A ideologia Wasp de Donald Trump – por Leonardo da Rocha Botega
Donald Trump retornou ao poder. Vitorioso, tanto no Colégio eleitoral, como na totalização simples dos votos, com os republicanos no controle da Câmara dos Representantes, do Senado e da Suprema Corte, Trump está mais fortalecido do que em seu primeiro governo. Uma força que conta com a adesão das Big Techs e da maior parte dos bilionários mundiais, como se pode notar na presença entusiasmada destes na posse presidencial.
Ao longo da campanha presidencial, Trump não flexibilizou em quase nada a retórica xenofóbica, anti-imigração, misógina, contra os direitos das minorias e, sobretudo, defensora da ideologia Wasp estadunidense. Wasp é a abreviatura de White, Anglo-Saxon and Protestant (Branco, anglo-saxão e protestante), padrão étnico definido, juntamente com a heteronormatividade, como hegemônico por parte significativa dos conservadores estadunidense.
Foi este padrão que Trump defendeu ao afirmar que seu governo iria “encerrar a política do governo de tentar introduzir raça e gênero em todos os aspectos da vida privada americana”. Em seu discurso de posse, o 47º presidente estadunidense expôs sem qualquer pudor a radicalização daquilo que ideologia Wasp considera como “os verdadeiros valores americanos”. Em seu conjunto, o discurso de posse foi a afirmação da identidade Wasp como ideal para a (re)construção da “era de ouro” dos Estados Unidos.
Assim como a definição dos “verdadeiros valores americanos”, a idealização do passado (e do futuro) estadunidense como “era de ouro” é um exercício de recorte da realidade. Segundo este recorte ideológico, os Estados Unidos da América foi a terra destinada por Deus para a realização do paraíso dos pioneiros vindos da Inglaterra. A primeira versão mais elaborada desta ideologia foi o Destino Manifesto, a crença de que os estadunidenses tinham como destino divino a expansão territorial, a Corrida para o Oeste.
A “era de ouro”, segundo a ideologia Wasp, teria se originado justamente na expansão territorial estadunidense do século XIX. A ideologia Wasp oculta o fato de que a violência contra os povos indígenas, a compra e as guerras garantiram não apenas os novos territórios, como também o controle das contradições entre o norte estadunidense assalariado e o sul escravocrata. Esta contradição explodiu na Guerra Civil (1861-1865), fruto da revolta sulista contra o fim da escravidão. Os derrotados sulistas “ganharam” o sistema de segregação racial. Tal sistema afirmou a hegemonia da ideologia Wasp.
A crise da ideologia Wasp emerge com o fim da segregação racial, a afirmação dos direitos civis para os afro-americanos e a derrota na Guerra do Vietnam. A grande resposta conservadora à crise foi a ascensão de uma nova direita, liderada por Ronald Reagan. Esta nova direita inseriu o ultraindividualismo neoliberal na ideologia Wasp, afirmando um discurso onde o declínio estadunidense é visto como fruto do conflito entre o “mérito do indivíduo Wasp” e a “injusta” proteção estatal das minorias.
Tal discurso é repaginado por Trump e sua proposta de forjar “uma sociedade que é ‘daltônica’ e baseada em mérito”. Quem não tem “mérito”, conforme o trumpismo, é “perigoso” e merece a exclusão. Os primeiros “sem méritos” e “perigosos” identificados na nova era Trump são os imigrantes latinos. Os “ilegais” que não são “americanos puros”. Os “não Wasp”. Os que não cabem na construção da nova “era de ouro” e que, portanto, devem retornar aos seus “mundos”.
O discurso de Trump não é novo. Tampouco são as deportações em massa, os símbolos e os gestos de seus apoiadores (muito menos a hipocrisia dos que tentam justificá-los, minimizando seus impactos). No século XX, esta postura levou a humanidade a grande madrugada sombria dos campos de concentração e dos assassinatos em massa. As vítimas fugiam ao padrão. O padrão de ontem era o ariano, o de hoje é o Wasp. Só estes “merecem” a “era de ouro” prometida pelo trumpismo.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
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