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Siameses políticos – Parte 3 – por José Renato Ferraz da Silveira

‘Em nossa história atual’, o que são e como são vividos os ‘tempos interessantes’

“Dizem que, na China, a maldição que se lança contra alguém que realmente se detesta é: “que você viva tempos interessantes!”

“O fascismo e o stalinismo não seriam os monstros gêmeos do século XX que nasceram, num caso, do esforço desesperado do velho mundo para sobreviver e, no outro, do esforço abastardado de construir o mundo novo?”

Slavoj Zizek

Em nossa história atual, “tempos interessantes” são períodos de agitação, guerra e luta pelo poder, em que milhares de pessoas inocentes sofrem as consequências.

Na Europa ocidental, os “tempos interessantes” estão sendo vividos intensamente. Depois de décadas de Estado de bem-estar social, em que os cortes financeiros se limitavam a curtos períodos e se apoiavam na promessa de que tudo logo voltaria ao normal, há algum tempo, os ditos países desenvolvidos entraram num tipo de estado de emergência econômica, que necessita de todos os tipos de medida de austeridade (corte de benefícios, redução dos serviços gratuitos de saúde e educação, empregos cada vez mais temporários etc). Somado a isso, migrações vindas da África, Ásia, o aumento da xenofobia e legislações restritivas de imigrantes fora da Europa.

Nos Estados Unidos, como afirma Mark Lilla: “o liberalismo americano no século XXI está em crise: uma crise de imaginação e ambição de nossa parte, uma crise de adesão e confiança da parte do grande público. A maioria dos americanos deixou muito claro que já não responde às mensagens que estivemos transmitindo nas últimas décadas. E, mesmo quando votam em nossos candidatos, são cada vez mais hostis à nossa maneira de falar e escrever (especialmente a respeito deles), de argumentar, de fazer campanha, de governar”.

Há uma famosa frase de Abraham Lincoln que faz muito sentido – agora – na Europa Ocidental, nos Estados Unidos e também na América Latina: “O sentimento público é tudo. Com ele, nada fracassa; contra ele, nada dá resultado. Quem molda o sentimento público vai mais fundo do que quem promulga leis ou profere decisões judiciais”.

A direita americana, europeia e latino-americana entendeu e entende intuitivamente essa lei básica de política democrática, razão pela qual controla ou controlou a agenda e o debate político de muitos países.

Uma hipótese é que a mudança de modelo/tipo de Estado fragmentou (ramificou? radicalizou?) ou (unificou?) cada vez mais as pautas/prioridades dos partidos de esquerda e direita.

Nesse sentido, vale destacar que a passagem do Welfare State para o Neoliberal State pode ser sintetizada nas palavras de Lilla em relação à sociedade norte-americana: “a Dispensação Roosevelt apresentava uma América onde cidadãos se envolviam num empreendimento político para se protegerem mutuamente de riscos, de dificuldades e de ataques a direitos fundamentais. Suas palavras de ordem eram solidariedade, oportunidade e dever público. A Dispensação Reagan apresentava uma América mais individualista, onde famílias e pequenas comunidades prosperariam quando estivessem livres dos grilhões do Estado. Suas palavras de ordem eram autoconfiança e governo mínimo. A primeira dispensação era política, a segunda, antipolítica”.

O cientista político Junior Ivan Bourscheid considera que “o Estado neoliberal tirou responsabilidade de muitos elementos do Estado, da sociedade e de suas instituições. Isso influenciou e fortaleceu o pensamento da meritocracia e de colocar o ônus e o bônus de elementos públicos na esfera privada. Esse ultra individualismo tem sido, também, um elemento que contribui para o retorno do identitarismo, das guerras culturais, do sentimento de pertencimento, do maniqueísmo, que a extrema direita (ramificada e radicalizada da direita conservadora) tem conseguido nutrir-se e assim arraigar-se. 

Retornamos na Parte 4 e última!

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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12 Comentários

  1. Resumo da opera. Sensação é que a politica não resolve nada e que tudo está uma esculhambação. No Brasil sempre foi assim, mas aparentemente piorou bastante. Nesta hora algum(a) imbecil sairá com o rótulo ‘extrema direita’.

