O longo esperançar pelo reconhecimento e valorização docente – Piso Salarial e Hora Atividade – por Marta Hammel
O piso salarial profissional nacional é uma luta histórica de professoras e professores. Esta conquista, instituída por lei há quase duas décadas, mas ainda não cumprida, foi construída a partir dos diversos movimentos sociais, das lutas da categoria e inscrita nos documentos legais ao longo da história. A qualidade educacional almejada para a educação básica, que se transmute em desenvolvimento integral da sociedade brasileira virá, também, como consequência da valorização efetiva de suas educadoras e educadores, traduzida em carreira, jornada e piso salarial.
No Brasil, a primeira referência a um piso salarial nacional para o magistério data de 1822, registrada em portaria imperial. Promulgado em 1827, não foi implementado. A luta por este direito nunca cessou nesses dois séculos. Nossa história mais recente registra a corporificação dessa prerrogativa no artigo 206 da Constituição Federal (CF/1988), ratificada no artigo 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/ 1996), assegurada na lei do Piso Salarial do Magistério (2008) e pacificada, na sua integralidade, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) somente em junho de 2020.
O Plano de Carreira do Magistério Municipal de Santa Maria (2003), no seu artigo 22, tem previsto na jornada semanal docente a hora atividade, definida como espaço “(…) reservado para estudos, planejamento e avaliação do trabalho didático, bem como para o atendimento de reuniões pedagógicas” (Santa Maria, 2003). Do mesmo modo o Plano Municipal de Educação (2014-2024), na Meta 17, estratégia 17.2, avaliza:
“garantir a implementação de políticas públicas de valorização dos profissionais do magistério, assegurando: o piso salarial nacional profissional, aplicando a atualização da remuneração no primeiro nível do Plano de Carreira Municipal, tendo como data base o mês de janeiro de cada ano; um terço da carga horária para horas-atividades; apoio pedagógico; equipe multidisciplinar e tudo o que venha a repercutir em melhores condições de trabalho, gradativamente até o final do primeiro triênio da vigência do PME; (SANTA MARIA, 2015).
Faz-se necessária a consciência e a sensibilização da sociedade para a compreensão da educação em sua singularidade: formar pessoas e não objetos; que sua função social é desenvolver cidadãos e cidadãs capazes de entender a realidade em que vivem e com condições de contribuir para a realização das transformações de que esta mesma sociedade necessita. Os resultados do processo educativo não são quantificáveis utilizando os critérios de produtividade das demais áreas da atividade humana, mas sim se refletem na aprendizagem com qualidade dos estudantes, nas leituras de mundo e posturas que adotam frente ao que se lhe apresenta. Entendemos que “O ensino é um trabalho de resistência, a contracorrente das urgências de uma sociedade do espetáculo, da competição, do consumo. Temos de dar tempo à reflexão pessoal, à consciência partilhada, à ação prudente.” (NÓVOA, 2011).
Ainda, é preciso dar visibilidade à ação educativa de cada docente frente às educandas e aos educandos enquanto “…uma construção dialética, de um diálogo com o real, com os outros, com a experiência, com a teoria. Portanto, estamos falando de um conhecimento do professor que é permanentemente provisório”. (Pimenta,2002) Trata-se de uma mediação constante, reconstruída a cada aula, em cada sala e turma atendida, pois interagimos com seres humanos individuais em seus processos formativos.
