Por Marina dos Santos / Da Assessoria de Imprensa do CT da UFSM

Você se lembra do que estava fazendo um ano atrás, quando o Rio Grande do Sul enfrentava a maior catástrofe climática desde 1941? As chuvas começaram no dia 27 de abril, ganharam força no dia 29 e assolaram o estado durante todo o mês de maio, em forma de enchentes e deslizamentos de terra. Segundo dados da Agência Gov, as inundações causaram danos em 484 dos 497 municípios gaúchos. O Rio Guaíba atingiu a marca de 5,37 metros acima do nível normal em Porto Alegre — 61 centímetros acima da marca da enchente histórica de 1941. Foram 184 vítimas fatais, além de 806 feridos e 25 pessoas até hoje desaparecidas.
Construção de móveis
Foi durante a suspensão das atividades que uma ideia veio ao professor Rene Quispe Rodriguez, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSM. Percebendo a mobilização de pessoas em diferentes cidades e universidades diante dos estragos causados pelas enchentes, o docente viu o exemplo de uma instituição que fabricava rodos para auxiliar na limpeza das casas atingidas e pensou que poderia fazer algo semelhante em Santa Maria. Acreditava que, com os recursos disponíveis, seria possível projetar no computador um modelo de rodo em madeira e contribuir de forma prática com a recuperação das áreas afetadas. A partir dessa ideia, tomou forma o projeto “Móveis Solidários”.
No início, em meio ao caos, o professor relata que foi difícil encontrar apoio imediato. “Pensei: ‘não estou sozinho, vou conversar com meus alunos’”, foi então que Marina Senhor Sattler, Felipe Augusto Alves e Luis Fernando Mealho, estudantes que haviam realizado a disciplina de Mecânica dos Sólidos com o docente, abraçaram a proposta e começaram a mobilizar outros colegas.
O espaço utilizado para as atividades foi o Laboratório de Tecnologia Mecânica e Aeroespacial (Numae), cedido pelos professores responsáveis pelo local, que dispunha da estrutura necessária para a produção dos rodos e virou ponto de encontro para os voluntários. Embora o laboratório seja voltado principalmente para o trabalho com aço, a equipe percebeu que o espaço poderia ter outra função temporária. “A gente quis aproveitar [o espaço] para fazer alguma coisa por todo mundo”, conta Marina Sattler.
A ideia era produzir os rodos em madeira, por ser mais fácil de manipular do que o aço. A dificuldade inicial, no entanto, foi a escassez de materiais. As primeiras tentativas de conseguir doações foram insuficientes. O professor Rene relata que chegou a negociar com uma madeireira, que ofereceu preços reduzidos, mas a burocracia para formalizar doações ou tramitar a compra tornaria inviável o atendimento à necessidade da população no tempo necessário. “A enchente estava acontecendo, as casas estavam sujas, era uma coisa imediata”, explica. Diante da urgência, Rene decidiu comprar, com recursos próprios, a madeira necessária para dar início ao trabalho. Assim que o material chegou ao Numae, os alunos se mobilizaram para começar a produção. As ferramentas, também precisaram ser improvisadas. Furadeiras, parafusadeiras e lixadeiras vieram das casas dos próprios estudantes e professores.

No decorrer da produção, surgiram novas necessidades. Além das ferramentas de corte e montagem, a equipe percebeu que seria inviável lixar manualmente todos os rodos. A preocupação com a segurança também foi prioridade. “A gente se preocupou para não mandar um rodo todo áspero para a pessoa utilizar e acabar se machucando. Então, lixávamos, passávamos verniz — ficava bonito, mas, principalmente, seguro e mais durável”, conta Felipe Augusto.
Aos poucos, a experiência adquirida na confecção dos rodos permitiu que o grupo aprimorasse o processo. Os primeiros protótipos eram pesados e difíceis de manusear. “No começo ele era muito fraco e muito pesado. A pessoa não conseguiria utilizar com facilidade”, recorda Rene. Aplicando conceitos das aulas, os estudantes e professores ajustaram o modelo, e otimizaram a sua estrutura.
As melhorias incluíram a troca de pregos por parafusos, a redução de peças desnecessárias e o reforço em pontos estratégicos. Três protótipos diferentes foram produzidos até que a equipe chegasse a um modelo resistente, seguro e rápido de fabricar. No total, o grupo produziu 25 rodos, que foram distribuídos para moradores de áreas atingidas. A mobilização, que começou de forma improvisada, mostrou a importância da união e da iniciativa diante de situações de emergência.
