General Mourão entra no Senado marchando com o passo errado – por Carlos Wagner
E avança a ideia de desmanche, pelo governo, do Supremo Tribunal Federal
Na lida diária do repórter aprende-se que nunca se deve desprezar uma informação, por mais irrelevante que possa parecer. Por quê? É real a possibilidade de que algum dia ela se encaixe em uma matéria. Durante as mais de três décadas que trabalhei em redação conheci colegas que chegavam ao requinte de organizar arquivos para guardá-las. Eu nunca fui tão organizado. Mas tive o cuidado de sempre cultivar amizade com colegas na redação conhecidos como “bons de memória”.
Fiz esse nariz de cera para aplainar o terreno para a nossa conversa, que é o nascimento do projeto de desmantelamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Para contar essa história vamos usar a trajetória da eleição, pelo Republicanos, para senador pelo Rio do Grande do Sul, do general da reserva Hamilton Mourão, 69 anos, atual vice-presidente da República.
Mourão disputou a vaga para o Senado com o ex-governador gaúcho Olívio Dutra (PT), a ex-senadora Ana Amélia (PSD) e a vereadora de Porto Alegre Comandante Nádia (PP). Nádia desistiu da candidatura atendendo a um pedido de Mourão, para não dividir os votos da direita. Mourão se elegeu com 2.593.229 votos, em torno de 44% do total.
Vamos à história. Durante os debates nas emissoras de rádio e TV ouvi Mourão falar em mexer no STF. Não dei a devida atenção. Mas registrei a história. Lembrei-me que meses depois de assumir o seu mandato, durante a pandemia causada pela Covid, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e os seus seguidores fizeram várias manifestações contra os ministros do STF.
As manifestações tinham como objetivo contestar as decisões dos ministros que deram aos governadores e prefeitos autonomia para decidir os rumos do combate à pandemia. Na ocasião, o presidente se perfilava entre os negacionistas do poder de contágio e letalidade da Covid – há uma vastidão de matérias na internet sobre o assunto, incluindo um documento de 1,3 mil páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid.
Em uma dessas manifestações, os bolsonaristas soltaram fogos de artifícios sobre o prédio do Supremo. O ministro Alexandre de Moraes e outros dos seus colegas foram ameaçados pelos seguidores de Bolsonaro, entre eles Sara Winter e o então deputado federal pelo Rio de Janeiro Daniel Silveira. Não é exagero afirmar que nesses quase quatro anos de mandato o presidente da República teve um enfrentamento por mês com os ministros do STF.
Portanto, dentro dessa realidade, qualquer referência ao Supremo feita pelo governo pode ser uma bronca que vai acabar nas manchetes dos jornais. Creio que foi por esse motivo que fiquei atento à manifestação do então candidato a senador gaúcho.
Logo depois de eleito, Mourão especificou com maiores detalhes a história do STF. Em resumo, a proposta é mexer no número de ministros, que atualmente é de 11, e nas decisões monocráticas (as que são proferidas por um ministro apenas) – há matéria na internet. Mais uma vez apenas registrei a conversa do vice-presidente.
Dias depois, o presidente Bolsonaro deu mais detalhes sobre as propostas de mudanças no STF, como o aumento no número de ministros, que pretendia encaminhar para o Congresso no próximo ano, caso fosse reeleito. Na conversa com os jornalistas, lembrou que fez maioria no Senado e na Câmara dos Deputados nas eleições de 2 de outubro.
Foi aí que me dei conta de que, na verdade, a conversa de Mourão sobre as mudanças no STF tinham sido apenas a ponta do iceberg. Na verdade, Bolsonaro já tem um plano de desmanche do Supremo pronto e só esperava a oportunidade para torná-lo público. Aqui é o seguinte. Todos sabem, incluindo Mourão, que uma proposta de desmanche do STF vai jogar o país em uma baita confusão.
A história não será decidida no Congresso. Mas nas ruas do país, nas manifestações populares. Porque as mudanças que estão sendo propostas para o STF não têm nada a ver com o aperfeiçoamento da Justiça ou outro motivo qualquer que não seja dar o controle total do país para Bolsonaro.
Em termos de organização jurídica, o Brasil recuaria para os anos 80. Esse recuo causaria enormes prejuízos econômicos, sociais e políticos. O negócio é o seguinte: o plano de desmanche está pronto. Tanto faz o presidente ser reeleito ou não, o vasto número de deputados federais e senadores eleitos pelos bolsonaristas garante que o projeto vai andar.
O que surpreende nessa história é que o Brasil que o próximo presidente e o Congresso irão governar vai estar cheio de problemas. A maioria deles herdados da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia, dois países importantes produtores de matérias-primas.
Em consequência desse quadro há hoje no país mais de 30 milhões de pessoas passando fome. Os empregos são escassos. A administração pública federal está emperrada, há rolo por todos os ministérios exigindo soluções urgentes, como é o caso da fila de espera para aposentadoria e outros benefícios no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
E os problemas de segurança nas fronteiras do Brasil com os seus vizinhos, em especial com o Paraguai, onde estão alojadas organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), com sede em São Paulo, que está investindo em transformar o território nacional em um corredor de drogas para os mercados americano e europeu.
Isso já aconteceu no México e resultou na instalação de cartéis de distribuição de drogas que tornaram as cidades mexicanas as mais violentas do mundo. Tudo isso escrito e dito sobre o futuro, precisamos ficar atentos à decisão que Mourão irá tomar quando assumir o cargo no Senado. Ou ajuda a resolver a montanha de problemas para colocar o país nos eixos ou se torna um deles.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
Não seja leviano, jornalista. Diga para nós de qual Brasil vc está se referindo? Acredita mesmo que não temos uma crise de abuso de poder por parte do Judiciário? O Senado irá mostrar a força da Democracia, ano que vem!
Não há como negar, autor tem dois talentos inegaveis. Samba de uma nota só e se vangloriar da propria velhice. Joga para a propria torcida.