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Dirigir pelas estradas gaúchas destruídas pelas enchentes é uma corrida de obstáculos – por Carlos Wagner

Falta de fiscalização nos engarrafamentos instala o vale-tudo (Foto Reprodução)

Viajar pelas rodovias do Rio Grande do Sul depois da sequência de enchentes que vem assolando o território gaúcho desde setembro do ano passado é muito complicado. Mesmo com o auxílio de aplicativos de trânsito como o Waze, dos serviços online da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Comando Rodoviário da Brigada Militar (polícia estadual) e dos boletins informativos da imprensa (rádios, sites, jornais e outras plataformas).

A complicação é que os solos, principalmente das encostas, estão encharcados e qualquer chuva causa novos deslizamentos. Ou seja: a velocidade dos acontecimentos é maior que a atualização das informações nas plataformas de comunicação e de trânsito.

Um exemplo: na enchente de maio, a mais devastadora das três que ocorreram desde setembro do ano passado, um trecho da encosta da BR-386, em Pouso Novo, pequena cidade no alto da Serra de Soledade, desmoronou levando junto um pedaço desta importante rodovia que liga a Região Metropolitana de Porto Alegre ao oeste de Santa Catarina. Foi improvisado um conserto para permitir a passagem dos veículos. Nos dias 14, 15 e 16, chuvas torrenciais voltaram a cair na região. No domingo (dia 16), um novo desmoronamento fechou outra vez a rodovia.

Antes de seguir a nossa conversa faço uma lembrança que considero necessária: as três grandes enchentes que ocorreram em setembro e novembro de 2023 e em maio de 2024 mataram 214 pessoas, deixaram 40 desaparecidos e destruíram boa parte da infraestrutura de estradas, pontes, fábricas, casas comerciais, igrejas e hospitais.

Retomando a nossa história. Fiquei sabendo do novo deslizamento na BR-386 no domingo, no café da manhã de um hotel em Santana do Livramento, cidade a 500 quilômetros de Porto Alegre, separada por uma avenida de Rivera, no Uruguai, na Fronteira Sul do território gaúcho. Ouvi a história do problema em Pouso Novo prestando atenção à conversa dos hóspedes da mesa ao lado na sala do café do hotel.

Ficar atento ao que falam ao redor é um hábito que incorporei ao meu cotidiano nos 40 anos rodando, como repórter, pelas estradas dos sertões brasileiros e dos países vizinhos, fazendo reportagens sobre conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. Atualmente, estou fazendo um livro-reportagem e ando percorrendo o Rio Grande do Sul acompanhado do repórter fotográfico Emílio Pedroso.

Claro, nos dias atuais, com as novas tecnologias de comunicação, não é mais preciso ouvir as conversas alheias nas mesas do café dos hotéis. Ressuscitei este hábito por conta da atual situação, quando a velocidade dos acontecimentos é maior que a atualização das plataformas de comunicação. Em tempos normais voltaríamos de Livramento para a Capital pela BR-290.

No entanto, duas semanas antes, no domingo, dia 2, havíamos retornado de São Borja, cidade na barranca do Rio Uruguai, na fronteira com Argentina, pela 290. Nos 10 quilômetros finais da viagem antes de chegar a Porto Alegre enfrentamos um engarrafamento de mais de três horas. Por conta do estreitamento da pista provocado pelos moradores de Eldorado do Sul e das ilhas do Guaíba, que acamparam na rodovia depois que suas casas foram invadidas pela água. O Waze informava que a espera seria grande.

Para minha surpresa, não havia na área, naquela hora, nenhum policial da PRF, o que facilitou o trânsito ilegal pelo acostamento e outras irregularidades. Depois de uma hora de engarrafamento, ouvi no rádio as primeiras notícias sobre o rolo.

No fim de semana seguinte, domingo (9), estávamos voltando de Garruchos, cidade na fronteira com a Argentina, e ficamos presos por mais de duas horas num congestionamento na BR-386, no trecho entre Lajeado e Estrela, devido aos estragos provocados pela enchente na ponte sobre o Rio Taquari. A respeito desse engarrafamento, escrevi e postei há menos de duas semanas o texto O sofrimento dos porcos e as muitas histórias da tragédia gaúcha que ficaram fora dos jornais.

No café da manhã no hotel em Livramento, a ideia minha e do Emílio era voltar para Porto Alegre fazendo um atalho por Santa Cruz do Sul e, com isso, nos livrarmos dos dois engarrafamentos, o de Lajeado e o de Eldorado do Sul.

Desistimos ao saber da queda de barreira em Pouso Novo, porque todo o trânsito, principalmente de caminhões, vindo pela BR-386 faria um atalho por Soledade, Santa Cruz, Venâncio Aires e Tabaí. Neste trecho há um desvio em Porto Mariana, uma vila fundada há 250 anos no interior de Venâncio Aires, no acesso à ponte do Rio Taquari. Com trânsito normal na região o acesso já é complicado. Imagina recebendo os veículos, a maioria caminhões, da 386.

