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A anistia que José Jobim não teve – por Giorgio Forgiarini

“Ao se lidar com perversos, não podemos nos dar ao luxo de ser brandos”

Ditaduras não são uma exclusividade do Brasil. Eis uma vergonha que não é só nossa. Não foram poucos os países hoje democráticos que enfrentaram períodos de tirania em tempos relativamente recentes.

O que pouco existe no mundo democrático, e nisso passamos vergonha quase sozinhos, é uma ausência completa de exame quanto ao passado ditatorial. Somos os únicos e carregamos conosco essa vergonha do tamanho da nossa ignorância.

Não há na Alemanha ou na Itália, por exemplo, qualquer celebração oficial aos legados de Hitler ou Mussolini, muito embora ainda existam mentecaptos dispostos a exaltá-los. Em Portugal, a Revolução dos Cravos, que pôs fim à tirania Salazarista, é comemorada com feriado nacional. Na Espanha são proibidas manifestações de apoio à Ditadura de Franco.

Por nossas bandas, Argentina, Chile e Uruguai foram efetivos em investigar, julgar e condenar autoridades do passado pela prática de crimes de tortura, estupro, homicídio e outros.

Na África do Sul, museus escancaram os abusos do Apartheid, ao mesmo tempo em que celebram a vida e a luta dos que se opuseram a ele. Lá a anistia veio, mas foi condicionada à efetiva participação e colaboração em profundas investigações sobre o regime de segregação.

São esses alguns dos países que fizeram seu dever de casa: enfrentaram seus próprios constrangimentos, abriram suas feridas, examinaram suas histórias e se propuseram a não mais repeti-las.

No Brasil, o fim do Regime Militar veio acompanhado da edição de uma Lei de Anistia que, ao fim e ao cabo, se limitou a jogar para baixo do tapete os crimes do Governo. Desde então e até hoje estamos de olhos vendados, sem acesso ao próprio passado.

Mesmo a prodigiosa Comissão da Verdade, instalada em 2011, encontrou dificuldades imensas em cumprir com seu papel. Além das amarras impostas pela Lei da Anistia, sofreu com o boicote de setores da sociedade desinteressados em tirar o pó do museu das barbaridades.

O resultado dessa miopia histórica é evidente. Pululam ainda hoje idosos de todas as idades, saudosos daquilo que foram convencidos a achar que era bom. São esses que participaram ou bateram palmas para a papagaiada do 8 de janeiro de 2023.

Uma papagaiada perigosa, é verdade. Enquanto os próceres da tentativa de golpe turistavam pelos Estados Unidos, patetas fantasiados de verde-e-amarelo desfilavam esquisitamente na frente dos quartéis, quebravam prédios públicos e riscavam estátuas com artigos de maquiagem.

Fossem pessoas significativamente inteligentes, teriam abandonado a patacoada antes mesmo de seu início. Fossem medianamente inteligentes, quem sabe, teriam feito sucumbir algumas das balançantes instituições democráticas brasileiras.

Essa era a intenção declarada. Intervenção militar era o mote anunciado. Nunca fizeram questão de esconder.

Mas a casa caiu. Boa parte dos bois-de-piranha foi presa, enquanto os messias da moral e dos bons costumes se refugiavam confortavelmente em terras estrangeiras, organizando vaquinhas e abrindo “holdings” com finalidades duvidosas.

Hoje querem anistia. De novo. Reclamam de suposta ditadura do Judiciário e gritam pela liberdade de… defender ditadura.

Sinceramente, já cogitei ter comiseração por essa gente. Não creio que qualquer pessoa deva ser presa seja pelo simples fato de ser limitada. Mas não. Bem sei que esses mesmos teriam imenso prazer em me jogar num calabouço, sem nem o direito de ser julgado pelo Alexandre de Moraes, pelo simples fato de, aos seus olhos, eu ser um “vermelho”. Eu e tantos outros.

Não são apenas limitados. São perversos. Ao se lidar com perversos, não podemos nos dar ao luxo de ser brandos.