Da oficina às mãos de quem precisa
Com os rodos prontos, o grupo precisou definir para onde encaminhar as doações. A prioridade foi atender as localidades mais afetadas, e Nova Palma foi o principal destino. Moradores da cidade entraram em contato diretamente com o professor Rene relatando a situação. “Falaram da necessidade que tinham lá –a cidade tinha sofrido muito. Muita casa suja. Os bombeiros tinham acabado de se mudar de local e estavam com muita demanda”, explica Rene.
Para fazer os rodos chegarem às regiões atingidas, a equipe também enfrentou dificuldades logísticas. Foi quando a mobilização chamou a atenção da direção do Centro de Tecnologia (CT) e da Pró-Reitoria de Extensão (PRE), que passaram a apoiar formalmente a ação. Com o apoio institucional, o grupo conseguiu acesso a veículos da UFSM para o transporte das doações. Em uma das remessas, dois estudantes, Felipe Augusto e Marcos, organizaram a carga e seguiram com uma caminhonete até Nova Palma.
A situação encontrada na cidade foi de emergência e improviso. Os bombeiros, que haviam perdido o prédio recém-construído e equipamentos novos adquiridos, atuavam provisoriamente em outro espaço. “A gente chegou lá no Corpo de Bombeiros. Haviam recém terminado o prédio, comprado equipamentos novos – barcos, cintos, tudo novo – e perderam tudo”, relata Felipe Augusto. Os rodos foram entregues aos bombeiros, que se encarregaram de distribuir o material às famílias mais afetadas, já que conheciam melhor as áreas que mais precisavam.
Dos rodos às camas
Com mais apoio institucional, foi possível o fornecimento de madeira sem burocracia por parte do CT e da PRE. Depois de produzir os rodos, o grupo coordenado pelo professor Rene Quispe Rodriguez decidiu seguir com o trabalho e ampliar a iniciativa.
A ideia de produzir camas surgiu de forma natural, como uma continuidade ao trabalho dos rodos. “Pensamos em outras possibilidades, como estantes ou armários, mas a cama era a prioridade. É a primeira coisa que a pessoa precisa quando perde tudo: um lugar para dormir”, conta Rene. Assim como no projeto anterior, os alunos analisaram diferentes ideias e testaram protótipos até chegar a um modelo viável, seguro e resistente.
A experiência adquirida na produção dos rodos ajudou na adaptação dos materiais disponíveis. O grupo passou a utilizar caibros – peças de madeira no formato retangular – para estruturar os pés das camas, substituindo soluções anteriores menos estáveis. O objetivo foi garantir durabilidade e segurança, considerando que muitas famílias, incluindo crianças, precisariam utilizar os móveis por tempo indefinido.
A iniciativa cresceu rapidamente, com a captação de mais materiais disponíveis para fabricação dos móveis. Os estudantes se organizaram em equipes para otimizar a produção: enquanto alguns acompanhavam os projetos no computador, outros atuavam na montagem, no lixamento e no acabamento das peças. Com o tempo, o espaço do Numae, tradicionalmente voltado para projetos em aço, ganhou uma linha de produção improvisada, incluindo uma serra construída pelos próprios alunos e mesas de corte adaptadas para agilizar o trabalho.
Além da contribuição prática para as comunidades afetadas, a atividade também serviu como oportunidade de integração entre estudantes e professores. “Já éramos amigos, e isso acabou nos aproximando ainda mais. Foi muito gratificante aplicar o que aprendemos em sala de aula em algo que realmente pudesse ajudar a comunidade”, destaca Luis Fernando.
Os estudantes também perceberam na atividade uma oportunidade de colocar em prática os conteúdos vistos em sala de aula. “A gente pode retribuir, fazer o bem e ainda colocar a teoria que a gente vê em aula em prática para ajudar”, comenta Luis Fernando, natural de Rio Pardo, onde também houve estragos pelas inundações. Para Marina, a motivação foi além da sala de aula. “A gente viu de perto todos os efeitos e achou uma ótima maneira de contribuir, de pelo menos tentar ajudar um pouco as pessoas que perderam praticamente tudo”, conta.
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