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Fuga dos presos de Mossoró afeta a credibilidade das penitenciárias federais? – por Carlos Wagner

A influência dos roteiristas de Hollywood nas redações dos jornais é intensa nos quatro cantos do mundo. É deles a frase: “Não existe prisão à prova de fuga”. Lembrei-me dessa frase por conta da primeira fuga de um presídio federal no Brasil. Vamos contextualizar os fatos para facilitar a vida do leitor, com manda o bom jornalismo. Na madrugada de quarta-feira (14/0), fugiram da Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Mossoró (RN) Rogério da Silva Mendonça, 36 anos, o Tatu, que responde a 50 processos e foi condenado a 74 anos de cadeia, e Deibson Nascimento, 34 anos, o Deisinho, 30 processos e uma condenação de 81 anos. Os dois são ligados à facção criminosa Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e haviam sido transferidos em setembro de 2023 do Presídio Antônio Amaro Alves, em Rio Branco (AC), para Mossoró, por terem liderado um motim que resultou em cinco mortos e dezenas de feridos.

Oministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, agiu rápido. Substituiu por um interventor toda a direção da penitenciária. E mandou para Mossoró André Garcia, secretário nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, para coordenar uma força-tarefa que investigará a fuga. As primeiras apurações sugerem que os presos usaram ferramentas deixadas por operários que estão realizando uma obra na penitenciária e abriram um buraco no teto, por onde escaparam. O que realmente aconteceu está sendo investigado em um inquérito aberto pela Polícia Federal (PF). Os agentes têm três linhas de investigação. A primeira é a possibilidade dos fugitivos terem se beneficiado de um golpe de sorte que não esperavam e aproveitaram a oportunidade para fugir. Nesse caso, é real a possibilidade de que eles ainda estejam perambulando pela região, esperando a poeira baixar para desaparecer. A segunda linha de investigação é que houve corrupção de funcionários. Nessa hipótese, a fuga foi planejada, o que significa que os prisioneiros foram resgatados e estão longe de Mossoró, possivelmente na fronteira do Paraguai com o Brasil, onde o CV tem bases fortes que recebem cocaína da Colômbia, do Peru e da Bolívia e abastecem o mercado brasileiro e o europeu. E, por último, a fuga foi uma demonstração de força do CV para o ministro Lewandowski, que assumiu o cargo há poucas semanas e tem como principal bandeira o combate ao crime organizado. Poucos agentes acreditam nessa hipótese porque, se fosse este o objetivo, teriam libertado Luiz Fernando Costa, o Fernandinho Beira-Mar, um dos fundadores do CV e atualmente preso na Penitenciária Federal de Mossoró. Seria um grande desaforo para o governo federal.

Fato é o seguinte: as penitenciárias federais começaram a funcionar em 2006 e se constituíram em uma importante ferramenta para os governadores dos estados controlarem os chefes das organizações criminosas que, mesmo encarcerados nas penitenciárias estaduais, continuavam operando graças à superlotação dos presídios, que colapsou a segurança e facilitou a entrada nas cadeias de celulares, drogas e outras coisas. Quando os chefes são enviados para uma penitenciária federal a conversa é outra. Perdem o contato com a organização e deixam um vazio de poder que fragiliza a segurança do bando, o que favorece a entrada de facções rivais no seu território e a ação policial. Aqui se faz necessário perguntar o seguinte: a fuga desses dois líderes do CV significa a ruína do sistema penitenciário federal? Não. Significa que há uma falha da segurança que deverá ser encontrada pela investigação da PF. O ministro Lewandowski disse que é necessário rever todos os procedimentos de rotina das penitenciárias federais. Por quê? A elite dos criminosos brasileiros está encarcerada nas cadeias federais. Eles são articulados e a essa altura já sabem como funcionam todos os protocolos do sistema. Daí a intenção do ministro de rever os protocolos em busca de falhas.

