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O triste aniversário do sumiço da professora Cláudia e de Sirlene e seu filho Gabriel – por Carlos Wagner

A fala do delegado: “não existe crime insolúvel. Existe crime mal investigado”

Imprensa precisa sempre lembrar as autoridades que elas devem explicações para as famílias dos desaparecidos (Foto Reprodução)

Certa vez ouvi de um delegado da Polícia Civil gaúcha uma explicação sobre crimes insolúveis que nunca mais esqueci e sempre repito quando tenho oportunidade. Ele disse: “Não existe crime insolúvel. Existe crime mal investigado”. Lembrei-me da história porque no ano de vem completarão uma “data redonda” dois crimes bárbaros contra duas mulheres e um menino que ocorreram no Rio Grande do Sul e viraram manchete de capa em vários jornais brasileiros.

O mais antigo deles aconteceu em junho de 2005. A comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos na época, e o seu filho Gabriel, sete anos, foram se encontrar com um médico homeopata com quem ela teve um relacionamento fora do casamento. Consta no inquérito policial que ele teria marcado o encontro em um posto de gasolina de Porto Alegre com a promessa de reconhecer a paternidade do menino. Mãe e filho nunca mais foram vistos. O médico ficou preso durante 50 dias, mas foi solto por falta de provas.

O outro crime aconteceu em Pelotas, cidade de porte médio do interior gaúcho. Em abril de 2015, a professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Cláudia Hartleben, então com 47 anos, saiu do trabalho no fim da tarde, passou na casa de uma amiga para colocar os assuntos em dia e de lá foi direto para casa, como revelaram o rastreamento do seu celular feito pela polícia e depoimentos de testemunhas. Entrou em casa e nunca mais foi vista. A polícia tem três suspeitos do crime. No último mês de abril, o caso foi arquivado pela Justiça.

No ano que vem, o caso da comerciante Sirlene fecha 20 anos e o da professora Cláudia, 10 anos. É sobre isso que vamos conversar. Antes, uma explicação para quem não é jornalista. Ninguém sabe quem a inventou. Mas existe nas redações há muitos anos a mania de relembrar algum assunto quando ele completa “datas redondas”, como 10 anos, e daí por diante. Em 1979, quando comecei na lida de repórter, esse costume já existia.

Dito isso, voltamos a nossa conversa. Começo dizendo que acrescentaria à frase do delegado sobre crimes insolúveis o seguinte: para manter aberto um caso sem solução é fundamental a cumplicidade da imprensa. A não ser que um policial tenha a sorte de tropeçar em uma prova que ressuscite um inquérito não resolvido, esse tipo de investigação só é reativado se a imprensa pressionar. É assim no Brasil e nas melhores democracias do mundo. Lembro que existe na imprensa um segmento especializado em fazer documentários, livros, filmes e trabalhos científicos.

Defendo que a imprensa precisa pressionar os governos estaduais e federal a montarem delegacias especializadas para tratar unicamente destes tipos de crimes. Estou partindo do princípio de que os governos têm a responsabilidade de manter uma porta onde os parentes das vítimas possam bater e ouvir de uma autoridade em que pé estão as investigações sobre o seu caso.

O dia a dia dos parentes dessas vítimas é muito tenso. Eles vivem na esperança de que em algum momento o desaparecido entrará pela porta de casa. Em datas festivas, como o Natal, os parentes são tomados por uma enorme angústia. Já trabalhei em vários casos como os da professora Cláudia e da comerciante Sirlene. Eles seguem um roteiro conhecido há muitos anos por jornalistas e policiais. Se o caso não é resolvido nas primeiras 72 horas, mesmo que seja manchete dos jornais, eles começam a caminhar rumo à gaveta dos insolúveis.

Há vários motivos para que isso aconteça, vou citar três que considero os mais relevantes. O primeiro é que as pistas começam a desaparecer. O segundo é o enorme volume de trabalho das delegacias, que não permite destacar uma equipe exclusiva para resolver uma única ocorrência. Geralmente, as equipes trabalham de maneira simultânea em diversos casos. E os não resolvidos vão sendo empurrados para as gavetas ao natural. E, por último, o empurrão definitivo rumo às gavetas do esquecimento: o caso deixa de ser notícia nos jornais.

Para arrematar a nossa conversa. Faz parte da lida do repórter não deixar passar uma oportunidade de lembrar as autoridades que elas devem explicação para as pessoas. Fato é que não existe nada mais cruel do que não saber o destino de um familiar. O caso da professora Cláudia, da UFPel, ainda tem pistas que merecem a atenção dos investigadores. Principalmente as ligadas às últimas horas conhecidas da professora no dia do seu desaparecimento.

Há detalhes importantes que precisam ser revistos, como o resultado da perícia do lixo da casa. No caso da comerciante Sirlene e do seu filho Gabriel existem pelo menos duas pessoas ouvidas na ocasião que uma nova leitura nos seus depoimentos pode ajudar a reconstituir detalhes interessantes.

Aprendi com um técnico que trabalhou muitos anos com perícia criminal que rever as provas de um caso é importante porque muitas vezes existem entre elas detalhes que podem ter passado despercebidos ao primeiro olhar do investigador. Nestes detalhes pode estar o esclarecimento do crime. Ou simplesmente uma pista que merece ser melhor avaliada.

O mundo da investigação, seja policial, jornalística ou cientifica, é sempre uma caixinha de surpresas, como diz o jargão do futebol. Remexer casos como os da professora Cláudia e da comerciante Sirlene e seu filho Gabriel é um bom exercício para os repórteres nas redações. E para os professores das faculdades de jornalismo é uma oportunidade de investir no aprimoramento das técnicas investigativas dos seus alunos. Um bom começo é revisar tudo que publicamos sobre estes dois casos.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 73 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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