  2. ‘[…] que contribui para o retorno do identitarismo, das guerras culturais, do sentimento de pertencimento, do maniqueísmo, que a extrema direita […]’. ‘Acuse-os do que você faz, chame-os do que você é.’ Pauta do identitarismo foi posta em evidencia pela esquerda (comentado no site anos atras). Dão o tapa, escondem a mão e bancam a vitima. Feminismo, racismo estrutural, pessoal do Alfabeto. Tentaram socar goela abaixo da população e deu no que deu. Movimento Woke na Ianquelandia. Marketeiros de esquerda transformando entretenimento em propaganda politica. E aqui? Desenhos nazistas de autoria duvidosa num centro academico, pedido de lista de pesquisadores israelenses na UFSM. No Brasil criança olhando a trozoba de um adulto nu dentro de um museu, a lista é longa.

  3. ‘[…] o Estado neoliberal tirou responsabilidade de muitos elementos do Estado, […]’. Isto é cortina de fumaça. Problema do Estado no Brasil todos conhecem. E ineficiente, consome uma enormidade de recursos e não ‘entrega’. Pior, arrumou uma maneira de transferir ineficiencia para a iniciativa privada. Vide ultima reforma da praça aqui na aldeia. Lei determina uma ‘compensação’ do empresario por empreender. Não basta a montanha de tributos. Recursos da iniciativa privada são desviados para fazer algo que o poder publico deveria fazer e não tem capacidade de fazer. As tais ‘parcerias publico privadas’. Quem paga? Os compradores do empreendimento original. Na hora de inaugurar a ‘praça nova’ quem são os ‘atores principais’? Politicos.

  4. Roosevelt e a Grande Depressão. Ken Burns, que é de esquerda, tem um documentario sobre o dito presidente. Politicas estavam dando resultados meia boca, o que ‘salvou’ foi a WW2. Reagan, que também já tinha sido dos democratas, sucedeu Carter. Crise energetica, ianques prisioneiros no Irã. Não interessa o que Lilla escreveu, interessa é o que ‘as pessoas enxergam na rua’. Não vivem numa tese academica escrita no ar condicionado.

  5. ‘A direita americana, europeia e latino-americana entendeu […]’. Porque ouviu o andar de baixo. As populações só recebem a conta de decisões das quais não foram convidadas a participar, os meios de participação não eram ‘convenientes’ ou eram ignorantes e não sabiam das consequencias. Sem falar nas promessas vazias. Alas, as esquerdas prometeram eleição apos eleição resolver o problema da migração e fez nada.

  6. ‘[…] quem promulga leis ou profere decisões judiciais’. Vive num mundo ‘em tese’ no ar condicionado esfregando a barriga na mesa.

  7. Ai surge um bando de imbecis e afirma que ‘problema foi a falta de integração’. Não tem como fazer integração em massa, leva tempo, consome recursos.

  8. ‘[…] o aumento da xenofobia e legislações restritivas de imigrantes fora da Europa.’ Xenofobia é só mais uma desqualificação da esquerda para quem contraria suas ‘ideias’. É na base do ‘voces são paises ricos tem que pagar qualquer conta que os “direitos humanos” apresentarem’. A classe politica se refugia nos privilegios e não tem que sofrer as consequencias. No inicio da coisa foi dito mais de uma vez que a imigração desenfreada iria dar m. Suecia teve que chamar o exercito para lidar com o surto na violencia (Le Monde, BBC). No Reino Unido a midia tradicional tenta abafar os problemas. O Estado de Bem Estar Social já estava pela unha. Começaram a inventar regras restritivas para ‘combater o aquecimento global’. Recursos foram desviados para a Guerra da Ucrania.

  9. Mesmo autor tem outro texto: ‘The two totalitarianisms’ na London Review of Books (Vol. 27 No. 6 · 17 March 2005), tem suas semelhanças. De qualquer maneira estas ‘parafrases’ sem referencia aparentam ser comuns nas humanas.

  10. Living in the time of monsters. Vol.422. Critical Pedagogy in the new dark ages:chalenges and possibilities (2012). pg. 32-44. ‘Today, we are cleary approaching a new epoch of interesting times. After decades of the (promise of) Welfare State, when financial cuts were limited to short periods and sustained by a promise that things will soon return to normal, we are entering a new period in which the crisis is permanent’.

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