Aconstrução das penitenciárias federais foi um avanço no combate ao crime organizado. Mas as quadrilhas que atuam na distribuição de cocaína, armas e munições também evoluíram. Atualmente, o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, funcionam como se fossem empresas multinacionais. Estão diversificando os setores de atuação, investindo, por exemplo, nos garimpos ilegais nas áreas indígenas da Floresta Amazônica. No final da década de 90, Fernandinho Beira-Mar havia se refugiado na cidade paraguaia de Capitán Bado, que é separada por uma rua do município brasileiro de Coronel Sapucaia, no oeste do Mato Grosso do Sul. Com apenas um celular, Beira-Mar revolucionou o mercado de cocaína no Brasil. Conseguiu negociar com as extintas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que tinham negócios com os cartéis de produtores de drogas colombianos. Em troca de remédios, munições e armas, os guerrilheiros permitiram que ele comprasse a cocaína diretamente com os cartéis. Com a extinção das Farc, devido a um acordo feito entre os guerrilheiros e o governo da Colômbia, o CV ficou de dono do campinho. E passou não só a abastecer o mercado de drogas no Brasil como começou a exportar para os Estados Unidos e a Europa. Essa rota direta aos produtores de cocaína desbravada por Beira-Mar hoje é disputada com o PCC e outras organizações criminosas regionais.

Arrematando a nossa conversa. Independentemente de os dois fugitivos serem recapturados ou não, o episódio mostrou que o jogo entre as autoridades federais e as organizações criminosas é cada vez mais sofisticado e pesado. O que exige de nós repórteres uma atualização permanente no cenário dessa disputa. Tem muita casca de banana no chão à espera do pé de um repórter desatento.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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6 Comentários

  1. Inercia das autoridades ajuda o crime a crescer. No RJ o STF andou restringindo operações nas comunidades. Em SP apos 2006 a situação é no minimo ‘estranha’. Resumo da opera: sensação é que muita coisa importante não é dita e muita informação relevante não é publicada. Para variar. Brasil é uma esculhambação, mas o crime é organizado. Inclusive na politica.

  2. PCC e CV já estão em atrito. Como prognosticado. Não é absurdo imaginar que cada um deles vai acabar se aliando a carteis mexicanos.

  3. Na Ianquelandia anos atras começaram a liberar a m@conh@. Resolveu o problema? Não. Guardas Florestais nos Parques Nacionais por lá tiveram que melhorar o armamento. Criaram até uma SWAT. Carteis mexicanos invadiram os Parques para fazer plantações. Ultimo avanço foi do Cartel de Sinaloa, está invadindo as reservas indigenas e criando centros de distribuição de Fentanyl. Que é produzido no Mexico com insumos provenientes da China. Governo Joe transformou a fronteira sul numa peneira, dizem as mas linguas que o objetivo é transformar imigrantes ilegais em eleitores do Partido Democrata. Segundo dados oficiais por volta de 30% dos que por la passam provem da Asia. China, India e Paquistão. Muitos jovens (sexo masculino) em idade miitar. Não é absurdo pensar que terroristas e agentes chineses se infiltraram por la. Juntando com o Fentanyl é sinal de guerra. Indireta, obvio.

  4. ‘[…] Ricardo Lewandowski, agiu rápido’. Reagiu rapido. Palacianamente como so acontece em BSB. Basta ver os verbos. ‘Substituiu ‘, ‘mandou’. Não tirou a bunda da cadeira e nem saiu do ar condicionado. O ‘agiu rapido’ é só passação de pano. So tem direito quem fez o ‘L’. Comparecer a evento do MST ainda ministro vale o sacrificio.

  5. Problema do presidio é sintoma. Pais é uma completa esculhambação. Piora quando a esquerda esta no poder. Cereja do bolo, recem tinha anunciado que daria prioridade ao grande crime organizado. Alas, no motim em que morreram 5 cabeças foram cortadas. Palmas para os ‘coitadistas’!

  6. Piada. Frase já conhecida, ‘Brasil não é um pais serio’. Na epoca que vivemos o marketing (lato sensu) tomou conta de tudo. Logo sempre tem muita gente mentindo, querendo parecer o que não é. Muita gente se fiando em rotulos. Noutro dia alguém largou um ‘Brasil lider em energias renovaveis’. Islandia tem 87%, Noruega 72%, Suecia 51% e Brasil 46%. No que algum(a) imbecil vai dizer ‘são paises pequenos’. São paises ricos, proporcionalmente usam mais energia. Se o Brasil fosse crescer 4% ao ano (PIB) teriamos apagão.

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