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“…Mas se entrar na justiça, ganha!” (Parte 2) – por Giorgio Forgiarini

“Tribunais de Contas não costumam observar” se servidores recebem direitinho

Escrevi no artigo da semana anterior sobre o calvário de cidadãos que diariamente têm suas pretensões frustradas por órgãos públicos. Não estava a falar naquele texto de meros privilégios ou benefícios individualizados, tampouco de questões juridicamente discutíveis, que demandam ainda mediação do Poder Judiciário.

Me referi a direitos garantidos pela lei, já largamente reconhecidos pela Justiça, mas que, mesmo assim, são negados pelos órgãos públicos, normalmente acompanhados de uma recomendação do próprio servidor que entrega a má notícia: “Procure um advogado. Se entrar na Justiça, ganha!”. Existem algumas razões para esse tipo de situação ainda ocorrer. Passo a desfilar algumas, na verdade, duas:

Primeiro, por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por lei, os Municípios podem gastar até 54% de sua Receita Corrente Líquida com folha de pagamento. Esse é o teto do gasto com pessoal. Porém, quando ultrapassam 51,3%, já extrapolam a chamada “margem prudencial”. Para se manter dentro desses limites, a saída é recusar o pagamento de obrigações que deveriam ser pagas automaticamente a servidores. O cidadão que lute na Justiça.

É como uma pedalada, porém, sem risco de impeachment, já que ninguém está preocupado com direitos dos cidadãos. Deixa-se de pagar as obrigações para com pessoas, joga-se a bucha pra frente e vida que segue.

A propósito, valores pagos judicialmente, mesmo que digam respeito a verbas relativas ao funcionalismo, não entram no cômputo do teto do gasto com pessoal. Assim, mesmo que depois de judicializada a dívida o rombo venha a se tornar maior, não corre o gestor público o risco de infringir o limite previsto pela lei.

Isso é uma péssima ideia dos pontos de vista administrativo e econômico, mas ótima do ponto de vista político. Compromete ainda mais o erário a longo prazo, mas livra a cara do gestor. Nada mais é do que uma pedalada fiscal, uma gambiarra cujo objetivo é maquiar a situação financeira de hoje, para gerar um prejuízo muito maior no futuro. Mas quem se importa? Tribunais de Contas não costumam observar se servidores estão recebendo direitinho. Analisam apenas números e percentuais. Nada mais!

Aliás, o segundo empecilho para o deferimento de direitos legitimamente pleiteados são justamente os órgãos de controle. Servidores públicos têm muito pouco (ou nenhum) poder de decisão. A pouca discricionariedade que possuem é rigidamente controlada por agentes do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou de outras instâncias, posicionados confortavelmente longe da realidade da sociedade.

Esse controle é muito mais baseado em procedimentos do que em resultados. Pouco importa se o servidor foi proativo e desatou nós significativos com rapidez e sagacidade, contanto que se atenha aos procedimentos corretos e, em caso de dúvida, negue-se qualquer pedido: “O interesse público prepondera sobre o interesse privado”, dirá um engravatado pouco interessado em saber se o direito do cidadão é legítimo ou não. Se não ficou satisfeito, que vá pra Justiça.

Todos os dias agentes públicos são fortemente desestimulados a realmente resolverem os problemas de quem lhe pede atendimento. São praticamente obrigados a lavar as mãos, não por preguiça ou falta de vontade, mas por medo. É o seu CPF que é colocado em jogo. Uma única decisão mal interpretada poderá lhe custar o cargo e o patrimônio de uma vida inteira.

São esses alguns entraves de nossa burocracia. Como resolvê-los? Não tenho essa resposta. Se tivesse, teria me candidato a Prefeito, governador ou algo que o valha. Mas não creio que um dia a terei. Para alegria de muitos.

(*) Giorgio Forgiarini é advogado militante, com curso de Direito pela Universidade Franciscana, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Ele escreve nas madrugadas de sábado.

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13 Comentários

  1. ‘Para alegria de muitos.’ Não acredito que exista muita gente preocupada com o destino do autor. Qual a relevancia?

  2. ‘Como resolvê-los?’ Primeiro passo é acabar com a estabilidade. E melhorar o nivel dos concursos. Que são a valvula de escape/desculpa de muitos servidores ‘passei no concurso, quem quiser é so tentar’. Maioria são concursos de decoreba. Nas universidades não é incomum bancas ‘cumpanheras’. No Judiciario tem o fator ‘fomos com a cara do(a) candidato(a)’. Jo Soares tinha um personagem, ‘quem me mandou aqui foi o gandola!!!’. Alguns acham que terminou com o regime militar e não existia antes dele. Verdade é que só muda quem ‘manda’.

  3. Burocracia é necessária, mas a diferença entre o remedio e o veneno está na dose muitas vezes. Burocracias inchadas ganham vida propria, fenomenos espurios aparecem.

  4. ‘É o seu CPF que é colocado em jogo. Uma única decisão mal interpretada poderá lhe custar o cargo e o patrimônio de uma vida inteira.’ A grande maioria não é ordenador de despesa. Desculpa furada. Professores universitarios que não pesquisam e fingem que ensinam (alunos(as) que fingem que aprendem) por exemplo. Tem todo tipo de proteção e ainda por cima seus CPFs não correm risco nenhum. Atendente administrativo em posto de saude. A galera que tem contato direto com o publico. Também os procuradores que só empurram processos no forum. Perdeu não dá nada, ganhou tem sucumbencia.

  5. ‘[…] são fortemente desestimulados a realmente resolverem os problemas de quem lhe pede atendimento.’ A culpa é sempre dos outros.

  6. ‘Servidores públicos têm muito pouco (ou nenhum) poder de decisão’. Como dizia o Vampeta, fingem que pagam e finjo que jogo. E se ‘cachorrearem’ os vadios é assedio moral.

  7. ‘Tribunais de Contas não costumam observar se servidores estão recebendo direitinho. Analisam apenas números e percentuais.’ É função deles? Alem disto tem o “Procure um advogado. Se entrar na Justiça, ganha!”.

  8. Nesta hora alguém vai dizer que conhece empresas que gastam mais. Pode apostar que em algum lugar entra algum subsidio. Seja via MEI, simples, etc.

  9. ‘ Por lei, os Municípios podem gastar até 54% de sua Receita Corrente Líquida com folha de pagamento.’ Na iniciativa privada quem gastar mais que 30% do orçamento em folha esta no caminho da falencia. Isto em negocios que necessitam de muita mão de obra, restaurantes são exemplo.

  10. Segundo aspecto, cultural. O ‘publico’ no Brasil não é de todos, é de ninguém. O conceito de res publica não ‘colou’. Obviamente finge-se muito bem. Midia legada vive cobrando transparencia, politicos a mencionam, mas a grande massa não está nem ai. Nesta hora algum(a) imbecil vai sugerir modificar o curriculo nas escolas. Que se acontecer podera mostrar resultados daqui uns 20 ou 30 anos.

  11. Começo de conversa. Causidicos(as) estudam direito administrativo e direito financeiro (geralmente não na graduação). O que difere, e muito, de gestão financeira.

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