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Copa dos protestos – por Orlando Fonseca

Exemplos da seleção alemã, dos atletas ingleses e das mulheres iranianas

Nestes tempos de copa do mundo, é um pouco difícil encontrar quem não esteja de alguma forma ligado aos jogos, não tenha alguma comentário a fazer quanto ao desempenho da nossa ou das outras seleções. Para nós, os aficionados pelo futebol, o envolvimento com tudo o que diga respeito à Copa é a informação do momento, é o que se deve saber para se saber no mundo.

Queremos conhecer o que está sendo preparado pelas equipes, o que acontece nos estádios e o que virá no dia seguinte, não há notícia mais importante. Isso não parece apenas alienação, isso é alienação. Para nós, os atentos às imagens da TV, aos comentários dos especialistas do rádio, alienados são os que não estão nem aí para o gol do Richarlyson.

Para amenizar esta minha impressão, estou percebendo que algo está em transformação, e alguns protestos de jogadores e torcedores estão me fazendo mudar a perspectiva.

Eduardo Galeano, um dos maiores pensadores da América Latina, autor de “Veias abertas da América Latina”, também deixou muitos escritos sobre esta paixão: o futebol. Em um trecho de suas crônicas sobre o tema, ele lamenta o fato de o esporte ter se transformado em espetáculo, “com poucos protagonistas e muitos espectadores, futebol para olhar, e o espetáculo se transformou num dos negócios mais lucrativos do mundo”.

E recupera o prazer juvenil da prática: “Ninguém ganha nada com essa loucura que faz com que o homem seja menino por um momento, jogando como o menino que brinca com o balão de gás e como o gato brinca com o novelo de lã”.

No entanto, encerra a sua reflexão com o que todos nós, que nos deixamos prender por este espetáculo: “Por sorte ainda aparece nos campos, embora muito de vez em quando, algum atrevido que sai do roteiro e comete o disparate de driblar o adversário do time inteirinho, além do juiz e do público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança na proibida aventura da liberdade.”

Em meio a notícias de vitórias, derrotas, eliminações, jogadas incríveis e lesões, temos visto jogadores em gestos pouco executados em Copas Mundiais, pelo rígido protocolo da FIFA (a qual, como se sabe, está do lado dos poderosos).

O grupo de jogadores da seleção alemã com a mão na boca contra a censura, os jogadores ingleses ajoelhados contra o racismo, cartazes de iranianas nas arquibancadas. Alguma coisa está em movimentação neste mundo de milhões.

A copa do Catar, em controvérsias desde a sua eleição como sede, envolta em denúncias de maus tratos aos trabalhadores, além dos resultados de campo, tem dado o que pensar sobre mudanças que ensejam uma nova ordem mundial.

Assim como a economia uniu o planeta, tanto pelos negócios quanto pelo vertiginoso avanço tecnológico, no fenômeno que se conhece como globalização, agora vemos que, nesse mesmo território de altas cifras, o respeito à democracia, aos direitos humanos e a preservação do ambiente estão se tornando valor, tão importante quanto a cotação do dólar.

Não por acaso, a circulação de informações sobre as obras sociais do jogador mais importante da nossa seleção, autor dos dois gols (um deles candidato a mais bonito da Copa) que nos deram a vitória na primeira partida, está em pé de igualdade com a sua qualidade de centroavante.

Ainda que não se espere de jogadores de futebol mais do que habilidades de atacantes capazes de driblar adversários e fazer gols, zagueiros capazes de desarmar adversários e impedir que chutem em nossa meta, estamos todos no mesmo barco, ou seja, no mesmo planeta, que é a casa da humanidade.

Ainda que tenha a mágica anunciada na canção popular: “Olhando para bola eu vejo o sol/ Está rolando agora uma partida de futebol”, há vida fora das quatro linhas, fora dos estádios, para além das imagens da TV. E é a nossa vida, de brasileiros, de seres humanos, de habitantes desta nave chamada Terra, a qual, se não cuidarmos, pode se tornar inóspita para todos. Há mais do que voleios, dribles e cabeçadas a serem vistas nesta Copa. E isso é tão bom quanto um golaço.    

