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Os Patos Sem Có – por Marcelo Arigony

Texto para rir? Talvez. Mas a metáfora do cronista é pra lá de séria

O ano é 3022, e o reino é dividido em castas. Os seres evoluíram muito desde os primeiros transgênicos, moldados nos laboratórios Zoe em meados do milênio passado. Os utopistas da singularidade erraram o alvo: a pureza do DNA humano sucumbiu, mas não deu lugar a mestiços cibernéticos conforme previram. Robótica é coisa de museu, suplantada pela biociência geneticista.

Com a tecnologia dominada, foi possível aviar receitas genéticas para criação de seres híbridos mais inteligentes, fortes e longevos, imunes a doenças que assolavam os vivos. O fenômeno ganhou o nome de pluralidade, dando origem ao gênero HuMais, cujos espécimes agregam atributos de outros seres.

Há uma minoria de HuMais superiores em inteligência e força, com características fenotípicas raras e valiosas, a quem é atribuída função política relevante: HuMais-águias são legisladores; HuMais-ursos responsáveis por julgamentos; HuMais-falcões tratam de vigilância; HuMais-touros são a segurança; HuMais-cães cuidam da saúde; e assim por diante.

Os HuMais superiores dominam estratégias eleitorais a seu talante, e suas estirpes vêm se perpetuando no poder há centenas de anos. Entre os inferiores do reino há uma espécie muito populosa que é considerada comum, menos importante e subalterna: a pataquada dos sem-có.

Os sem-có não tem voz, nem aptidões raras, mas são seres completos. Dotados de inteligência emocional, cooperativos e solidários; os sem-có são graciosos, alegres e pacíficos; sabem correr, nadar e voar. Embora não seja beligerante, a pataquada é respeitada. Se necessário, ataca em leque e defende em funil. Sua idiossincrasia.

A educação é planejada por HuMais superiores, e depois delegada aos sem-có, que são a categoria mais mal remunerada do reino, sob justificativa de que são muito numerosos. A revolução tecnológica barateou os custos de produção, e existem recursos em abundância, mas os sem-có não têm voz para disputar orçamento, não obstante a educação ser reconhecidamente uma das missões mais importantes.

Também há níveis mais elevados de ensino, ministrado por HuMais de classes superiores. Para esses há mais recursos, são melhor remunerados, e as escolas mais aparelhadas. Todavia, a precariedade nas escolas dos sem-có tem carreado ao ensino superior jovens HuMais sem base para assimilar qualquer conhecimento. Acaba havendo grande evasão, e desperdício de dinheiro que poderia ser melhor utilizado na base, remunerando e dando dignidade aos sem-có, criando e aparelhando escolas nos pontos mais vulneráveis do reino.

Mas os sem-có não perdem a esperança de dias melhores…

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A foto acima é o retrato da educação pública na contemporaneidade. Prédio principal do Instituto de Educação Olavo Bilac, no centro da cidade de Santa Maria, onde estudei na 5ª série primária no ano de 1982. Naquele ano, a gente usava uniforme, o diretor era o professor Mário, a Copa do Mundo era na Espanha, e o mascote o Naranjito. O futebol do Brasil segue o mesmo, mas a educação básica mudou muito…

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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5 Comentários

  1. E o Olavo Bilac? Não amanheceu assim, obvio. Como o Caixeral. Como a Casa de Cultura. Para chegar neste ponto são anos de negligencia. Anos atras caiu a ponte do Jacui proximo a Agudo. Mil reportagens sobre as pontes que não foram inspecionadas no RS. Passou o tempo e veio o esquecimento. O que acontecera quando vier o proximo El Nino?

  2. Noutro dia um avião sobrevoou a aldeia. Pelo ‘shape’ tenho quase certeza que era um KC-390. Que, informação de dominio publico, utiliza avionica Rockwell Collins e turbinas Pratt & Whitney. Sem estas peças a aeronove é só uma pilha de aluminio. Tentaram vincular a aquisição da Embraer como algo para ‘adquirir tecnologia’. Foi comentado que não era isto, que poderia ser contornado, etc. Não adianta ter uma ‘mente não colonizada e ser uma besta. O que fez a Boeig (foi prognosticado inclusive)? Botou uma van na frente da Embraer com uma placa ‘pagamos o dobro do seu salario’. Obvio que isto aconteceria.
    https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2022/11/22/entidades-entram-na-justica-contra-boeing-por-roubar-engenheiros-do-brasil.ghtml

  3. Há os que por defeito de carater tentam incessantemente enganar os outros. Há veiculos de ‘imprensa’ que ‘combatem as Fake News’, mas permitem convidados inventar seus proprios fatos. Um economista argentindo desconhecido que, com sua bola de cristal telescopica, monitora a 8 mil Km de distancia as forças ocultas (indeterminadas) que controlam o governo ianque.

  4. Distopia seria um pouco diferente no Brasil. HuMais-corruptos seriam legisladores; HuMais-venais responsáveis por julgamentos; HuMais-Mister Magoos tratariam de vigilância; HuMais-muaressão a segurança. Os sem-có seriam também conhecidos como HuMais-ovelhinhas. Bobos alegres, viveriam tomando no có.

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