Artigos

Campanha da Fraternidade 2023 ecoa a gravidade da fome no Brasil – por Valdeci Oliveira

Ao trazer o tema, CNBB mostra urgência de que ‘não podemos fechar os olhos’

A cada ano, na Quaresma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, lança sua tradicional Campanha da Fraternidade. Desde 1962, o que começou como um pequeno movimento organizado por três padres para arrecadar recursos a serem destinados ao atendimento assistencial dos mais pobres, ela nos traz uma mensagem, seja de esperança, seja para reflexão, seja de cobrança. A deste ano não poderia ser outra que não a do fantasma da fome, que de sobrenatural não tem nada.

De forma direta, essa é a segunda vez que o tema nomeia a Campanha. A última tinha sido em 1985. Dez anos antes, em plena Ditadura civil-militar, quando as palavras precisavam ser muito bem escolhidas antes de serem ditas, ela se mostrou através do “Repartir o pão”. Em diversos outros momentos, a temática esteve presente, claro, mas não de forma explícita, e sim dialogando com o enunciado ou sob o guarda-chuva de um principal, mais amplo.

Sempre com temas colados à realidade social, com lemas refletindo as carências e as injustiças vividas por homens e mulheres de carne e osso, já foram, por assim dizer, destaques causas dos povos indígenas, das mulheres, da juventude, dos negros e negras, das pessoas idosas, dos encarcerados, dos excluídos. Da mesma maneira, o foram questões que nos são tão caras como moradia, saúde, educação, segurança, mundo do trabalho, água, vida e muitos outros.

Ao trazer a questão da fome ao centro da sua mensagem, a CNBB nos mostra a urgência, o alerta social de que não podemos fechar os olhos. Mas também nos mostra que, como bem escreveu a Irmã Lourdes Dill, em artigo publicado na última quarta-feira (22), citando uma frase do Betinho, “a alma da fome é política”.

Prova disso é que, depois de estar próxima de ser debelada no Brasil, ela novamente nos mostra a cara e apresenta garras que têm alcançado um número cada vez maior de pessoas. E voltou não por ordem da natureza ou pela escolha de quem foi colocado à margem, empurrado a uma situação degradante, mas por decisões que englobam tanto o nosso voto quanto às posturas governamentais.

A pandemia pessimamente conduzida por quem tinha a principal obrigação de contê-la, o desarranjo oficial de diferentes políticas públicas, a perda de uma série de direitos sociais e trabalhistas, tudo moldado por uma política econômica que nos últimos seis anos favoreceu poucos e pequenos nichos, já privilegiados em nossa sociedade, estão na gênese do prato e do estômagos vazios.

Mas, pasmem, a Campanha da Fraternidade vem sofrendo forte oposição de setores ultrarradicais e de extrema-direita católica que pedem que as pessoas não se envolvam nem colaborem com a ação. É importante lembrar que o gravíssimo fato do país ter voltado ao Mapa da Fome da ONU é que fez com que a Campanha da Fraternidade novamente colocasse esse assunto em pauta.

Não tivéssemos tal urgência, talvez fosse o momento de repetir – como resposta às inúmeras insanidades que culminaram no 8 de janeiro e na tentativa de golpe de estado com a destruição das sedes dos Poderes, em Brasília – a campanha de 1996, que trazia “A Fraternidade e a Política – Justiça e Paz se abraçarão!”. Porém, infelizmente, não será desta vez.

O momento, como tenho defendido, é de cerrarmos fileiras, fortalecermos as ações, debatermos enquanto sociedade uma saída para algo que é inaceitável sob qualquer aspecto. O momento é de exigirmos dos gestores públicos posições claras e objetivas que deem conta de garantir a cada homem e mulher três refeições decentes por dia e que nossas crianças ingiram os nutrientes suficientes e necessários para sua formação física e cognitiva.

Temos, o quanto antes, de colocarmos no passado – sem nunca esquecer – as cenas em que seres humanos se comportam como verdadeiros animais atrás de ossos, em que uma mãe mistura restos de farinha a um pouco de água para dar de comer aos seus. Temos, de uma vez por todas, que encharcar corações e mentes de solidariedade em favor da dignidade da pessoa humana.

E é isso que a campanha da Fraternidade destaca nesse 2023, é isso que me proponho construir, seja na atuação parlamentar ou nas articulações junto ao Movimento Rio Grande Contra a Fome, que não se furtará a mais este chamamento da CNBB e que desde já toma para si o lema deste ano, tirado do Evangelho de Mateus: Dai-lhes vós mesmos de comer.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo