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A era dos três gigantes – por José Renato Ferraz da Silveira e Pietra Lemberck

O enorme gasto militar dos Estados Unidos. E também da Rússia e da China

Os Estados Unidos são o único estado com recursos para projeção global de poder; ele é provavelmente capaz, se desafiado, de alocar força terrestre dominante para finalidades defensivas nos principais teatros; ele mantém a única marinha efetivamente de águas profundas do mundo; ele domina o ar; ele manteve uma postura nuclear que pode dar-lhes vantagens do primeiro ataque contra outras potências nucleares; e ele continuou a manter investimentos de décadas em logística militar e em comando, controle, comunicações e inteligência”. William Wohlforth

Layne e a unipolaridade tem vida curta

No fim dos anos 90, Christopher Layne escreveu um dos primeiros textos a tratar sistematicamente do fenômeno político da unipolaridade. Para ele, a unipolaridade é apenas um “momento”, um interlúdio geopolítico que dará lugar à multipolaridade. Nas suas palavras: “eu defino como unipolar um sistema em que uma única potência é preponderante geopoliticamente porque suas capacidades são formidáveis o suficiente para impedir a formação de uma coalizão contrabalanceadora esmagadora contra si”.

De acordo com Layne, em função da dinâmica do sistema internacional e o crescimento diferenciado dos Estados na anarquia levaria ao surgimento , em curto espaço de tempo, de uma coalizão contrabalanceadora. “A unipolaridade tende a ter vida curta porque novas grandes potências emergirão na medida em que o processo de crescimento desigual diminui a distância entre o hegemon e os Estados candidatos que estejam posicionados para emergir como competidores”. Será mesmo?

Trump herda maior gasto militar dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial

De acordo com a matéria da Folha de São Paulo: “O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, herdou de Joe Biden o maior gasto militar da história de seu país desde que lutou na Segunda Guerra Mundial, de 1941 a 1945. Washington chegou próximo da casa simbólica do US$ 1 trilhão no ano passado. O valor equivale a 39,4% do dispêndio global com defesa, que segue em alta: em 2024, o mundo aplicou US$ 2,46 trilhões no setor, 7,4% a mais do que em 2023.

O ritmo americano deve continuar neste ano, pelas previsões disponíveis. “O gasto mundial segue alto”, disse o diretor-geral do instituto, Bastian Giegerich. Os valores astronômicos foram aferidos pelo IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, na sigla inglesa), instituição britânica que há 66 anos publica seu anuário Balanço Militar, a bíblia das Forças Armadas do mundo”.

Ainda de acordo com a matéria, os gastos são tão expressivos que “são numericamente semelhantes ao gasto militar médio anual dos EUA na Segunda Guerra Mundial, em valores corrigidos. Mas é incomparável o escopo da empreitada: lá, a despesa chegou a 37,5% do PIB em 1945, enquanto agora se manteve estável, em 3,39%”.

O mundo segue no patamar mais alto de despesa militar desde o último conflito global

O IISS mostra que, a exemplo de 2023, o mundo segue no patamar mais alto de despesa militar desde o último conflito global. O ritmo do aumento do gasto, contudo, arrefeceu um pouco, caindo de 9% no período anterior para 7,4% agora. De todo modo, em 2022 o planeta aplicava 1,59% de seu PIB no setor, e agora investe 1,94%.

Vale destacar que “nos últimos dez anos, os 30 países europeus da Otan, aliança liderada pelos EUA e integrada também pelo Canadá, aumentaram em 50% seu gasto militar em termos reais, a maior expansão desde a Guerra Fria. Em 2024, a usualmente morosa Alemanha, alvo histórico de pressão de Trump, elevou em 23,2% sua despesa e só ficou atrás dos americanos no quesito” (FOLHA DE SÃO PAULO).

A máquina de guerra russa

Segundo o IISS, Moscou aumentou em 41,6% seu gasto militar em 2024, chegando a 6,7% do PIB, o maior nível desde os 13% da corrida armamentista que ajudou a enterrar a União Soviética ao longo dos anos 1980. Em 2022, primeiro ano da guerra, eram já altos 4,3%. “Com isso, segue atrás de EUA e da China, que marca US$ 235 bilhões, ocupando terceiro lugar do ranking com US$ 145,9 bilhões. Mas, ao aplicar o critério PPP (Paridade de Poder de Compra), no qual sua mão de obra abundante e indústria militar estabelecida, o valor real de sua despesa equivale a US$ 461,6 bilhões, equivalente ao volume chinês sob a mesma régua” (FOLHA DE SÃO PAULO).

O aumento paulatino de gastos chineses em defesa

Longe dos conflitos do Oriente Médio e Europa, a China aumenta progressivamente seus gastos com defesa. “Seu orçamento de defesa é de US$ 235 bilhões, nominalmente pouco mais do que um quinto do que do Washington”. Essa expansão gradual também deve ser vista como parte da ascensão da China como uma potência militar cada vez mais capaz de desafiar a ordem global tradicionalmente dominada pelos Estados Unidos. À medida que o país investe pesadamente no fortalecimento de suas capacidades militares, tanto em termos de recursos humanos quanto de tecnologia avançada, a China não só visa garantir sua própria segurança e autonomia, mas também aumentar sua influência global. Esse processo coloca a China em uma posição estratégica, não apenas na Ásia, mas também em outras regiões, como a África e a América Latina, onde vem expandindo suas parcerias econômicas e militares.

