As sereias dos tempos atuais – por José Renato Ferraz da Silveira e João Pedro Bandeira Soares
‘Encantamento não está mais isolado em ponto geográfico, mas no ciberespaço’
Na mitologia grega, as sereias são seres metade mulher e metade peixe capazes de atrair e encantar qualquer um que ouvisse o canto. Viviam em uma ilha do Mediterrâneo, em algum lugar do Mar Tirreno cercada de rochas e recifes ou nos rochedos entre a ilha de Capri e a Costa da Itália.
Hoje, o canto das sereias ganhou nova roupagem. Ele se manifesta através das tecnologias, plataformas e redes que moldam a percepção humana e dirigem a atenção coletiva. O encantamento não está mais isolado em um ponto geográfico, mas no ciberespaço que rege nossas vidas.
A sedução provocada pelas sereias era através do canto. Os marinheiros que eram atraídos pelo seu canto e se aproximavam para ouvir seu belíssimo som, descuidavam-se e naufragavam.
Em nossos dias, utilizamos a expressão “canto da sereia” para designar algo que tem grande atração em que as pessoas caem sem resistência. Esse canto contemporâneo é orquestrado por quem domina os algoritmos.
O canto da Sereia contemporâneo
A tecnologia tornou-se um novo instrumento de sedução que captura atenção, direciona comportamentos e consome o discernimento crítico.
Segundo o Relatório Digital 2024, brasileiros passam em média nada menos que três horas e 37 minutos – assim mesmo, com todas as letras – pendurados em redes sociais, sobretudo Instagram.
Talvez já possamos admitir – será? – quem controla o algoritmo controla o mundo.
Há sinais? – e bons sinais – que a era digital potencializou a exposição das fragilidades humanas, transformando likes, shares e cliques em uma nova moeda de poder.
O usuário rola a tela, pula a imagem ou vídeo ao próximo – envolvimento mínimo – é a “sacada bilionária” das plataformas sociais. E textos dão trabalho demais! O público quer “memes repetidos e reciclados ad nauseaum”.
Essa dinâmica viral é explorada por grandes corporações que moldam não apenas o que vemos, mas como reagimos ao que vemos.
As redes sociais criam, recriam, distorcem, transformam pessoas, fatos, histórias e situações. E a recompensa movida à dopamina (barata) sinaliza o retorno positivo (nem tanto) para nós e lucrativo para as empresas.
Engajamento e distorção
Plataformas como Facebook e Instagram não são simples ferramentas de comunicação. Elas são engenharias sociais sofisticadas projetadas para maximizar engajamento, mesmo que isso signifique distorcer a realidade.
Por exemplo, a psicóloga Beatriz Neves foi acusada – injustamente – no Facebook de pisotear uma gata velha e cega no playground de um condomínio em Copacabana. Esse é um caso que ilustra como narrativas falsas podem ser amplificadas por sistemas que priorizam a emoção em detrimento da verdade.
Quem paga o preço é a reputação alheia, destruída em segundos. A mensagem se propagou com a velocidade típica da internet. Em um intervalo de apenas dez dias, Beatriz contabilizou cerca de mil manifestações no Facebook, a maior parte de uma violência incomum.
“Mata de porrada. Diz o endereço que eu mesmo mato”, escreveu uma pessoa. Maldita, desgraçada! Gente como essa não morre em assalto, atropelada, com bala perdida, disse outra.
Nas postagens, expressões como vadia, monstro, demente e imbecil tornaram-se corriqueiras.
Beatriz afirmou: “fiquei arrasada. Percebi que em questão de segundos sua vida pode ser destruída”.
A arquitetura das redes é projetada para amplificar o discurso inflamado. A raiva e o ódio se tornaram combustíveis lucrativos, incentivados por algoritmos que priorizam interações polêmicas. Todos os anos, milhares de pessoas são alvo desse tipo de ação ignominiosa.
Trollagem: haters e trolls
O fenômeno, chamado de trollagem, é praticado por dois tipos de personagens: os haters e os trolls.
Esses atores, aparentemente espontâneos, muitas vezes seguem padrões que revelam uma manipulação maior.
O discurso de ódio online é, em muitos casos, uma ferramenta política habilmente utilizada para desestabilizar estruturas democráticas (Há quem negue e considere constrangimentos às liberdades de expressão).
Os haters, ou odiadores, seriam mais parecidos com metralhadoras giratórias que disparam contra qualquer coisa de que não gosta. O ataque, feito em tom inflamado, visa a ridicularizar os alvos e seus pontos de vista. Esse comportamento alimenta a divisão social, exacerbando a polarização e reduzindo a possibilidade de um debate construtivo.
O hater é, em essência, um produto da mecânica de engajamento das plataformas.
Os “trolls” são diferentes: fazem provocações e afirmações polêmicas para criar dissensão nas redes sociais. A palavra remete aos seres disformes da mitologia nórdica, mas a expressão teria outra origem: pescar com isca, em inglês. A isca é a provocação: o peixe, a confusão. O troll não apenas busca confusão; ele manipula a informação para atiçar instintos primitivos. Quanto maior a confusão, maior a manipulação social. Como para qualquer pescador, quanto maior o peixe, melhor.
