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Todos deveríamos ou todos somos feministas? – por Elen Biguelini

‘A realidade é que não seriamos quem somos hoje sem o movimento feminista’

Muitas feministas ao longo de suas vidas se deparam com pessoas que tentam lhes explicar o que é o movimento feminista. Existem no mundo muitas superstições sobre o que faz uma mulher uma feminista.

Alguns pensam que queimamos sutiãs. (Tudo culpa de uma foto que rola por aí, na qual uma mulher faz isso. Realmente, durante a década de 60 o sutiã era visto como uma jaula feminina, devido a sua relação com os espartilhos, mas aí a dizer que mulheres se juntavam à volta de fogueiras tacando um produto que lhes custava o olho da cara… é um passo muito longo!)

Outros pensam que “escolhemos a morte” porque desejamos que as mulheres tenham poder sobre seus corpos.

Algumas, que se dizem feministas, falam que algumas de nós somos infiltradas com o objetivo de violentar outras mulheres (leia-se aqui a transfobia ainda muito frequente em alguns grupos feministas).

Mas a realidade é apenas uma: ser feminista significa pregar pela igualdade entre os gêneros. Significa crer que homens e mulheres merecem os mesmos salários. Que mulheres afrodescendentes, mulheres islâmicas ou âncoras de jornais, todas tenha as mesmas oportunidades. Que um homem não ganhe mais que uma mulher, somente devido a seu sexo; ou que ninguém seja barrado de um esporte ou outro devido a sua biologia.

O movimento feminista cometeu muitos erros no passado. Todo movimento o fez. Já foi racista, por vezes ainda é transfóbico e islamofóbico. Já excluiu mulheres devido a sua cor e credo, assim como já excluiu homens que gostariam de ser nossos aliados.

Uma autora que felizmente tem sido muito debatida e que se tornou leitura obrigatória é Chimamanda Ngozi Adichie. Em seu brilhante “We should all be feminist”, “todos deveríamos ser feministas”, o livro, resultado da mesma Ted Talk que maravilhosamente foi eternizada com trechos na música “Flawless” de Beyonce, a autora consegue expressar a opinião de muitas mulheres contemporâneas.

O feminismo cabe a todos nós. E não deveria ser banalizado ou destruído por imagens equivocadas de sua verdadeira ação.

A realidade é que não seriamos quem somos hoje sem o movimento feminista. Nem mesmo este computador em que escrevo, ou este telefone em que o leitor acompanha a crônica existiriam. Porque se o movimento feminista não tivesse aberto espaço para as mulheres no mercado de trabalho – e aqui reitero, que mulheres nunca não trabalharam, mas a partir da década de 70 suas funções dentro do mercado passavam a ser valorizadas e elas passaram a serem aceitas em profissões até então inalcançáveis para elas -, não teríamos tido programadoras, os “primeiros computadores”.

Se o movimento feminista não tivesse batalhado pela licença maternidade, também não teríamos licença paternidade ou licença para casos de adoção.

Se o movimento feminista não tivesse reclamado o voto – algumas americanas, por exemplo fazendo guerras de fome compridas, e tendo a alimentação forçada em prisões – ainda teríamos todas as nossas decisões ignoradas em favor dos homens.

Não existiriam mulheres na política; elas seriam apenas esposas de políticos.

Lembramos que o movimento feminista ainda tem muito a aprender, cometeu erros e ainda os cometerá, mas ser feminista é uma necessidade na vida da mulher.

Isso não significa que toda mulher precise se identificar como tal. Muitas das que conheço não se definiriam como tal, mas batalharam por suas posições, defenderam os valores feministas de igualdade e paridade, mas jamais leram quaisquer teorias sobre o assunto.

Na realidade, muitos são feministas sem saberem. E muitos xingam feministas por opiniões que compartilham.

Tudo culpa de uma foto que algum repórter jornalista tirou durante uma manifestação? Imagino que não!

A má fama que o movimento feminista carrega consigo no seu dia-a-dia é fruto do machismo que ainda se encontra impregnado em nossa cultura. Aliado ao racismo e à homofobia, isto acaba atrasando avanços que poderiam ser alcançados com facilidade. Acaba fazendo como que questões absurdas como aquela imposta na semana passada retornem – o que vale mais, a vida da menina de 10 anos, ou do feto causado por um estupro?