Esses aumentos substanciais nos gastos militares, tanto da Rússia quanto da China, ilustram uma dinâmica crescente de competição por poder e influência no cenário global, em que as principais potências desafiam ativamente o status quo estabelecido pelos Estados Unidos desde a era da Guerra ao Terror. Enfim, essa competição não se limita somente ao aumento dos gastos de Defesa, mas se reflete também em uma guerra de narrativas, avanços tecnológicos, controle de recursos estratégicos e alianças geopolíticas e geoeconômicas. 

Iniciou-se a era dos três gigantes?

Referências

FINANCIAL TIMES. Trump, Putin, XI and the new age of Empire. https://www.ft.com/content/8d1afb00-57ee-4b59-abe3-df0ff18084fb. Acesso em 12/02/2025.

DINIZ, Eugenio. Política Internacional: guia de estudo das abordagens realistas e da balança de poder. Belo Horizonte: Ed. PUC-MINAS, 2007. 148 p.

José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Colunista do Diário de Santa Maria. Participou por cinco anos do Programa Sala de Debate, da rádio CDN, do Diário de Santa Maria. Contribuições ao jornal O Globo, Sputnik Brasil, Rádio Aparecida, Jornal da Cidade, RTP Portugal. Editor chefe da Revista InterAção – Revista de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (ISSN 2357- 7975) Qualis A-2. Editor Associado da Scientific Journal Index. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP)

Pietra Lemberck é estudante de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria e membro do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP).

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12 Comentários

  1. Em tempo. Noutro dia o William Waack citou David Petraeus. Que citou Tucidides. Historia da Guerra do Peloponeso. Livro que termina antes do fim da guerra que descreve. Cheio de missoes diplomaticas e discursos. Segundo o ‘grego’, ha mais de dois mil anos atras, em tradução livre: ‘Certo, como o mundo funciona, só está em questão entre iguais no poder; enquanto os fortes fazem o que podem, os fracos sofrem o que devem.’

  2. Resumo da opera. Tres gigantes ou tres ‘meia-boca’? Dizem que o tipo de guerra define qual o tipo de soldado necessario. Qual o tipo de conflito esperado? Sim, porque o cobertor é curto. Projeção do poder não sai barato.

  3. Europa ficou de fora. Problema da migração (que agora tentam colocar na conta da ‘inteligencia russa’). Gestão da transição energetica mal feita. Instablidade politica. Alemanha quebrada. França colocada a correr da Africa.

  4. India ficou de fora. Colocou uma sonda orbitando Marte com o menor custa da historia. Na Ucrania drones de fundo de quintal derrotaram ‘tanques’ de milhões de dolares.

  5. China culturalmente mira no longo prazo. Não joga xadrez, joga ‘Go’. Não confundir com o xadrez chines. Analisar segundo uma logica ocidental é perigoso. Lembra um filme de 2002, ‘Heroi’ de Zhang Yimou.

  6. Russia ainda colhe frutos do sistema sovietico de ensino. Que deve muito a Catarina, a Grande e outros. Mas perde muita mão de obra especializada para outros paises.

  7. Sem falar nos problemas operacionais. Ianques tinham um porta-aviões no Mediterraneo. Conseguiram ‘pechar’ num navio tanque. Problemas no RH. Logo não é só dinheiro.

  8. Agente Laranja vai cortar gastos com defesa. Pelo menos vai tentar. Não é sustentavel. A divida do pais cresce dois trilhões de dolares por ano. Tem gente roubando a dar com os pés. Tem gente com 150 anos de idade recebendo aposentadoria. Nem se fala ex-funcionarios do governo com patrimonio incompativel com a renda. Más linguas dizem que o Social Security quebra em 10 anos. E o Medicaid, programa de saude para o pessoal de baixa renda, quebra em 8.

  9. Analise marxista pela metade. Só o dinheiro jogado em cima do problema é que conta. Dizem as más linguas que faltam soldados no lado da Ucrania na guerra. Boato é que, apesar das pressões, Zelensky recusa-se a ampliar o recrutamento na faixa entre 18 e 25 anos. Curva demografica. China também tem este problema, politica do filho unico. Em 2024 Putin exaltou a população a ‘fazer bebes’. Usar o intervalo do almoço se necessario. A revista ‘Fortune” em janeiro deste ano noticiou que universitarias que dão a luz recebem dinheiro do governo.

  10. O mundo no papel e suas analises unidimensionais. Só o gasto não diz muita coisa. Os ianques, por exemplo, tem uma burocracia enorme ligada a defesa, logo é dinheiro morto. Na outra ponta parte dos recursos (como na China) é gasto em P&D, o que leva a spin-offs e os recursos viram investimento. Cameras digitais, GPS, internet, drones, fornos de microndas, fita adesiva (silver tape), motores a jato, Super Bonder, etc.

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