Em tempo: José Jobim foi um destacado diplomata brasileiro. Participou da assinatura do acordo com o Paraguai para a construção de Itaipu. Foi encontrado morto, pendurado numa árvore e com sinais de espancamento dias após anunciar o lançamento de um livro detalhando a corrupção que permeou a construção da usina. Declarada a causa como suicídio, não foi sua morte sequer investigada à época. Nem depois.

Jobim não recebeu anistia. Jobim não foi o único.

Não quero ter o mesmo fim de José Jobim. Não quero que ninguém tenha.

(*) Giorgio Forgiarini é advogado militante, com curso de Direito pela Universidade Franciscana, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Ele escreve nas madrugadas de sábado.

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18 Comentários

  1. Resumo da opera. No Brasil até ‘tentativa de golpe’ é esculhambada. Finge-se que as instituições ‘funcionam’ até não dar mais. Muita gente ligando o f#d@-se. Negócio é tocar a vida. Não há perspectiva de melhora. Xandão e cia ficarão decadas no tribunal.

  2. ‘Não quero ter o mesmo fim de José Jobim.’ Kuakuakuakuakuakua! Sim, praticamente um Lamarca ou um Marighella! Kuakuakuakuakuakua!

    1. Perde totalmente a sutileza quando se esconde. Venha para um debate no mundo real sem máscaras ou pseudônimos. Será bem vindo, ou não.

  3. Alas, ele teria comentado com ‘amigos’ que estava escrevendo um livro. No dia que desapareceu saiu para ‘encontrar um amigo’. Ninguem cita o que deixou escrito, suas anotações ou qual amigo que saiu para encontrar. Comissão de inVerdade jogou na conta dos milicos. Que podem até ser culpados, mas é o vicio, cade as provas? Ou é na base do ‘é obvio’? Alas, era presidente do Paraguai um cara chamado Alfredo Stroessner.

  4. José Pinheiro Jobim. Pinheiro dos Pinheiro Machado. Casado com Ligia Collor, filha de LIndolfo Collor. Compareceu a posse de João Figueiredo e teria comentado que estava escrevendo um livro sobre o superfaturamento de Itaipu. Teria custado dez vezes o valor orçado. Não é afirmar que ‘não teve corrupção’, mas uma obra publica custar 10 vezes o valor orçado não é algo incomum no Brasil. Nem lá fora. O aeroporto de Berlin Bradenburg era para custar 2 bilhões de euros e custou 7. Atrasou 10 anos. O diplomata assinou o acordo e foi cumprir missões no exterior, não tinha formação em finanças. O que sairia no livro não se sabe.

  5. ‘Mas não. Bem sei que esses mesmos teriam imenso prazer em me jogar num calabouço, […] pelo simples fato de, […] eu ser um “vermelho”. Eu e tantos outros.’ Não creio. Até mesmo em SM na epoca do regime militar bastava um convite para depor na PF. O que ja rendia fundilhos sujos. Qual é a ameaça que o autor representa? Vai escrever muitos textos? Alguém vai ler e mudar de ideia? Começar a usar uma camisa vermelha com a cara do Rato Rouco e comer pão com mortadela?

  6. ‘inceramente, já cogitei ter comiseração por essa gente.’ Que pena, aquelas pessoas precisavam tanto da comiseração do autor!

  7. Ameaçaram votar alguma coisa relacionada a anistia nesta semana. Ministros do STF abertamente fazendo lobby e violando a LOMAN. Presidente da Camara por boa vontade, pressão ou chantagem bloqueou a votação. Que se ocorresse seria julgada de alguma forma inconstitucional no STF. Se isto não é promiscuidade precisamos alterar os dicionarios.