Resolvemos arriscar e voltar para Porto Alegre pela BR-290. Tivemos sorte: desta vez ficamos engarrafados “apenas” uma hora devido o rompimento de um remendo feito na rodovia semanas antes em um bueiro que tinha sido destruído pela enchente. Achei muito interessante que, durante o café no hotel, os hóspedes estivessem trocando ideias sobre qual seria o melhor roteiro para voltar para casa. Isso não acontecia antes da tragédia das enchentes.

Aproveitei a conversa dos hóspedes para falar sobre alguns macetes que aprendi sobre as estradas viajando pelos sertões. O primeiro mandamento é não deixar a gasolina baixar de meio tanque, porque nunca se sabe quando vai aparecer a necessidade de fazer um desvio ou não encontrar combustível no próximo posto.

Outro conselho: jamais entre em trechos alagados da estrada sem dar antes uma boa olhada, porque não dá para ver a pista e sempre existe a possibilidade real dela estar rompida. Como disse no início da nossa conversa, ando pelas estradas dos sertões do Brasil e dos países vizinhos desde 1979, quando comecei a trabalhar como repórter nas redações dos jornais.

Sai da redação em 2014 e continuo na estrada tocando os meus livros. Sempre que perco a paciência com o trânsito lembro-me de uma frase que um colega disse certa vez em que estávamos de plantão na redação num fim de semana: “As estradas do Brasil não perdoam erros”.

Os números estão aí para provar que o colega estava certo. No começo de maio, quando aconteceu a terceira das grandes enchentes, sair de Porto Alegre rumo ao interior era um pesadelo de no mínimo quatro horas dando voltas em busca de uma rota. Hoje, sair da Capital já não é problema. Voltar é, porque ainda restam obstáculos que estão sendo resolvidos em pontes e estradas.

Exagerando um pouco, o Rio Grande do Sul é atualmente um grande canteiro de obras devido a destruição deixada pelas três enchentes. Como todos sabem, não é fácil dirigir em um canteiro de obras. Ainda mais quando não há autoridade para organizar o trânsito.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 73 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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8 Comentários

  1. O Estado não pode estar em todo lugar. O perrengue faz parte da vida. População constituida de chorões e choronas não vai para a frente. Obvio que as soluções teoricas, faceis e inexequiveis não faltarão. Vamos acrescentar ‘mimimi’ no curriculo das escolas, as mesmas que não ensinam a ler, escrever, interpretar texto e matematica direito (por motivos diversos).

  2. Terceira constatação, muito recurso gasto em atividades meio quando deveria ser empregado em atividades fim. Há um lobby para criação de uma secretaria de segurança na urb. Ja tem até delegado escalado. Com o dinheiro de um secretario, um adjunto e um superintendente seria possivel contratar tres guardas civis. O que afeta mais a segurança, burocratas esfregando a barriga na mesa ou guardas na rua? Alas, prefeitura não é lugar para realizar ‘pesquisas’, isto é para o setor academico. Para reuniões basta um convite e uma sala, para quem quer resolver problemas não precisa nem café com bolachinhas.

  3. Um secretario adjunto da prefeitura na aldeia ganha 7 mil por mes bruto. Um superintendente perto disto. Secretarios uns 13 mil. Guarda municipal uns 10 mil (uns mais, outros menos). Engenheiro civil perto de 10 também. Veterinario 11 mil (200 horas por mes, mesmo da guarda). Procurador juridico uns 15 mil (200 hs). Medico por 200 horas uns 11 mil. Primeira constatação cargos que requerem pouca qualificação com remuneração semelhante a de cargos que exigem curso superior. Segunda constatação, juridico com remuneração perto de 50% acima de outros cursos superiores (fora a sucumbencia).

  4. ‘[…] não havia na área, naquela hora, nenhum policial da PRF, o que facilitou o trânsito ilegal pelo acostamento e outras irregularidades.’ Efetivo da instituição, se não me engano, é pouco mais de 10 mil para o pais todo. Vermelhos irão defender um policial para cada motorista a la Alemanha Oriental. Problema todo é que os recursos são limitados e as necessidades ilimitadas. Muita regulamentação em todos os setores falta gente para fiscalizar tudo ao invés de regulamentar somente o essencial. Problema é que o afegão médio precisa da autoridade por perto para não burlar a regra, principalmente se for ‘conveniente’. E o famoso ‘vou ali rapidinho’.

  5. ‘[…] nos 40 anos rodando, como repórter, pelas estradas dos sertões brasileiros e dos países vizinhos, fazendo reportagens sobre conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras.’ Autor já produziu algum texto no qual esta informação não foi mencionada?

  6. Principais rodovias do estado tem mais de 40 anos. Foram dimensionadas para um nivel de carga. Posso arriscar sem ser engenheiro civil. O que mais se ve é remendo. Não existem balanças. Para as pontes vale o mesmo. Adeptos da luta de classes costumam colocar a culpa nas empresas sem evidencia nenhuma. Fiscalização das obras é o que a casa tem para oferecer. Nada disto é novidade.

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