A comunicação da crise climática para além dos alertas e da comoção – por Márcia Franz Amaral
“A urgência de discutir a cobertura e de relacioná-la com a realidade brasileira”
“Os eventos climáticos extremos são perpetuadores de pobreza” afirmou a jornalista Sonia Bridi durante o lançamento do ebook Minimanual de Cobertura das Mudanças Climáticas, cujo prefácio foi também escrito por ela. A publicação foi organizada por mim e pelas professoras Eloisa Beling Loose e Ilza Maria Tourinho Girardi, numa união dos grupos de pesquisa Estudos de Jornalismo (CNPq/UFSM) e Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) em 2020, em plena pandemia.
A publicação voltou às redes sociais nos últimos dias e tem o objetivo de evidenciar a urgência de discutir a cobertura da crise climática e de relacioná-la com a realidade brasileira. Destinada a jornalistas, acadêmicos e estudantes, o guia reúne uma série de recomendações e dicas para contribuir com a disseminação e qualificação da pauta ambiental no Brasil.
A ideia agora é planejar ações que subsidiem a atuação dos jornalistas e comunicadores também numa fase “pós-desastre”, tendo em vista o mega-acontecimento no Rio Grande do Sul. Este acontecimento, que tem mostrado todos os dias o quanto falhamos em diferentes aspectos como sociedade, tem inúmeras dimensões a serem tratadas, entre elas nossos modelos de desenvolvimento, as desigualdades sociais e as vulnerabilidades ambientais que aprofundaram o desastre.
Conceitos como ansiedade climática e racismo ambiental ganharam vida. Atônitos, jornalistas passaram a enfrentar desafios já mapeados, mas talvez nunca experienciados de maneira tão radical nesta região do mundo
As necessidades comunicativas são específicas nas diferentes fases dos desastres e não se pode pensar no assunto crendo que elas se limitam a melhorar os alertas numa perspectiva gerencial. Esquadrinhar as diferentes questões que debatam profundamente as raízes deste tipo de desastre é a grande tarefa dos comunicadores neste momento.
O jornalismo auxilia a delinear formas de inteligibilidades sobre a relação do homem com seu entorno, mas utilizamos alguns padrões de contar esta história que precisam ser revistos, tais como repensar o que é e o que deve ser notícia, que fontes vamos convocar para contar estas histórias e como vamos narrá-las de maneira que criem outras percepção sobre a urgência do tema.
As universidades públicas estão atuantes em muitas frentes. Neste mês de maio, formamos no Rio Grande do Sul, a Rede de Emergência Climática e Ambiental, um grupo de mais de 100 cientistas de universidades gaúchas que buscam assessorar o poder público com suas expertises construídas ao longo de muita pesquisa e extensão.
Do ponto de vista da comunicação, pretendemos contribuir com a construção de uma nova percepção acerca dos riscos climáticos e de suas consequências, a partir da qualificação das informações e da articulação com gestores públicos, jornalistas e comunidades afetadas. Esta nova percepção está relacionada com a tomada de decisões mais assertivas, no debate de políticas públicas que possam auxiliar na mitigação, adaptação e prevenção de riscos de desastres.
Nossos grupos de pesquisa, por exemplo, já se dedicam há muitos anos a refletir sobre os desastres e as questões ambientais e abrigam dezenas de trabalhos de todos os níveis sobre o tema, bem como já formamos muitos jornalistas que tiveram acesso a estas discussões. Boa parte deles, aliás, com presença ativa nos meios de comunicação durante este desastre, tanto no âmbito local, como regional e nacional.
O grupo da UFSM se dedicou, por exemplo, desde 2011, a pesquisar as coberturas jornalísticas de diferentes acontecimentos como o incêndio da boate Kiss, os deslizamentos nas regiões serranas no Rio de Janeiro e os rompimentos das barragens de mineração em Mariana e Brumadinho. O Grupo de Jornalismo Ambiental, da UFRGS, desde 2008 contribui na constituição de um referencial sobre jornalismo ambiental em perspectiva interdisciplinar e o grupo que o constituiu foi pioneiro na criação da disciplina Jornalismo Ambiental.
Este Manual, que agora volta ao destaque, surgiu a partir de uma parceria entre nosso grupo e o Grupo de Investigación Mediación Dialéctica de la Comunicación Social da Universidad Complutense de Madrid (MDCS, Espanha) via ações fortalecidas pelo CAPES PrInt UFSM, pois é uma versão ampliada e adaptada do decálogo “Los Medios de Comunicación y el Cambio Climático”.
O decálogo foi subscrito por cerca de 100 meios de comunicação espanhóis que se comprometeram a cumprir os pontos do documento. Entretanto, nosso manual foi bastante ampliado e tem uma “cara brasileira”.
Interessante é hoje pensar que entre os desafios da cobertura sobre mudanças climáticas que descrevíamos na publicação, estava o de aproximar o tema das pessoas e de mostrar conexões com o local, para além das figuras icônicas como a dos ursos polares que foi imediatamente substituída pelo cavalo no telhado da casa invadida pelas águas.
A publicação também tem seus méritos por somar a contribuição de alunos da graduação e da pós-graduação de ambos os grupos, que escreveram os verbetes. As ilustrações, o projeto gráfico e a editoração foram realizados por alunos do Desenho Industrial da UFSM, coordenadas pela professora Laura Storch e pelo jornalista Lucas Durr Missau. O livro foi lançado pela FACOS editora e pode ser baixado em https://repositorio.ufsm.br/handle/1/19971
O projeto gráfico e editoração do e-book foram executados pela então acadêmica de Desenho Industrial Tayane Senna, e as ilustrações pela também então acadêmica de Desenho Industrial, Polyana Santoro.
(*) Márcia Franz Amaral é jornalista, professora do departamento de Ciências da Comunicação da UFSM e pesquisadora do CNPq
(**) O artigo acima foi publicado originalmente no site da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (AQUI) e reproduzido com a autorização da autora.
Se alguém começa a falar em ansiedade climatica e racismo ambiental troco de canal. Simples assim. Obvio, ‘ciencia da comunicação’ não é ciencia. Alas, o pessoal da area tecnica não foi mencionado. Não é bom sinal.