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Jimmy Carter: o ponto fora da curva na política estadunidense – por Leonardo da Rocha Botega

Uma conjunção de crises. Assim se pode definir o contexto histórico vivenciado pelos Estados Unidos da América quando das eleições presidenciais de 1976. O escândalo do Watergate e a renúncia do presidente Richard Nixon, a primeira crise do Petróleo e a grande recessão de 1973-1975, a derrota na Guerra do Vietnam e a continuidade da luta pelos direitos civis, foram condicionantes de uma conjuntura propicia para mudanças.

Foi munido deste sentimento de mudança que a maioria dos eleitores estadunidense votou no democrata Jimmy Carter contra o republicano (e então presidente) Gerald Ford, em uma das eleições mais apertadas da História do país. Apesar de ter sido vitorioso em menos estados do que o seu rival (24 x 27), Carter conseguiu a maioria dos delegados no colégio eleitoral (297 x 240) e venceu por uma pequena margem no total de votos (50,1% x 49,9%).

Nascido em Plains, no estado da Georgia, em 01 de outubro de 1924, Jimmy Carter foi oficial da marinha até a morte de seu pai, em 1953. Naquele ano, solicitou dispensa de reservista para assumir os negócios da família (produção e venda de amendoim). Mesmo ligado a uma tradicional família sulista, com passado escravocrata e de apoio aos Estados Confederados durante a Guerra Civil, Carter foi um dos poucos fazendeiros georgianos contrários a segregação racial e apoiadores do movimento pelos direitos civis.

Nos anos 1960, Carter ingressou na política e se elegeu Senador estadual na Georgia. Ocupou o cargo entre 1963 e 1967. Em 1970, disputou as eleições para o governo da Georgia. Governou o estado entre 1971 e 1975, adotando uma política de combate aos (ainda presentes) resquícios da segregação racial e de melhoria da condição de vida das populações mais pobres, em sua maioria afro-americanos. Uma ruptura com a tradição oligárquica da política sulista.

Em 1976, Jimmy Carter foi a grande surpresa das eleições presidenciais. Mesmo pouco conhecido fora de seu estado natal, foi indicado candidato pelo Partido Democrata, superando nomes de peso como Jerry Brown, governador da California, George Wallace, governador do Alabama, e Henry Jackson, senador de Washington. Todos tidos como favoritos para a nomeação. Seu perfil reformista e de novidade em tempos de Watergate e desgaste da atividade política o levou a vitória nas primárias.

Este mesmo perfil reformista e de novidade na política garantiria também sua vitória contra o então presidente Gerald Ford. Nem mesmo o apoio do status quo da política e da mídia foram suficientes para a reeleição do republicano. A conjunção de crises e a anistia dada à Richard Nixon em relação ao escândalo do Watergate pesaram significativamente na campanha de Ford. Enquanto isso, Carter se apresentava aos eleitores dizendo que se fizesse alguma “declaração enganosa” não merecia ser presidente.

Jimmy Carter assumiu a presidência em janeiro de 1977 como um ponto fora da curva na política estadunidense, sobretudo, no que tange a política externa para a América Latina. Diferente de seus antecessores que, desde fins do Século XIX, fomentaram golpes de Estado e intervenções armadas, apoiaram oligarquias corruptas e financiaram sangrentas ditaduras, Carter adotou uma política externa de defesa dos direitos humanos, o que tensionava os governos ditatoriais latino-americanos.

No Brasil, as críticas e as pressões do governo Carter sobre as Ditaduras Civis-Militares latino-americanas vieram ao encontro das denúncias das torturas e dos assassinatos que vinham sendo cometidos sistematicamente pelos militares, mesmo com o anúncio da abertura lenta, gradual e controlada feito pelo presidente Ernesto Geisel, em sua posse, em 1974. Os pedidos de esclarecimento quanto aos assassinatos do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho são exemplos desta confluência.

Apesar desta postura, em sua visita ao Brasil, em março de 1978, Jimmy Carter optou por “deixar em casa” a agenda dos direitos humanos. Em seu discurso limitou-se a fazer uma menção superficial e abstrata à defesa da “liberdade humana”. A mesma postura não teve a sua esposa, Rosalynn Carter. Em sua passagem pelo país, um ano antes, a primeira-dama não apenas se reuniu com defensores dos direitos humanos, como Dom Paulo Evaristo Arns, como também cobrou pessoalmente o presidente Ernesto Geisel.

Rosalynn Carter talvez não estivesse tão sujeita as formalidades e pressionada pela “realpolitik” quanto o seu marido. Ao longo de todo o seu governo, Jimmy Carter sofreu a oposição ferrenha do Congresso Estadunidense, tanto dos republicanos, quando de parte dos democratas, sobretudo, da ala liderada pelo senador Ted Kennedy, que almejava a vaga de candidato à presidência nas eleições de 1980. O irmão do ex-presidente John Kennedy, acabou derrotado nas primárias democratas pelo próprio Carter.

Como ponto fora da curva no rígido (e aristocrático) sistema político estadunidense, Jimmy Carter não conseguiu avançar com o seu programa de governo. Aos seus embates com o Congresso se aliaram a crise dos reféns no Irã e a crise energética, bem como, as dificuldades no campo econômico. Os “fracassos” de seu governo resultaram na sua derrota eleitoral para Ronald Reagan. Com o ex-ator na presidência, “os falcões” da política externa estadunidense voltaram a ser fortalecidos.

Longe da presidência e a frente da Fundação que leva seu nome, Carter passou a promover importantes iniciativas, como o diálogo com Cuba, o acompanhamento de processos eleitorais tidos como controversos e a promoção de missões de observação em conflitos, como Israel e Palestina. Em uma destas observações classificou a política israelense como genocida, sendo mais uma vez um ponto fora da curva na política estadunidense. Jimmy Carter faleceu no último dia 29 de dezembro, aos cem anos.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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