O espaço-tempo destinado à hora atividade na educação básica da rede pública,
“…pode ser comparado ao diagnóstico de um Raio-X, pois é neste período que paramos para refletir sobre nossos avanços e mazelas, olhamos para as práticas, alimentamos de conhecimento nossas ações, encontramos os pares e nos fortalecemos para dar continuidade ao processo em desenvolvimento.”(AGUIAR & FURTADO,2019)
Este período vem, também, no intuito de abrandar as condições exaustivas da jornada de trabalho docente: planejar, pesquisar, avaliar, fazer registros, qualificar-se, compartilhar experiências, definir as estratégias e recursos para a ação, entre outros. Como afirma Parecer do Conselho Nacional de Educação, que versa sobre a implantação da Lei do Piso:
“…a carreira docente precisa viver um processo de humanização. Neste sentido, ainda que a escola tenha uma estrutura perfeita, ela não cumprirá o papel que a sociedade dela espera se o ser humano que nela trabalha e estuda não tiver suas necessidades atendidas.” (PAR.CNE/CEB nº 9/2009)
No Município de Santa Maria/RS, a carreira docente foi regulamentada em Plano de Carreira no ano de 2003. No entanto, a jornada e o piso salarial instituídos nacionalmente não são levados a efeito, pois a Prefeitura Municipal não cumpre a Lei 11780/2008. O valor definido anualmente como piso – DEVE ser aplicado no primeiro nível da carreira que prevê a formação em nível médio. Sobre este valor inicial repousam todos os demais benefícios advindos de formações acadêmicas de graduação e pós-graduação concluídas pelas professoras e professores. Tampouco a jornada definida pela mesma lei é respeitada, ou seja, dois terços de interação com estudantes e um terço reservado para a hora atividade.
O Sindicato dos Professores Municipais atua neste processo desde a construção da Lei do Piso Nacional e luta para que este direito esteja de fato presente na educação pública municipal. Mais recentemente, no ano de 2018, o SINPROSM tencionou a Secretaria de Município da Educação para a implantação efetiva da hora atividade. A partir deste movimento, constituiu-se um grupo de trabalho envolvendo a SMEd, o Conselho Municipal de Educação, representação de direção das Escolas de Educação Infantil e dos Anos Iniciais e o Sindicato. Ocorreram várias reuniões, estudos e discussões envolvendo as diferentes interfaces implicadas na execução plena desta prerrogativa da carreira.
Interrompidos parcialmente pelo contexto da pandemia da COVID-19, os encontros foram retomados em março de 2022, já na conjuntura da pacificação da Lei do Piso pelo STF. O Grupo de trabalho, denominado “Comitê” por portaria interna da secretaria, foi ampliado, agregando representantes de todas as modalidades da educação municipal. Foram criadas três subcomissões de trabalho visando aprofundar estudos e proposições para: a Educação Infantil, os Anos Iniciais, e Anos Finais do Ensino Fundamental. Estudos, levantamento de dados, socialização de experiências, verificação da aplicação em outros Municípios, diálogos, proposições, redações, apresentação, aporte de outros olhares e sugestões…. transcorridos cinco meses de atividades, ao final de julho o projeto lapidado pelo Comitê foi apresentado ao Executivo Municipal.
A redação do documento “Estudo e Planejamento da Implantação da Lei 11.738 na Rede Municipal de Santa Maria” explicita as propostas “… à altura da importância que a garantia do direito à hora-atividade pode representar quando se trata de qualidade da educação em nosso município bem como da valorização profissional docente.” Em poucas palavras, propõe-se para a Educação Infantil a “… inspiração na abordagem de Reggio Emilia com Ateliês Itinerantes. Estes, integrados por Professores-Atelieristas e Pedagogas Atelieristas que irão amplificar experiências para os bebês e crianças.” Para os Anos Iniciais aponta-se uma nova matriz curricular, embasada na organização da rede pública estadual, agregando ao Currículo “… experiências diversificadas de aprendizagem nas áreas da Educação Física, Artes, Informática Educacional e Língua Estrangeira, ampliando visões de mundo, conhecimento e repertório como cidadão e integrante ativo da sociedade.” Aos Educadores dos Ano Finais do Ensino Fundamental, majoritariamente com 20% da carga horária já destinada ao planejamento, caberá a complementação deste tempo alcançando um terço da jornada de trabalho.
A proposta do Comitê destaca ainda a importância da organização do tempo da hora-atividade que “…deve respeitar de maneira equilibrada, momentos de trabalho individual e coletivo visando o desenvolvimento dos seguintes temas: planejamento, avaliação, ensino-aprendizagem, registro e formação continuada.” Foi unânime ao conjunto de integrantes do Comitê a percepção da necessidade da contratação de professores para a consecução do projeto, inicialmente de forma emergencial e, logo a seguir, de forma efetiva por meio de concurso público.
