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A Romaria que une fé e aprendizado – por Valdeci Oliveira

Ela “fazia - como até hoje faz - parte do ‘calendário oficial’ da família Oliveira”

Ao completar 80 edições, ampliada e cada vez mais referência do turismo religioso no estado, a Romaria Estadual de Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças chega para acolher nossos pedidos, pagarmos promessas, utilizarmos da fé para que a esperança nunca nos abandone e, ao lado de milhares de irmãos e irmãs, vindos de norte a sul, professemos nossas crenças. E no momento, diante de tantos conflitos e de cenas que nos horrorizam e fazem com que em certos momentos coloquemos em xeque nossa própria crença na humanidade, ela é ainda mais bem-vinda, necessária.

Padroeira do RS, ela não ignora ninguém. Da pessoa comum ao encarcerado, das mais ricas àquelas que sequer sabem se terão acesso a uma refeição digna, do chefe da seção ao operário mais simples, todos são acolhidos e a todos é dado o conforto desejado. E como devoto desde que me entendo por gente, participarei com minhas orações, agradecimentos e desejos para o futuro, sempre com a mediação de Maria.

Pensando nos que amo ou precisam da graça da santa para que resistam às adversidades da vida, busco canalizar e compartilhar as energias que possuo enquanto ser humano, mesmo que imperfeito e falho, mas desejoso de que a razão e o bem prevaleçam sobre mal e a insensatez.

Peço que a ignorância – que leva ao medo antes de chegar ao ódio – não campeie livremente sobre nossas vidas, que a fome alheia seja expulsa da convivência diária dos milhões que anseiam por um pedaço de pão e que a paz não seja uma novidade, mas algo corriqueiro e duradouro.

É isso que faço na procissão, da Catedral Metropolitana até a Basílica da Medianeira, enquanto caminho os cerca de 3 quilômetros pelas ruas da minha Santa Maria junto a milhares de romeiros e romeiras, anônimos e conhecidos. É uma conversa íntima, embalada por orações e pelos cânticos vindos das diferentes vozes que ao fim formam um só corpo, um só espírito em respeito e homenagem à Mãe da Igreja.

Com exceção da pandemia em 2020 e 2021, que por conta das medidas de segurança sanitária necessárias impôs restrições, não lembro de outro momento que não participei deste conjunto que une oração e movimento. Quando criança, ela era sinônimo de passeio, sair de casa e ir para a cidade ver um monte de gente diferente. Quase um outro mundo.

Já adulto, uma espécie de alimento, se não para corpo, para a alma. Alimento que também vai além do espiritual, considerando as bancas ao logo da caminhada que mostram aos nossos olhos o que o estômago recebe de bom grado: as belas e apetitosas criações edulcoradas preparadas pelas habilidosas mãos das nossas doceiras.

A partir de meados dos anos 1970, trabalhando na minha profissão de metalúrgico e morando em Gravataí, na Grande Porto Alegre, todo mês de novembro vinha para Santa Maria participar da festa religiosa. Aos primeiros raios de sol, colocávamos as bolsas numa Kombi e, junto com parentes e amigos, também filhos da terrinha, nos deslocávamos logo nas primeiras horas do dia.

O trajeto era composto, além da distância e das brincadeiras, por paradas providenciais, sendo a principal delas a que era regada a frango com farofa, dupla gastronômica que atendia às nossas necessidades. Tudo era muito simples, mas valia cada quilômetro rodado. A Romaria fazia – como até hoje faz – parte do “calendário oficial” da família Oliveira.

Duas décadas depois, já como prefeito, minha relação com os festejos foi a um patamar muito além da fé, pois como gestor público as realidades a serem enfrentadas obrigatoriamente se ampliam, e com elas as responsabilidades e obrigações. Lembro carinhosamente que, ao final de cada edição, o saudoso Dom Ivo Lorscheiter oferecia um almoço às autoridades e apoiadores como forma de agradecimento. E com sua voz calma, mas segura, o religioso cobrava, sempre de forma fraterna e educada, por melhorias na infraestrutura do município que, ao fim e ao cabo, eram, mesmo atendendo aos anseios dos romeiros, as próprias reivindicações da cidade.

Assim foi com as obras de revitalização e asfaltamento do entorno da estação rodoviária e da Travessa Dr. Theodorico, entre a Duque de Caxias e a Heitor Campos. Por se tratarem de zonas de grande movimentação e estacionamento dos ônibus que traziam os milhares de devotos vindos das mais diferentes regiões do estado, era preciso garantir que as vias não se transformassem em verdadeiros atoleiros quando a chuva caísse.

Assim, a cada ano que passa e de forma diferente entre si, a Romaria de Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças vai me moldando, colocando mais uma ‘pecinha’ neste quebra-cabeça chamado vida, oferecendo respostas às minhas dúvidas e fortalecendo minhas convicções diante de um mundo que clama por paz e justiça.

E aos incrédulos, que de forma legítima preferem a racionalidade às crenças relativas ao sagrado, cito Gilberto Gil: Andá com fé eu vou / Que a fé não costuma faiá (…) Mesmo a quem não tem fé / A fé costuma acompanhar.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.

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