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A visibilidade invisível das pessoas trans e travestis no Brasil – por Débora Dias

A articulista lembra a importância do 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans

Não podemos, de forma alguma, dizer que as pessoas trans não são vistas. São, mas comodamente a sociedade as torna invisíveis, em todos os setores, principalmente no que se se refere a dados de violência. Subnotificação da violência a pessoas trans é imensa. A violência a pessoas trans só se torna visível quando há uma morte, mesmo assim, não são dados oficiais. A invisibilidade também atinge a políticas públicas.

Tornar as pessoas trans invisíveis é um comportamento cômodo, confortável porque as ver, efetivamente, faz com que tenhamos que trabalhar com preconceitos, discriminação, falta de empatia, ignorância, sentimentos e atitudes que permeiam nossa sociedade.

E esse trabalho de aceitar e respeitar a população trans, uma sociedade intolerante e hipócrita não quer ver. Digo hipócrita porque há hipocrisia em quem se é corrupto ou corrompe, em quem engana, em quem consegue dar um “jeitinho” em tudo pra resolver melhor, em quem engana, trai, mente, mas apregoa em alto e bom som: “valores da família”, de moral e dos bons costumes, como se as pessoas trans não pertencessem também a uma família, muito embora, essa família também a descarte por não querer lutar com ela diante de sua disforia de gênero.

Moral e bons costumes podem ser sintetizados em respeito pelo outro, por todos os seres humanos, independentemente de suas diversidades e peculiaridades humanas.

Por que se no período neolítico os homens descobriram que friccionando duas pedras poderiam produzir fogo, não significa que fosse a melhor maneira de fazer fogo, mas era a única que aquela população na época conhecia.

Evoluímos. Hoje temos inúmeras maneiras de produzir fogo. Isso é evolução, conhecimento. Até a orientação sexual era tida como doença. Evoluímos, sabemos que a orientação sexual do ser humano (ter atração sexual por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto, ou por ambos os sexos) nos os torna doentes. Evoluímos.  Andar de carroça até a invenção do veículo automotor era a melhor opção que tínhamos até então. Evoluímos.

Dessa forma, o que não é conhecido até então pelas ciências (humanas, biológicas, exatas, etc.) em determinado momento da vida humana, podem nos levar a trilhar caminhos, a andar de determinada maneira e com conceitos que são os melhores que o conhecimento científico nos proporciona,  no momento.

Entretanto, quando temos maior informação, na evolução, verificamos que temos outros caminhos até então não imaginados. Assim é a evolução. Negar a evolução, o conhecimento, é ignorância. Podemos fazer fogo friccionando dois pedaços de pedra ainda hoje, sim, se essa for a única opção em determinada situação, mas não significa negar a evolução.

Nesse sentido, o que conhecíamos sobre o ser humano há 100 anos, sobre sua composição física e biológica não é o mesmo que sabemos hoje. Atualmente sabemos que pessoas nascem com sexo biológico mas que se identificam com características do outro sexo, sentem-se desconfortáveis, incomodados, infelizes com suas características primárias. Sentem que aquele corpo não é o seu, isso se chama disforia de gênero, é um sofrimento intenso. 

Pode-se nascer homem e se identificar com o gênero feminino ou nascer mulher e ter  identidade de gênero masculino. E, se isso acontecer, estamos diante de uma pessoa transgênero e, para essa pessoa, o caminho vai ser muito difícil, de pouca aceitação, de discriminação, de preconceito. Mas, temos que lembrar, não é uma escolha, não é uma opção, é uma característica desse ser humano.

O preconceito e a discriminação são fomentados pela negação do conhecimento do ser humano. São fomentados pela ignorância, pela arrogância, pela intolerância. Ignorar o que se sabe hoje sobre pessoas “trans e travestis”, que não se sabia há anos atrás, é estupidez. E não aceitar as pessoas trans, seres humanos como todos nós, é terrível.

Dia 29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Trans, e tem gente criando dia do orgulho hetero . Datas como da visibilidade trans, do orgulho gay, dia da mulher, dia da consciência negra,  não são datas que são para serem comemoradas com festas, mas são datas em que se clama à sociedade, devido a sua condição de estar em estado de vulnerabilidade e sofrerem discriminação, preconceito, violência.

Então, meu povo, não precisa criar dia do orgulho hetero porque a população declaradamente hetero não sofre nenhuma discriminação por ser heterossexual, essa data é desnecessária. É como criar dia do orgulho branco. As datas são bandeiras para conscientização, para debates, para gritarem  mesmo que estão sendo violentadas, mortas, afrontados seus direitos humanos, tendo como base o preconceito e a intolerância.

Assim, o  29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Trans e Travesti para que saibamos, todos nós, a sociedade, que eles existem e sofrem graves violações em seus direitos, sofrem violências, simplesmente porque não são aceitos como são. Dia de pensar em inclusão, a começar pela escola, a aceitar as diferenças, a não excluir, a não jogar tantos jovens à prostituição não por escolha, mas por ser o único caminho.

29 de janeiro, dia de gritar, TRANS E TRAVESTIS SÃO GENTE!!!

(*) Débora Dias é a Delegada da Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância (DPICoi), após ter ocupado a Diretoria de Relações Institucionais, junto à Chefia de Polícia do RS. Antes, durante 18 anos, foi titular da DP da Mulher em Santa Maria. É formada em Direito pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, Ciências Criminais e Segurança Pública e Direitos Humanos e mestranda e doutoranda pela Antónoma de Lisboa (UAL), em Portugal.

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