Esforços empreendidos. Cobranças reiteradas à gestão municipal, que tem a sua frente o Prefeito e a Secretária de Educação em seu sexto ano de mandato e atuação. Dificuldades? Limites? Sim , somos sabedores da complexa tarefa que urge ser realizada. Porém, temos clareza de que a educação é o maior e mais fecundo investimento. Assim como claro está o direito de cada educadora e educador, assegurado na legislação, seja com o tempo-relógio, como preconiza a lei – com retornos imediatos revertidos em qualidade de educação para toda comunidade –, seja com indenizações judiciais de remuneração tardias pelo direto ao tempo sonegado.
Concluindo, reafirmamos que
“A educação no setor público, …tem no ser humano seu ponto de partida e seu ponto de chegada, pois embora o processo educativo seja mediado por meios materiais, como as estruturas das escolas, equipamentos, materiais pedagógicos e outros, é na relação humana que ele se realiza. Por isso, para além de qualquer outra melhoria estrutural, embora importante, o foco das ações para aprimorar o processo educativo deve estar no desenvolvimento de políticas que valorizem o trabalho do professor e signifiquem melhor aprendizagem para os estudantes. (PAR. CNE/CEB nº 9/2009)
Assegurar valorização e condições de trabalho aos professores e professoras é importante fator para garantir Educação de Qualidade. Afirmamos a hora-atividade como momento próprio do planejamento, da avaliação e do (re)pensar das ações frente às crianças e estudantes. Reiteramos, assim, que a organização de ações pedagógicas concebidas pela diversidade de olhares dos profissionais da educação, atuando no chão de cada escola, trarão ações educativas mais contextualizadas, assertivas e efetivas, potencializando o ato de ensinar-aprender.
Neste tempo histórico, em que estamos vivenciando o processo democrático de escolha das lideranças no Executivo e Legislativo nacionais e estaduais, que definirão os rumos e prioridades dos investimentos para os próximos anos, atentemo-nos para a análise da atuação de cada candidata e candidato e da agremiação que representam. Que falas apresentam sobre a educação e educadores? Que projetos defendem? Que propostas trazem? Que percurso traçaram para a educação nas posturas que assumiram em votações? É hora da avaliação! Façamos das eleições 2022 um espaço para a eleição de representantes autenticamente comprometidos com a Educação Pública, Gratuita, Democrática, Emancipadora, Popular, Laica, de Qualidade Social e, para todas e todos. Educadoras e Educadores: à vigília, à luta sempre.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Maria Aparecida Lapa de, FURTADO, Anésia Maria Martins. A Hora Atividade: A Conquista de um Direito e seu Contexto Histórico. Revista Humanidades e Inovação v.6, n.10 – 2019
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer n. 09/2012, de 12 de abril de 2012. Implantação da Lei nº 11.738/2008, que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica. Brasília, 2012
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 9/2009 – Revisão da Resolução CNE/CEB nº 3/97, que fixa Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
NÓVOA, António. O regresso dos professores. Pinhais: Melo, 2011.
PIMENTA, Selma Garrido. De professores, pesquisa e didática. Campinas, SP: Papiros, 2002
COMITÊ HORA-ATIVIDADE. “Estudo e Planejamento da Implantação da Lei 11.738 na Rede Municipal de Santa Maria.” Santa Maria, Julho de 2022.
SANTA MARIA. Lei nº 4696/03, de 22.09.2003. Estabelece o Plano de Carreira do Magistério Público do Município, institui o respectivo quadro de cargos e dá outras providências.
SANTA MARIA. Lei nº 6001/15, de 18.08.2015. Institui o Plano Municipal de Educação (2014-2024) e dá outras providências.
(*) Marta Hammel é professora de Ciências na Rede Municipal de Santa Maria, Mestre em Educação nas Ciências e coordenadora de Finanças do Sinprosm
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