Militares desempregados de Bolsonaro apoiaram o plano de matar autoridades? – por Carlos Wagner
Na manhã de terça-feira (19) fui surpreendido por uma notícia que escutei no rádio do carro. “Polícia Federal desarticula organização criminosa que planejou golpe de estado”. A notícia soou estranha aos meus experimentados ouvidos de repórter. Há muitos anos escrevo que organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, estão envolvidas em outro tipo de briga. A primeira coisa que pensei: “Pronto, a bandidagem entrou no negócio de golpe de estado “. Tem uma certa lógica neste pensamento. As duas organizações têm negócios em vários países vizinhos produtores de cocaína e em outros que servem de entreposto para a distribuição de drogas, armas e explosivos. Não era nada do que pensei. Terminado os comerciais, o locutor de notícias começou a explicar as manchetes: “Plano dos investigados incluía execução de candidatos à Presidência e Vice-Presidência da República eleitos e de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)”. A notícia foi distribuída pela assessoria de imprensa da Polícia Federal (PF) e falava sobre a Operação Contragolpe. Faz parte do rotina do jornalismo que as primeiras notícias sobre operações policiais saiam truncadas para não “alertar os gansos”, gíria usada nas redações como sinônimo de informar os alvos da polícia que estão sendo procurados. No meio da manhã, o ministro Alexandre de Moraes, 55 anos, do STF, levantou o sigilo do documento, de 200 e poucas páginas, sobre a Operação Contragolpe.
Ahistória é a seguinte. Usando equipamento israelense, os investigadores descobriram no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, um plano de golpe de estado que estava previsto para dezembro de 2022, que incluía o assassinato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, do vice, Geraldo Alckmin (PSB), 72, e do ministro Moraes. O “Punhal Verde Amarelo”, como era chamado o plano pelos golpistas, seria executado por quatro oficiais do Exército e um agente da PF: os majores Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o general da reserva Mario Fernandes e policial federal Wladimir Matos Soares. Os militares fazem parte das Forças Especiais (FE), conhecidos como “Kids Pretos”, especializadas em operações altamente perigosas. Para evitar o vazamento de informações, os golpistas colocaram codinomes nos seus alvos: Lula era Jeca, Alckmin, Joca, e ministro Moraes, Professora. Começaram a colocar o plano em ação seguindo o ministro. Mas desistiram. Os motivos que os levaram a desistir ainda estão sendo investigados. Toda essa história vai desembocar nas manifestações de 8 de janeiro de 2023. Na ocasião, bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF. O tenente-coronel Cid foi um dos presos por causa do 8 de janeiro e fez delação premiada para a PF. O futuro da delação será decidido nos próximos dias. Toda a história da Operação Contragolpe vem sendo contada com muitos detalhes pelos noticiários diários, disponíveis na internet.
Mas há um detalhe nessa história que está passando batido pela imprensa e, por considerá-lo importante, vamos conversar sobre ele. Na investigação da PF apareceu que o grupo de militares se reuniu na casa do general da reserva Braga Netto, 67 anos. No governo Bolsonaro, Braga Netto foi ministro da Defesa (2021 a 2022), ministro-chefe da Casa Civil (2020 a 2021), chefe do Estado-Maior do Exército (2019 a 2020) e, por último, candidato a vice-presidente na chapa de reeleição de Bolsonaro, em 2022. No governo do ex-presidente, a administração federal foi inchada por um contingente de 6 mil militares (ativa, reserva e reformados) de várias patentes, entre eles cerca de 15 generais. Em 2022, o governo Bolsonaro baixou um decreto que rompeu com o teto salarial dos funcionários públicos federais, na época de R$ 39 mil. Até então, os salários dos servidores federais, militares e de outros setores, que exerciam um cargo de ministro ou qualquer outro em comissão na administração federal eram limitados a esse teto. Por exemplo: se o salário fosse de R$ 20 mil, ele só poderia ganhar mais R$ 19 mil na nova função. Com o rompimento do teto, foi possível somar a integralidade dos dois salários. Essa mudança permitiu que Braga Netto passasse a receber anualmente mais de R$ 926 mil. E outro general que também ocupou posto no governo, Eduardo Ramos, 68 anos, R$ 731 mil. Na ocasião, em maio de 2022, fiz o post Caso do salário de Braga Netto é o ovo da serpente do governo Bolsonaro? Aqui é o seguinte. Os militares que se envolveram na conspiração que resultou no golpe de 1964, derrubando o então presidente João Goulart, o Jango do antigo PTB, estavam envolvidos em uma disputa ideológica. O mundo vivia a Guerra Fria (1947 a 1991), um conflito político e ideológico entre os Estados Unidos, capitalistas, e a União Soviética (URSS), comunista. Os que se uniram ao governo Bolsonaro não o fizeram por ideologia. Mas para reforçar os seus soldos. Foi por dinheiro.
Lembro que, durante o governo militar (1964 a 1985), centenas de militares da ativa, reserva e reformados ocupavam cargos nas empresas estatais e em outros setores do governo federal. Com a volta dos civis ao poder, eles perderam os seus empregos. Uma parte significativa dos empregos voltou quando Bolsonaro assumiu o seu mandato em 2019. Na época, se falava nas redações que havia mais militares no governo Bolsonaro do que nos tempos da ditadura. Em 2022, Bolsonaro concorreu à reeleição contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, e perdeu. Com isso, 6 mil militares perderem os seus cargos no governo federal. Qual a influência que o desemprego deste contingente teve no plano de matar autoridades? Essa pergunta será respondida pela investigação.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 73 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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