  8. O que se pode verificar pelo que foi publicado. Havia um pessoal querendo decretação de um Estado de Sitio. Que não aconteceu porque as Forças Armadas não aderiram. Havia um bando de aloprados querendo cometer assasinatos. Havia um bando de gente acampada em frente aos quartéis. Não foi apresentada prova da conexão entre estas coisas. Os tipos penais são claros ‘tentar, com emprego de violencia ou grave ameaça’. A quebradeira foi num final de semana de feriadão. Se fosse numa segunda ou numa sexta daria na mesma, maioria das autoridades não estava lá. Qual é a finalidade da narrativa? Acabar com o cavalismo. Pois bem, quais são os proximos? O pessoal do Novo ou o da União Brasil?

  9. Ainda na resposta. ‘O enfoque dado na matéria corresponde mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado do que ao fato real de que o Brasil vive uma democracia plena, com Estado de direito, freios e contrapesos e respeito aos direitos fundamentais.’ Freios e contrapesos é coisa da Globo!

  10. O ‘genio’ das letras juridicas resolveu comentar um artigo da revista ‘The Ecomunist’ (da mais pitaco em politica e fala pouco em economia; agora faz oposição ao Agente Laranja). ‘O presidente do Tribunal nunca disse que a corte “defeated Bolsonaro”’. Não, o ministro declarou ‘nos derrotamos o bolsonarismo’ numa assembleia da UNE ao lado de Flavio Dino. Assembleia que ele não deveria ter comparecido ainda por cima.

  11. ‘[…] teriam feito sucumbir algumas das balançantes instituições democráticas brasileiras.’ Já sucumbiram. Barroso é daqueles do mundo juridico que se tirarem a pose e o direito não sobra muito intelectualmente. Foi advogado das emissoras de radio e tv (ou/e dos jornais não lembro direito). Causa era exigencia de maioria de capital nas empresas. Polo passivo os sites de noticias na internet, veículos estrangeiros tinham começado a publicar em portugues. ‘Se não exigirmos capital nacional destas empresas as crianças deixarão de comemorar as festas juninas e começarão a comemorar o Halloween’. Nos cursinhos de ingles de norte a sul do Brasil já era comemorado. Motivo simples, aprender idioma envolve aprender a cultura.

  12. ‘Fossem pessoas significativamente inteligentes,[…]’. Estariam com uma camisa vermelha com a cara do Rato Rouco estampada e comendo pão com mortadela. Kuakuakuakuakuakua!

  13. ‘[…] patetas fantasiados de verde-e-amarelo desfilavam esquisitamente na frente dos quartéis, […]’. O negócio é provocar e na hora de levar o troco assumir o papel de vitima.

  14. ‘Pululam ainda hoje idosos de todas as idades, saudosos daquilo que foram convencidos a achar que era bom.’ Compreensivel. Para começo de conversa não eram idosos naquela epoca. Donde se chega a pergunta ‘e para quem foi ruim?’. Para o pessoal da ‘ditadura do proletariado’. Uma ‘bolha’. Nem é preciso entrar em detalhes como ‘as crianças podiam brincar soltas na rua sem supervisão porque era seguro’. Perda de tempo é discutir o passado focando somente no que os vermelhos querem destacar.

  15. ‘No Brasil, o fim do Regime Militar veio acompanhado da edição de uma Lei de Anistia que, ao fim e ao cabo, se limitou a jogar para baixo do tapete os crimes do Governo.’ Quero crer que foi a lei possivel à época. Tanto faz, os envolvidos estão todos ou quase todos mortos. Quem se preocupa com documentos escritos é burocrata. Muito fácil ‘julgar a historia’ olhando o retrovisor.

  16. Vamos combinar que, apesar da liberdade de expressão, ‘os caras são muito chatos’. A grande massa da população, quem duvidar é só ir perguntar no Calçadão num dia de semana, não está preocupada com o periodo miitar. Esta preocupada com a ‘carestia’, com as filas do SUS, com emprego, com segurança. Não está, mas deveria, estar preocupada com a qualidade da educação. Afinal, se a criatura ‘está no colégio’, toda educação é educação, é ‘fungivel’, problema resolvido. Para quem não entendeu ainda, maioria não frequenta museus por um bom motivo.

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