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De Tróia à Kiss – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

O grande Homero escreveu a Ilíada e a Odisseia VIII séculos antes de Cristo. Por mais ficcionais que sejam o trágico embate entre gregos e troianos, narrado, maravilhosamente, por Homero, repercute até hoje em nossa vida cotidiana.

Por mais que não tenham lido a Ilíada ou a Odisseia, as pessoas sabem usar de forma correta a metáfora do “Cavalo de Tróia” ou “Presente de Grego” para designar um desagradável e indesejado presente. A guerra de Tróia, mesmo que literário, virou um fato histórico universal e, portanto, atemporal. Toda a tragédia vivida pelo ser humano é assim: inesquecível. Por ser trágico, para que não esqueçamos e para que sejamos capazes de construir, historicamente, instrumentos culturais e políticos para que não se repita.

As duas grandes guerras mundiais, a tragédia proporcionada pelos nazistas, através do Holocausto, contou com a criação de trinta e cinco campos de concentração dentre eles: Auschwtz com aproximadamente 1.500.000 seres humanos mortos; em Maly Trostenets o número estimado em é de 500.000 mortos; em Dachau ocorreu o extermínio de 200.000 pessoas. O bombardeio atômico em Hiroshima e Nagasaki estima-se a morte direta de aproximadamente 200.000 pessoas, quase a totalidade de população civil.

A ditadura militar reunindo Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, efetivada pela chamada “Operação Condor”, resulta, tragicamente no extermínio de, no mínimo, 85.000 pessoas e 400.000 torturados. A chacina da Candelária. Extermínios diários nas favelas de todo nosso país. E para ficar em nossa província, em 27 janeiro, a tragédia da Boate Kiss ceifou a vida de 242 jovens na flor da idade, a maioria em questão de minutos, propiciado por um incêndio que liberou monóxido de carbono e cianeto.

Todos estes fatos, por serem trágicos, não devem ser apagados de nossa memória e, de forma alguma, eliminados de nossa História. As mães da “Praça de Maio” até hoje se reúnem para saber do paradeiro de seus filhos e pedirem justiça. Incansáveis essas lindas, generosas e amorosas mães!

No que tange ao episódio trágico da Boate Kiss, que abalou nossa cidade, nosso estado, o país e o mundo, enquanto cidadãos estamos estupefatos com a decisão de a justiça soltar os réus sob o pífio argumento de não haver mais “clamor popular”. Será que os agentes responsáveis pela produção da justiça estão se revestindo de deidades para conhecer, avaliar, julgar e decidir sobre nossas dores.

Fundados no paradigma pragmático de uma vida egoísta, interesses econômicos arrancaram de nosso convívio 242 seres humanos que estavam construindo as bases, através do estudo, para um futuro feliz e brilhante. Agora, novamente, interesses econômicos e políticos querem nos fazer calar e esquecer este fato trágico da História de nossa Santa Maria. Para desviar a atenção do verdadeiro foco, de forma perversa estão acusando a Associação dos Familiares das Vitimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), de baderneiros e que os mesmos não querem deixar a cidade esquecer o triste, irresponsável e trágico fato histórico. Nunca vamos deixar que razões políticas e econômicas façam-nos esquecer do fato e muito menos nos inibir de clamar por justiça. O astuto Odisseu, com seu cavalo de pau, adentrou os muros de Tróia e acabou com sua população e deu fim a guerra, mas permanece viva em nossa memória cultural e histórica. Vamos arrumar, sim, um lugar em nossas almas e corações para aqueles que perdemos tragicamente na Boate Kiss, mas não nos digam para esquecê-los e muito menos o que devemos fazer.

Homero pode ser considerado um Homo Fictus, mas nós somos seres humanos que nos constituímos ontologicamente como seres de sentimentos. Em nossa práxis sentimos dor, sofremos, somos alegres e tristes. Assim como todas as tragédias que passamos enquanto humanidade e não queremos esquecer, a tragédia da Boate Kiss não será, por decreto e escusos interesses, apagada de nossas fatigadas almas.

É vergonhoso e triste percebermos que os poderosos e egoístas tudo fazem pelo dinheiro, seu conforto e lucro e, nós os humilhados e excluídos, temos que atravessar o tempo, produzindo nossa história, sempre clamando por justiça.

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Um Comentário

  1. Problema semântico. Nosso sistema tem como premissa que valem as regras penais (grosso modo)ao tempo do crime. O clamor popular não é motivo para prisão preventiva conforme artigo 312 do CPP. A existência ou não é irrelevante, não é levado em conta.Vide HC 80719 do STF,que é de 2001:
    -A PRISÃO PREVENTIVA – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU
    -O CLAMOR PÚBLICO, AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE
    -A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E DA ORDEM PÚBLICA NÃO CONSUBSTANCIA, SÓ POR SI, CIRCUNSTÂNCIA AUTORIZADORA DA PRISÃO CAUTELAR

    Basta ir a BSB, não é necessário ir à Turquia, Alemanha, Japão e o giro pela AL.
    Querem justiça, só que justiça não é vingança executada pelo Estado.

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