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PL da Anistia de Bolsonaro mexe na ferida aberta pelo golpe militar de 1964 – por Carlos Wagner

O ex-presidente “não é um gênio da política. Mas é um cara muito esperto”

“Débora do batom” virou símbolo dos seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro, por conta do 8 de Janeiro (Foto Reprodução)

A insistência do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e dos seus seguidores de enfiar garganta abaixo dos brasileiros o PL da Anistia mexe em uma ferida ainda aberta pelo golpe militar (1964 – 1985), que deixou um rastro de pessoas torturadas, executadas, desaparecidas e uma bagunça na administração do país que resultou na hiperinflação.

O que falei na abertura da nossa conversa não são palavras soltas ao vento. Na quarta-feira (16), foram encontrados os restos mortais de dois desaparecidos políticos. A comissão de mortos e desaparecidos políticos e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) identificaram os restos mortais de Denis Casemiro e Grenaldo de Jesus Silva. Estavam em uma vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo.

A vala foi encontrada em 1990 e tinha restos mortais de 1.049 pessoas executadas pelos esquadrões da morte, indigentes e presos políticos. Grenaldo era militar da Marinha, foi expulso pelos golpistas e executado em 1972. Denis foi pedreiro, trabalhador rural e militante político. Foi preso e morto em 1971.

Ainda restam muitos desaparecidos políticos no Brasil, entre eles o deputado Rubens Paiva (1929 – 1971), que foi cassado, preso e morto em 1971. A sua história é contada no filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2025.

O legado da Assembleia Nacional Constituinte (1987 e 1988) foi uma Constituição que é uma garantia de que 1964 nunca mais irá se repetir. Não por outro motivo que no início de abril foi feita uma pesquisa da Genial/Quaest perguntando qual deveria ser o destino dos envolvidos na tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023: 56% querem que continuem presos – matérias disponíveis na internet.

Vamos contextualizar a nossa conversa como manda o manual do bom jornalismo. PL da Anistia é como foi apelidado pela imprensa o Projeto de Lei 2858/2022, que beneficia os envolvidos na organização criminosa que tentou dar um golpe em 8 de janeiro de 2023. Eles realizaram uma série de eventos, que se iniciaram no final de outubro de 2022 e tiveram o auge no 8 de janeiro, com o objetivo de espalhar o terror no país para impedir a posse do presidente eleito da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos.

O PL da Anistia está na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicano), 35 anos, que deverá decidir se o encaminha para votação no plenário. A tramitação do projeto está sendo acompanhada minuto a minuto pela imprensa diária. Terminada a contextualização, vamos voltar a nossa história.

O texto do PL da Anistia está disponível na internet. Ele é recheado de jabutis, como são chamados os trechos inseridos no meio dos projetos de lei com a intenção de camuflar outros interesses. No caso aqui, é tratar como iguais os organizadores do golpe, os seus financiadores e a massa de manobra, como são descritas as pessoas que foram usadas para fazer o serviço sujo.

Como o texto foi escrito, afirmam renomados juristas, ele derruba a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que declarou Bolsonaro inelegível até 2030. E anula o processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) que julga Bolsonaro e outras 33 pessoas (sendo 27 militares da ativa, reserva e reformados) por formação de uma organização criminosa com o objetivo de dar um golpe de estado. Entre os militares há generais de quatro estrelas, como Walter Braga Netto, 68 anos, que foi ministro e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2024, quando o então presidente concorreu à reeleição.

Toda essa história foi documentada no relatório final de 884 páginas da investigação feita pela Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe, que concluiu pelo indiciamento de Bolsonaro e das demais 33 pessoas por organização criminosa. O relatório da PF foi entregue ao STF, que o enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR). O procurador-geral, Paulo Gonet, 63 anos, em um relatório de 272 páginas, denunciou os acusados ao STF. Por fim, os ministros da Primeira Turma do STF os tornou réus.

É a primeira vez na história política recente do país que um general quatro estrelas (Braga Netto) vai se sentar no banco dos réus. Como disse no início da nossa conversa e agora complemento. O golpe foi organizado em vários episódios que tinham como propósito espalhar o pânico entre a população. O episódio que acabou se transformando no resumo dessa história aconteceu em 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas saíram de acampamentos na frente de unidades militares e quebraram tudo que encontram no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF, em Brasília (DF).

No 8 de janeiro e nos dias seguintes foram presas 2.182 pessoas, sendo que 775 foram liberadas por serem idosos e mães de crianças. O restante está cumprindo pena ou responde a processo em liberdade vigiada. Uma dessas pessoas é Débora Rodrigues dos Santos, 39 anos, mãe de dois filhos, de Paulínia, interior de São Paulo.

Ela ficou dois anos presa preventivamente e atualmente aguarda julgamento em prisão domiciliar. Foi apelidada pela imprensa de “Débora do Batom”, por ter usado o cosmético para pichar a Estátua da Justiça, em frente ao STF, com a frase “perdeu Mané” – a história está disponível na internet. Este é resumo do rolo todo.

A insistência do ex-presidente no PL da Anistia abriu grandes espaços na imprensa nacional e internacional sobre a tentativa de golpe. Parlamentares de situação e da oposição têm afirmado que o assunto não é uma prioridade do Congresso e muito menos da maioria da população. Há muitos assuntos mais relevantes para os brasileiros no momento, como a inflação. Além do “tarifaço do Trump”, como ficou conhecida a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, de impor pesadas tarifas sobre as importações, o que resultou em pânico nos mercados ao redor do mundo.

Para arrematar a nossa conversa. Sempre escrevi que Bolsonaro não é um gênio da política. Mas é um cara muito esperto, que durante três décadas sobreviveu como parlamentar do chamado baixo clero da Câmara, como eram apelidados os deputados que não apresentavam projetos relevantes. Portanto, é de se esperar que ele e seu círculo pessoal de assessores saibam que o PL da Anistia é inconstitucional e que se for aprovado será derrubado pelo STF.

Dito isso, podemos especular que estão fazendo todo esse alarido por dois motivos. O primeiro é que o assunto os mantém na capa dos jornais. O segundo, porque continuam apostando que a maioria da população brasileira é a favor de um golpe de estado. Fizeram essa mesma aposta no 8 de janeiro e quebraram a cara.

O PL da Anistia significa que estão dobrando a aposta para as eleições do próximo ano. As pesquisas dizem que os brasileiros querem encerrar essa história de golpe e cuidar de problemas mais urgentes. Logo, insistir neste assunto pode ser um tiro no pé dos candidatos bolsonaristas em 2026.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 75 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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Um Comentário

  1. ‘[…] mexe na ferida aberta pelo golpe militar de 1964 […]’. Para a velharada, principalmente a comunista, deve ser muito importante. Grande maioria se preocupa mais com a conta do supermercado.

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