Nesse jogo, os “peixes grandes” são as massas desinformadas, conduzidas não por racionalidade, mas pelo instinto de manada amplificado pelas redes. Esse é um dos perigos de nosso tempo.
As redes sociais estão carregadas do discurso de ódio e intolerância sobre temas que vão de futebol e novela até economia, política e religião. O discurso de ódio não é apenas uma consequência; é um mecanismo que sustenta o lucro e o poder de quem controla os algoritmos. Lemos loucuras, sandices e patetices “incríveis”. Esse “credere quia absurdum” digital se tornou parte do cenário pós-verdade, onde os fatos são irrelevantes e as narrativas prevalecem.
Nova era de estupidez humana
Vivemos uma nova era de estupidez humana. A digitalização acelerada das interações não trouxe sabedoria; trouxe caos e desinformação em escala global. Não soubemos lidar com “esse admirável mundo novo”. Reforçando que a “palavra do ano” eleita em 2024 pelo dicionário Oxford é uma expressão de duas palavras: “brain rot”, ou apodrecimento cerebral.
De acordo com a bióloga e neurocientista da Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos), Suzana Herculano-Houzel, “a expressão descreve o dano mental atribuído ao excesso de uso de mídias digitais para consumir o conteúdo trivial e irrelevante. A espécie mais promissora do planeta, aquela que carrega em seu cérebro o maior número de neurônios corticais e capazes de encontrar padrões, formar associações e aprender com o passado para mudar o futuro, quem diria, resolveu usar sua capacidade cerebral para gastar tempo rolando telas”.
Ler ou comentar esse artigo ou prefaciar um livro ou encontrar amigos e colegas dá muito trabalho. Rolar a tela só custa estender o dedo. Não é?
Por fim, como diz Herculano-Houzel, “as redes sociais são apenas a versão vitaminada do caça-níqueis dos cassinos, e como nos cassinos, a casa sempre ganha”.
(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP)
João Pedro Bandeira Soares é graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria e membro do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP)
Resumo da opera. Noutra semana estavam discutindo ‘Inteligencia Artificial no aumento da desigualdade entre homens e mulheres’ no Parlamento Europeu. Uma deputada francesa, magistrada da Corte de Contas, resolveu o problema com um chavão: ‘Os Estados Unidos inovam, a China copia e a Europa regula’. Restringiram-se a reagir ao que os outros fazem.
‘Ler ou comentar esse artigo ou prefaciar um livro ou encontrar amigos e colegas dá muito trabalho.’ Obvio que não. Não é ‘Grande Sertão Veredas’. A questão toda é que as pessoas tem direito a escolher como vão gastar seu tempo de vida. Muro de Berlin já caiu faz tempo. Ou vão tornar tudo isto compulsorio?
‘De acordo com a bióloga e neurocientista da Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos), Suzana Herculano-Houzel, […]’. Apelo a autoridade. Ninguém discorda dela?
‘Lemos loucuras, sandices e patetices “incríveis”.’ Não só nas redes sociais. Bom lembrar.
‘O discurso de ódio online é, em muitos casos, uma ferramenta política habilmente utilizada para desestabilizar estruturas democráticas […]’. Quem define o que é ‘discurso de odio’? Os vermelhos ou o Xandão? Ou vão criar o ‘Ministerio da Verdade’?
‘Por exemplo, a psicóloga Beatriz Neves foi acusada […]’. É só sair na rua e perguntar se alguem conhece a pessoa pelo nome. Maioria não vai saber. Catando milho.
Outra empulhação. Juntam Facebook e Instagram, plataformas, com o Whatsapp que é ferramenta de comunicação ponto a ponto. Onde a má fé se junta com o mau-caratismo.
Outro exemplo. No ‘X’ para votar nas notas da comunidade é necessario não ter sido checado por uma durante um certo período e comprovar identidade atraves de um celular valido. ‘Jornalista’ da TV Bobo afirmou em video que ‘é necessario pagar e ser verificado’. Video publicado na plataforma ganhou uma nota da comunidade. Um dos maiores medos dos ‘profissionais’ de comunicação, serem checados. Também dos mentirosos contumazes.
Outro aspecto. Os ‘iluminados’, porque ‘tem diplomas’, acham que a gentalha ignorante precisa de tutela por conta das deficiencias cogntivas. Exemplo mais recente foi o video do Taxxad feito com IA. Propositalmente mal editado. Para quem tem dois neuronios um meme. Para os que tem bem menos ‘fake news’.
O que se ve é o ludismo moderno patrocinado pela esquerda. Não conseguem se adaptar, o mundo tomou um caminho diferente do que planejavam, o negocio é promover o atraso utilizando o ‘bicho papão’ como mote.
Já saiu com o pe trocado. Na ‘mitologia grega’ sereias eram parte mulher e parte ave. Metade peixe, como a maioria conhece, é dos nordicos. Em outros lugares há controversias, Iara no Brasil e um mito semelhante no Congo (se não me engano).