Discurso de despedida de Joe Biden traz um alerta que merece a atenção dos jornalistas – por Carlos Wagner
Caminhamos “a passos largos para o poder ser concentrado em poucas mãos”
Não foram palavras ao vento o discurso de despedida do cargo do agora ex-presidente Joe Biden (democrata), 82 anos, na quarta-feira (15), no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, DC, capital dos Estados Unidos. E muito menos um desfile de mágoas pela derrota da candidata democrata Kamala Harris, 60 anos, nas eleições presidenciais de 2024, para Donald Trump (republicano), 78 anos, que assumiu o cargo nesta segunda-feira (20).
Com a precisão de um cirurgião, Biden destacou no seu discurso o que considera uma ameaça à democracia e ao modo de vida dos americanos. Ele disse: “Hoje, está se formando uma oligarquia nos Estados Unidos, baseada em extrema riqueza, poder e influência que realmente ameaça toda a nossa democracia, nossos direitos básicos, nossa liberdade e a oportunidade justa de todos progredirem”.
O ex-presidente referiu-se à aliança feita entre Trump, o bilionário Elon Musk, 53 anos, dono do X (antigo Twitter), e o magnata Mark Zuckerberg, 40 anos, dono da Meta, proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp.
Zuckerberg foi o último a aderir a esta aliança. Para agradar a Trump, retirou das suas redes sociais controles, como a checagem de notícias, que dificultavam a publicação de fake news e discurso de ódio. Tratei do assunto no meu post na quinta-feira (16), Imprensa precisa esmiuçar o significado da adesão de Zuckerberg ao trumpismo.
Disse ainda que Trump, além de ter a maioria na Câmara, no Senado e de juízes conservadores na Corte Suprema, também terá a sua disposição as redes sociais de Musk e Zuckerberg para usar a sua principal munição na disputa política: a mentira. Não foi uma nem duas. Mas algumas dezenas de vezes que o atual presidente dos Estados Unidos foi acusado pelos seus adversários políticos, jornalistas e por Biden de mentir. Ele faz isso com uma tranquilidade incrível.
No seu primeiro mandato de presidente (2017 a 2021), Trump iniciou um trabalho de corroer a democracia americana por dentro, que teve o seu ponto alto na inédita invasão do Capitólio (Congresso) pelos seus seguidores em 6 de janeiro de 2021, para tentar impedir a certificação da vitória de Biden nas eleições presidenciais de 2020. A invasão resultou em mortos (6), feridos e mais de mil pessoas presas. A aliança com Musk e Zuckerberg fornece ao presidente americano uma ferramenta importantíssima para retomar o processo de corrosão da democracia americana.
O trecho do discurso de Biden que destaquei na abertura da nossa conversa foi escrito em negrito em vários grandes jornais. Mas não basta destacar o texto em negrito. É preciso que a imprensa aprofunde a análise dos conteúdos do discurso do ex-presidente. Biden tem 50 anos de carreira política e raízes profundas na sociedade americana. O que ele falou demonstra a preocupação de importantes e poderosos setores da economia e da política dos Estados Unidos. Eles estão preocupados com o que vem por aí.
Caso tenha sucesso a aliança entre Trump, Musk e Zuckerberg, as fake news e o discurso de ódio deverão ter um tremendo impulso não apenas nos Estados Unidos, mas em vários países ao redor do mundo. Claro que o Brasil não ficará de fora. Já falei sobre o assunto e falo sempre que tenho oportunidade, por considerá-lo importante. O que é publicado nas redes sociais acaba chegando a todos os cantos do planeta, mesmo naqueles onde elas são proibidas de operar.
Certa vez entrevistei um teórico da comunicação social que me disse o seguinte: “depois que é publicada, uma notícia é como uma bala disparada por um revólver. Não volta para o cano”. Mesmo quando as matérias eram escritas molhando a ponta de uma pena em um tinteiro, depois de serem publicadas elas se espalhavam.
Só que demoravam às vezes até anos para se infiltrar nas conversas dos leitores. Hoje, ao apertar um botão no teclado do celular, elas chegam em poucos minutos aos quatro cantos do planeta. Olha, é chute avançar na especulação sobre o que vai acontecer com essa aliança. Até porque o discurso de Biden deixa claro, nas suas entrelinhas, que os defensores do modo de vida americano estão atentos aos acontecimentos.
O que temos de concreto sobre esta aliança, como escrevi lá no post de quinta-feira, é que Musk foi convidado e aceitou um cargo no governo do presidente Trump. Ele vai dividir com o político, empresário e bilionário Vivik Ramaswamy a direção do recém-criado Departamento de Eficiência do Governo (Doge), com a tarefa de diminuir o custo da máquina administrativa americana.
Vou lembrar um episódio. Durante a campanha presidencial, Trump uso e abusou de fake news e do discurso de ódio contra os imigrantes ilegais, especialmente os sul-americanos – matérias na internet. Em um debate político transmitido pela ABC News, em 10 de setembro de 2024, o atual presidente afirmou que os imigrantes estavam comendo cachorros e gatos dos cidadãos americanos de Springfield, a terceira cidade mais populosa de Massachusetts.
Foi desmentido pela prefeitura da cidade e pelo apresentador do debate. O presidente prometeu, durante a campanha, que no dia que começasse a cumprir o mandato iniciaria a maior deportação de imigrantes ilegais da história dos Estados Unidos. Portanto, este poderá ser o primeiro grande teste desta aliança.
Concluindo a nossa conversa. Vivemos tempos estranhos no cotidiano do jornalismo. Há questão de alguns anos, os assuntos que disputavam a manchete dos jornais cabiam nos dedos de uma mão. Atualmente, há uma vastidão de conteúdos competindo pelas capas dos noticiários. E uma boa parte deles nasceu no berço das fake news e do discurso de ódio.
Estamos caminhando a passos largos para a sustentação do poder político ser concentrada em poucas mãos. É justamente este alerta trazido pelo discurso do ex-presidente Biden. Vejam bem. Ele não se referiu à superioridade de Trump entre senadores, deputados e juízes conservadores. Mas à aliança com Musk e Zuckerberg. Claro, sem citar os nomes. Mas precisa?
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 74 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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