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Poemas de Alcipe – por Elen Biguelini

A transcrição de quatro deles, e o significado, na avaliação da articulista

Instigada pelo artigo da semana passada (“Marquesa de Alorna (1750-1839), a Alcipe”: releia AQUI), optei por transcrever aqui alguns poemas da ilustre autora que conhecemos: (fizemos a transcrição com os termos e grafia no original, logo somno – sonho, entre outros)

Soneto. Feito na cerca em [Convento de ] Chelas.

Deitei-me sobre a fresca relva um dia,/ E dando a um somno leve alguns instantes/ C’os prazeres sonhei, que lá distantes / Debuxava a estragada fantasia.

Saturno vagoroso me trazia / Um diadema de lucidos diamantes, /Enramado de myrtos odorantes, / O qual Cypria na fronte me cingia.

A Fortuna risonha se mostrava; / Mas no disco de roda vacilando, / Voltando-a, me levou quanto eu sonhava.

Já Delio para os mares ia olhando / E Boreas, que raivoso murmurava, /Me acordou, como d’antes suspirando.

Nota-se neste pequeno sonho as imagens da vida enclausurada. A Fortuna se mostrava risonha e alegre, até que a roda fortuna da vida os levou ao calabouço. Alcipe foi a Chelas, e seu pai (aqui referido como Delio) foi levado a Torre de Belém onde “os mares ia olhando”; visto que sua cela lhe permitia a observância do mar. Segundo nota da própria autora, seria seu primeiro soneto. Foi publicado no primeiro tomo de sua obra, publicado em 1844, na pagina 5.

Ode.

Guardai, Musas, os dons com que me horastes; / Senão devo cantar o doce assumpto,/ Com que á lyra de Sapho invejas déra / Correi, lagrimas tristes.

D’aqui, morada escura dos pezres, / Verei Delio entre nuvens ocultar-se / E sobre as duras aras de Cybele / Espalhar frio pranto.

Nem já pizando a relva levemente / Em coros, ao clarºao da Caria Delia, Te ouviria, oh Cyprina, oh Nymphas bellas,/ Amor engrandecendo.

De mim fogem os gostos cautelosos; / Nem volvendo a Estação em novos dias / Se extingue o meu peito a fonte amarga / Que assáz magôa os olhos.

Do terno myrto a flor, do loiro a folha / Se colho, para ornar o bem que adoro, / Com presagio cruel, antes que veja, / Do Tempo o bafo as murcha.

La distante de mim, tu a que mando / Tantos suspiros, vive afortunado,/ Sem que o tyranno aspecto da saudade / Assuste o teu descanço.

Mas se acaso entre as Musas te repousas,/ Se a seus hymnos sublimes cada instante / Envias novo assumpto, ah! Não te esqueça / O puro amor d’Alcipe.

Nesta obra suas musas parecem ser as figuras femininas de sua família, as amigas mais próximas do convento, que como ela cantam hinos religiosos. Esta Ode aparece no primeiro tomo de sua obra, de 1844, nas páginas 188-189.

SONETO. O Salto de Leucade

Ninguem afoga Amor n’agua salgada, / Por mais que a Greacia illusa o certifique; / Bem que a sorte de Sapho assim publique, / No mar acabou Sapho namorada.

Artemisa infeliz, precipitada,/ Quer nas aguas do fogo achar despique,/ E não consegue mais senão que fique, / De Salamina a gloria equivocada.

Os effeitos da queda de Leucade / Não são quaes nos tem dito, porque infiro / Que muitos saltam dentro da Cidade:

Vencem Amor as damas no retiro, / Os homens em faltando á lealdade, / Este é o salto famoso lá d’Epiro.

Este interessante texto remete a figuras clássicas femininas e utiliza da poesia para indicar a falta de constância masculina. Foi publicado no II tomo de seus volumes, na página 168.

Por último, finalizamos com um poema para seu marido, a quem ela se referia como Jonio.

SONETO. A Jonio, que quer que imprima as minhas Obras.

Folhas de louro, e algumas baças pecas / Basculhei nas alléas do Parnaso;/ Este lixo está junto, e por acaso / Entre elles algumas flores menos seccas.

Cuidei ter rouxinoes, achei marrecas: / Tentada estou de pôr tudo isto raso; / Porém, discreto Jonio, faço caso / De quanto neste assumpto me deprecas.

Arranjarei meus versos, sem que exponha / Sua innoccencia a Zoilos sem piedade, / Que os lêam mal,  e os cubram de vergonha:

E se o que dizes valem na verdade, /Livremo-los por ora de peçonha, / E vão salvos á sã Posteridade.

Notamos aqui uma tendência clara ao medo da fama, que é também marcante em suas cartas. Isto porque às mulheres não cabiam os espaços públicos. A “fama” era significado de maledicência para as mulheres. E nem mesmo Alcipe podia garantir que os comentários que receberia iriam ser respeitosos de seu talento e de sua lira. Este soneto vem no 2º tomo dos volumes publicados por suas filhas em 1844, na página 177.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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