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O X da questão democrática – por Leonardo da Rocha Botega

“Guerra de Musk não é contra ministro do STF; é contra a própria democracia”

Todo exercício de democracia pressupõe formas de mediação. Uma democracia sem mediação, tanto em sua forma (instituições e “regras do jogo” democrático), quanto em sua substância (a avaliação de seus “resultados”), pode se transformar numa tirania ou numa plutocracia dominada pelo poder econômico. Nesse sentido, democracia não é a “liberdade” de poder tudo.

Karl Popper chamou atenção para este fato quando escreveu sobre o Paradoxo da Tolerância. O filósofo liberal argumentava que a tolerância ilimitada levaria ao desaparecimento da própria tolerância. Nas suas palavras, “se estendermos a tolerância até àqueles que são intolerantes, se não estamos preparados para defender a sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, juntamente com a tolerância”.

Popper considerava que a censura não era o melhor caminho para a intolerância, porém, não descartava o uso da força, uma vez que “poderá facilmente acontecer que os intolerantes se recusem a ter uma discussão racional, ou pior, renunciarem a racionalidade, proibindo os seus seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são traiçoeiros, e responder a argumentos com punhos e pistolas”.

Traduzindo o paradoxo da tolerância para um país com um histórico de inúmeras interrupções democráticas e que quase viu a história se repetir (como farsa) no fatídico 8 de janeiro de 2023, o significado é um só: o reforço do poder de mediação, tanto da cidadania, quanto das instituições garantidoras da democracia, por mais contraditórias que estas sejam. Tudo em nome da contenção dos intolerantes.

Desde a aquisição do Twitter por Elon Musk e sua posterior troca de nomenclatura para X, uma das principais características do novo formato da rede foi justamente a “liberdade” da intolerância. Discursos xenofóbicos, racistas, LGBTfóbicos, antidemocráticos e até mesmo pedofilia passaram a ter livre circulação em uma quase terra de ninguém, ou melhor, em um mundo virtual posto à serviço de um projeto.

Elon Musk é, juntamente com Donald Trump, um dos principais organizadores e impulsionadores do extremismo neofascista e transformou o X em instrumento desta organização e impulso. A “liberdade” da intolerância é parte da ideologia da guerra de todos contra todos proposta pela nova direita mundial. A destruição dos limites éticos da coletividade é fundamental para o exercício de mandonismo lucrativo de Musk e cia.

Sem os limites éticos da coletividade, a afirmação de Margareth Tatcher, a “deusa” da nova direita, de que “não existe sociedade, apenas indivíduos e suas famílias” se impõe como simulacro. Sem vínculos de sociedade a serem preservados, a superexploração dos “empresários de si mesmo” se produz como um pensamento único acrítico ancorado no discurso do “coach” e da antipolítica.

A “liberdade” da intolerância, revestida de “direito de opinião” e falsa democracia, é uma afronta a própria democracia. Democracia é sempre um processo incompleto, um vir a ser, um devir, um encontro ético permanente da coletividade consigo. A intolerância é a destruição da ética. A guerra de Musk não é contra um ministro do Supremo Tribunal Federal; é contra a própria democracia. Este é o verdadeiro X da questão democrática.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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