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Nota do editor: a foto (de Reprodução) que ilustra este texto é de um dos protestos que marcam os jogos do Irã na Copa do Catar

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7 Comentários

  1. Conferencia climatica do Egito deu em nada. Não houve acordo para descontinuar combustiveis fosseis. O programa de transferencia de renda dos paises ricos para os pobres para preservação foi substituido por um ‘fundo de perdas e danos’. Alguns paises fizeram contribuições simbolicas, a China não tomou conhecimento. A reunião resultou em outra reunião futura. Em tempo: a alternativa para a monarquia do Qatar, da Arabia Saudita e para a teocracia iraniana não é uma democracia ao estilo ocidental. O que está na mesa é uma nova desordem mundial, o Imperio Americano esta decaindo rapido e o Chines ainda não tem força de substitui-lo. Canção popular? A tua piscina ‘tá cheia de ratos /Tuas ideias não correspondem aos fatos/O tempo não para.’ Alguns podem enfiar a cabeça na areia como o avestruz da piada afirmando ser ‘otimistas’. Não muda os fatos. Não adianta criar expectativa ou imagem de um possivel futuro brilhante. É no mundo real que as coisas acontecem.

  2. Neymarketing sempre foi protegido pela imprensa. Na epoca dos Santos durante os jogos os adversarios tinham que abrir corredor para ele passar. Caso contrario falta. ‘Temos que proteger nosso futuro’. Deu no que deu. O que se ve em campo não é tudo o que a midia ‘especializada’ (Argentina era favorita e a França ‘não está jogando nada’) e o pessoal do futebol vive repetindo (Brasil deve medalha olimpica a ele porque cobrou o ultimo penalti; se não fosse o Luan não sei). Se vivem repetindo é porque ‘não colou’, o que se fala não corresponde ao que é visto. Neymarketing está lento. Prende demais a bola. Deixa o time facil de marcar. No primeiro gol tentou driblar meia Servia. A bola escapou e Vinie Jr. fomeou. Deu no que deu. Segundo gol, os mesmos dois. Ou seja, é de esperar marcação mais cerrada em Vinie Jr. e Richarlison. Time não faz quase nada do outro lado. Vai ter que aparecer mais. ‘Ah! Mas o Neymarketing apoiou o Cavalão!’. Isto é fora de campo. Muitos dos que mencionavam o ‘fora de campo’ agora sentam o malho. Contradições, hipocrisia.

  3. Preservação do meio ambiente virou só discurso e na margem virou picaretagem. Canada assinou o tratado de Kyoto, calculou o preço e repudiou o mesmo. A conta era cara. Tinha concordado com redução de 6% nas emissões durante um certo periodo e as mesmas aumentaram mais de 20%. Inventaram um tributo sobre a emissão de carbono e as emissões não diminuiram. Noutro dia o PM estava levando um pau no parlamento porque anda para cima e para baixo de jatinho e quem paga é o contribuinte.

  4. Já comentado, repetindo porque algumas pessoas não conseguem ‘registrar’. Globalização depois da pandemia vai retroceder. Cada vez que o governo chines faz um lockdown falta muita coisa no resto do mundo. As cadeias de suprimento vão mudar. ‘Democracia’ tem muitos conceitos, alás, no Brasil os ‘fascistas’ são liberais e defendem as liberades individuais e os ‘democratas’ defendem maior intervenção estatal e restrição das liberdades individuais (inclusive com ‘regulamentação’ da internet). Ou seja, acredita neste papinho quem é muito trouxa.

  5. As pessoas não vivem no imagético e nem no ‘simbolico’ (algo que foi reduzido a uma concepção tosca em Terra Brasilis). Alemães taparam a boca, mas tomaram caju, derrota historica para o Japão. Ingleses ajoelharam, mas o sujeito que lançou moda, Colin Kaepernick, ‘desafiou a NFL’ e tentou virar ativista profissional. Granda diminuiu e tentou voltar a jogar futebol americano. Não consegue vaga em nenhum time. Iranianas podem esticar quantas faixas quiserem, continuam passando o rodo no Irã. Funciona como as guerras na Africa, no Iemen e na Siria. Um dia depois está esquecido. Até na Ucrania volta e meia sai um factoide para lembrar a audiencia.

  6. ‘Veias abertas da America Latina’, o que o proprio Galeano falou do livro? “A Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha a formação necessária”. Nenhuma novidade, gente sem formação necessaria não é novidade, inclusive na aldeia. Mais? ‘”Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada.” “Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado.” “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é chatíssima. Meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro.” Trechos da entrevista que ocorreu durante a Bienal do Livro de BSB de 2014. Ou seja, Vermelhinhos ainda utilizam para apelo a autoridade um livro que o proprio autor confessa não conhecer bem o assunto sobre o qual escreveu. Kuakuakuakuakua!

  7. Kuakuakuakuakuakua! Eduardo Galeano ‘um dos maiores pensadores da America Latina’ só porque é de esquerda. Truquezinho manjado, parece critico de cinema que indica ‘abacaxis’ que ninguém vê só porque tem critica social, psicanalise de almaque de farmácia ou ‘simbologia’ tosca.

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