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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4 Comentários

  1. Millor uma vez disse (ou escreveu) ‘O melhor movimento feminino ainda é o dos quadris’, fico pensando se seria ‘cancelado’ hoje em dia. ‘Fruto do machismo na cultura’ é um chavão. Não é falsificavel. É ideologico, vai acabar num ‘precisamos terminar com o capitalismo’. Racismo existe, deve ser combatido. Mas a esquerda não tem o monopolio do problema e nem da solução. Homofobia é questão de minorias também. Esquerda esconde-se atras delas. Alas, esquerda aponta problemas e não menciona a ‘solução’ porque sabe que a grande maioria vai rejeitar. É a mesma, unica para todos os problemas. Caso da menina foi distoricido para virar um cavalo de batalha ideologico. Restam as ‘feministas’ militantes, passam a vida vivendo as custas da sociedade sem produzir ou contribuir com algo verdadeiramente util. Palavras soltas ao vento e textos que terão poucos leitores e esquecidos sem muito tardar. Para estas, ‘parabens’.

  2. ‘Igualdade entre os generos’ é uma ideia. É, doença do mundo de hoje, uma tentativa de criar uma regra geral para muitos casos particulares diferentes. Mulheres são fisiologicamente e psicologicamente diferentes dos homens. Uma gerente de departamento que engravida para um diretor de empresa é um problemaço. Não só financeiro, mas organizacional. Há que se encontrar um substituto temporário, tem a quebra de continuidade na gestão, uma serie de problemas. Quando a gestante volta alguém ‘fica sobrando’. Para assumir um cargo de direção exige-se certos atributos (não só diplomas), sociais e politicos. Outra restrição, muitas mulheres não tem como objetivo subir na hierarquia. Na Suecia, numero de 2022, o parlamento tinha 47% de mulheres (numeros do governo sueco). Das empresas listadas na bolsa sueca, 10% tinham mulheres como presidente do Conselho de Administração e 35% das vagas nos conselhos ocupadas por mulheres. Em 2020 o salario das mulheres era pouco mais, na media, do que 90% do salario dos homens. Pouco menos de 96% quando diferenças de setor e profissão foram levadas em conta. Um terço das mulheres por lá trabalham em tempo parcial, parte por conta do mercado de trabalho (faltam vagas no tempo integral), parte para cuidar da prole e parte para cuidar de um parente idoso. Resumo é que mesmo lá as mulheres tendem a cuidar mais da familia (mesmo com Estado de bem estar social) do que da carreira. Resumo é gente tomando decisões com base em estatisticas em gabinetes num cabo de guerra com gente na planicie tocando a vida da maneira que acha melhor. Quem tem ‘razão’?

  3. ‘Poder sobre seus corpos’. Mulheres que desejam abortar (exceptuando estupro e problemas de saude, onde a discussão é de poucos(as)) são minoria. Debate é onde termina o direito da grávida e onde começo o direito do feto. A ‘roleta russa’ com o corpo também é controversa, sexo desprotegido pode resultar num HIV ou numa hepatite C, problemas de ‘saude publica’. Direito é um fenomeno cultural (chavão), não tem nada de ‘cientifico’ no caso (apesar de algumas falacias por ai). Resumo é que uns defendem uma ‘rede de protação social’ perfeita que resolverá todos os problemas de todas as pessoas em qualquer circunstancia, algo que nunca existirá. Incentiva o ‘já que “existe” rede de proteção social posso assumir maiores riscos’,

  4. Por partes como diria Jack (que era estripador e não esquartejador). Noutro dia Boulos, num podcast destes, largou, dentre outras coisas, um ‘quem nega o racismo estrutural tem discurso de odio, bla, bla, bla’. Coisa do genero. Ou seja, criticas e oposição a um determinado discurso politico ‘democraticamente’ virou ‘discurso de odio’. O que leva aos rotulos. ‘Feminismo’ não é uma coisa unica. Manifesto fascista de 1919 defendia o voto feminino. Não ser ‘feminista’ não signfica ser contra os direitos das mulheres. Obvio. Mais obvio ainda, ‘todos deveriamos ser….’ é uma declaração extremamente autoritaria, tenta criar obrigações para os outros sem a minima legitimidade para tanto.

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