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Relatório da CPI da Covid é grande demais para caber nas gavetas do Aras – por Carlos Wagner

O documento da CPI “é grande demais para ser varrido para baixo do tapete”

Não pode ser esquecido o que aconteceu durante a pandemia do novo coronavirus no Brasil (Foto Reprodução)

Não vou entrar na discussão jurídica do pedido feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) para arquivar sete das 10 apurações preliminares da abertura de investigação feita pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid. Muito menos vou atirar pedra na PGR, porque já era unanimidade entre nós jornalistas que isso aconteceria devido à proximidade pessoal e política entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).

Aras não é o primeiro que ocupa o cargo e o usa para defender os interesses de quem o indicou. Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), Geraldo Brindeiro (falecido em 2021) foi reconduzido em três oportunidades (1995 a 2003).

Em 19 de agosto de 2021 escrevi o post Diferenças entre os procuradores Aras e Brindeiro, o engavetador-geral da República. O pedido de arquivamento foi encaminhado ao STF pela vice-procuradora-geral, Lindôra Araujo. Os ministros devem responder nas próximas semanas – há inúmeras, diversificadas e vastas matérias na internet sobre o assunto.

O que me interessa conversar sobre esse assunto é a grandiosidade que foram os acontecimentos durante a pandemia de Covid-19. Sou um velho repórter estradeiro, 71 anos, 40 e tantos de profissão e 30 e poucos em redação de jornal. Aprendi na lida profissional que o caminho mais curto para desconstruir um evento é começar a discutir as picuinhas que o cercam, deixando de lado o cerne dos acontecimentos.

E o cerne da investigação feita pela CPI da Covid é o fato do ex-ministro da Saúde e general da ativa do Exército Eduardo Pazuello ter transformado em política de governo o negacionismo do presidente Bolsonaro em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid. As 1,3 mil páginas do relatório final da CPI colocam as digitais do presidente da República e dos seus ministros nas mortes dos 677 mil brasileiros pelo vírus.

Descreve com detalhes como a negligência governamental causou a morte por asfixia devido à falta de oxigênio hospitalar de dezenas de pessoas nos hospitais de Manaus (AM) e em cidades do interior do Pará. Mostra como o plano de saúde Prevent Senior, de São Paulo, fez experiências com doentes, usando drogas ineficazes como a cloroquina. Também foram feitas experiências com cloroquina em pacientes no Hospital da Brigada Militar, em Porto Alegre (RS).

E quando a cura para a doença foi encontrada, o governo Bolsonaro fez corpo mole para comprar as vacinas. Enquanto isso, a população vivia o pavor de conviver com o temor de ser a próxima vítima do vírus. Os enterros coletivos e vala comum viraram notícias rotineiras nos jornais. O Brasil foi o segundo país no mundo onde mais pessoas morreram pelo vírus.

Não precisava ter sido assim, essa é uma das conclusões do documento final da CPI da Covid. Lembro que as sessões da CPI eram acompanhadas pela população com altos índices de audiência. Aqui quero fazer com os meus colegas uma reflexão. A Segunda Guerra Mundial só não foi mais um confronto na humanidade porque houve os Julgamentos de Nuremberg.

Ali não foram só ouvidos e condenados os criminosos de guerra. Os comandantes das tropas aliadas, que haviam derrotado a Alemanha Nazista, também estavam interessados em ouvir o maior número de pessoas comuns possível para entender como Adolf Hitler e os seus seguidores haviam conseguido convencer a população a ser cúmplice do genocídio de judeus, ciganos, pessoas com deficiência e adversários políticos.

O conhecimento sobre as atividades dos nazistas documentado por Nuremberg é vasto e está disponível ao apertar de um botão. Digo que o conhecimento geral dado pela CPI da Covid é fundamental para que no futuro isso não se repita. No início da nossa conversa citei o post que fiz em 2021 sobre as diferenças entre os procuradores Aras e Brindeiro, que entrou na história como o “engavetador-geral”.

Na ocasião, não tinha clareza das diferenças entre os dois. Hoje, eu tenho. Qual é? Todo governo democraticamente eleito, como é o caso de Bolsonaro, tem as suas broncas e recorre aos seus aliados incrustados em cargos nos três poderes da República. Faz parte do jogo. Agora, o que aconteceu durante a pandemia não faz parte do jogo. O presidente da República e seus ministros recorreram a crenças exóticas para negar a ciência.

Todas as consequências dessa decisão governamental foram documentadas no relatório final da CPI da Covid. Independentemente do destino que terão nos tribunais brasileiros e estrangeiros as pessoas apontadas pela CPI como responsáveis pelos crimes. O conteúdo desse relatório conta uma história que não pode ser esquecida. Ele é grande demais para ser varrida para baixo do tapete.

Sem rigor científico, andei fazendo uma pesquisa para saber se em algum país do mundo houve uma investigação sobre a Covid como a que aconteceu no Brasil. Não encontrei nada. Perante todos esses fatos, concluo que a diferença entre Aras e Brindeiro são os 677 mil brasileiros mortos. Há um relatório de 1,3 mil páginas da CPI da Covid colocando as digitais do governo Bolsonaro nos acontecimentos, independentemente do destino que tiver nas urnas o presidente da República.

O relatório da CPI da Covid vai continuar rondando por aí. Nós repórteres não podemos esquecer que um período inédito da história do Brasil está contado com riqueza de detalhes nas 1,3 mil páginas do relatório final da CPI da Covid. Como disse, é um rolo muito grande para ser varrido para baixo do tapete.

PARA LER A ÍNTEGRA, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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