Cristiano Schumacher (MNLM). Toda essa mobilização e planejamento passou pela elaboração de projetos via técnicos da prefeitura de Santa Maria, à época comandada por Valdeci Oliveira, e encaminhados a órgãos como o ministério das Cidades.

Leonel Pacheco recorda que, naquele momento, atuava em um conselho que tratava da temática das cidades. Em reunião ocorrida na Escola Marista, informou que havia recurso para investimento em regularização, mas que, para tanto, a área precisava ser plenamente do município. A partir desse encontro, novas mobilizações, inclusive trancando a rodovia (BR), para reivindicar que houvesse a municipalização da Nova Santa Marta, o que chamou a atenção da população, gerando pressão nos governos…”

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