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Inteligência Artificial na comunicação: é trapaça? – por Guilherme Bicca

“Interface é aberta... Mas a capacidade de gerar valor vem de quem comanda”

O Brasil é um dos países que mais usa IA no mundo. Pesquisa recente da Ipsos em parceria com o Google, aponta que 54% da população declarou ter feito uso de Inteligência Artificial no último ano, o que deixa o país acima da média global, de 48%.

A pesquisa também revelou (não que fosse uma surpresa) os setores que mais utilizam IA por aqui: tecnologia da informação, serviços financeiros, entretenimento e, claro, comunicação. 

Ou seja, grande parte dos jornalistas, publicitários, produtores de conteúdo e analistas de marketing brasileiros já incorporou a IA em seu dia a dia. Seja para editar vídeos, automatizar processos, gerar textos, traduzir conteúdos ou criar imagens.

Dito isso, é inevitável entrar no mérito de um debate que (minha percepção) começa a se acirrar nos bastidores da comunicação. Ou, mais precisamente, nos bastidores da relação entre potenciais clientes e profissionais: usar IA seria trapaça?

Mas por que seria?

Tem se ouvido por aí que “é muito fácil pedir que a IA faça algo que a própria pessoa deveria fazer”. Curioso. Pensei que toda a lógica de gestão, talvez até de cadeias produtivas, se baseava exatamente nisso: delegar. Não fazer tudo, mas saber o que deve ser feito, por quem e como.

Não conheço nenhum CEO de multinacional que efetivamente faça algo que “ele mesmo deveria fazer” ao invés de delegar. O valor está em saber pedir, em coordenar, em revisar, em dar o direcionamento técnico certo para que a execução aconteça da melhor forma possível.

Pois adivinha? Com IA, é exatamente a mesma coisa.

Assim como em uma equipe tradicional (em que a experiência, conhecimento e visão de mundo do profissional é que definem o resultado) com a IA é preciso orientar com precisão. Dar o tom, as coordenadas, revisar, ajustar, mandar refazer. Exatamente como faria com um redator, designer ou videomaker. 

A diferença é que, agora, essa lógica se democratizou. Na outra ponta do briefing tem um algoritmo.

Essa é uma de suas distinções para um gerente que orienta o estagiário; de um editor que revisa o trabalho de um repórter iniciante; de uma agência que subcontrata freelancers. No fim, tudo se resume à mesma lógica: comandar um processo criativo com direção clara, para alcançar o melhor resultado possível.

As mesmas pessoas que dizem ser “muito fácil” pedir algo para uma IA, normalmente, quando tentam, não conseguem obter resultados satisfatórios. Isso porque sem conhecimento técnico, a IA, ao invés de fazer sua “mágica”, entrega bagunça. A interface é aberta e com infinitas possibilidades. Mas a capacidade de gerar valor vem de quem comanda.

O “real” que nunca foi tão ficcional

Outro argumento comum é o da “falsidade” do conteúdo gerado por IA.  Especialmente quando se trata de imagens. 

Cheguei a ouvir, certa feita, de um amigo publicitário, que seu cliente, ao saber que a imagem foi gerada por IA, reclamou que o Papai Noel não era de verdade. 

Fiquei um pouco confuso: “ele acredita em Papai Noel?”

Já ouvi discussões acaloradas sobre como uma campanha com imagem gerada por IA seria “enganosa”. A imagem não seria real… a cena retratada pela imagem não aconteceu de verdade. Mais ou menos como a história do Papai Noel falso.

Mas espera lá.

Contratar um senhor de barba branca, vestir ele com uma roupa vermelha, tirar fotos no croma verde e depois manipular digitalmente para parecer o Polo Norte… faz com que seja mais “real”? 

Que tal, então, os anúncios de hamburger: alguém acha que aquilo é queijo derretido? E os de cerveja, com o copo suando de tão gelada? Desculpa quebrar o encanto e contar que aquilo talvez nem seja cerveja. 

A comunicação promocional sempre trabalhou com a construção simbólica da realidade. Seja com modelos que parecem craques de futebol, imagens de arquivo, cenários feitos com computação gráfica, animações 3D… nada disso é literal. Mas comunica.

Gente… o George Clooney foi garoto propaganda da Nestlé. Alguém acredita que ele toma Nescafé?

A diferença agora é o custo. E a velocidade, claro. Enquanto uma produção tradicional envolve estúdio, equipe, locação, luz, figurino, maquiagem e edição, a IA oferece alternativas com menor investimento e maior controle criativo.

Democratizar, não trapacear

No fim das contas, o uso de IA não é uma forma de enganar, e sim de ampliar. Ampliar possibilidades, acesso, capacidade criativa. Mesmo com poucos recursos. 

Hoje, com domínio técnico e um bom direcionamento, é possível obter resultados de alto nível sem depender de orçamentos milionários.Estamos diante de uma mudança de paradigma, em que o diferencial pode sair das mãos de quem sabe fazer para as de quem sabe “mandar a IA fazer”.

O talento agora se mede também na condução, não apenas na execução.

E se você acha que não precisa de um profissional, pois pode simplesmente abrir o Chat GPT e pedir qualquer coisa com um resultado digno de Cannes… talvez esteja acreditando no Papai Noel.

(*) Guilherme Bicca é jornalista graduado na Universidade Franciscana (UFN) desde 2008. Nesses anos, especializou-se em assessoria de comunicação integrada, quando realizou trabalhos junto a instituições como Sociedade de Medicina; Apusm; Sindilojas; e, mais recentemente, CDL Santa Maria. Está à frente da comunicação de entidades como Adesm e Secovi Centro Gaúcho; presta assessoria especializada ao Fidem Bank; é redator sênior na Jusfy, legaltech eleita a startup mais escalável do último South Summit. Também é um dos âncoras do Semanário, programa veiculado aqui mesmo em claudemirpereira.com.br; e criador do podcast Bocas do Monte, da TV Santa MariaGuilherme Bicca escreve às sextas-feiras no site.

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12 Comentários

  1. Resumo da opera. Finado Oliviero Toscani dizia que a publicidade só consegui vender uma coisa durante todo o tempo que existe, a ideia de que ela funciona. O periodo é de transição e ninguém sabe se e quando haverá uma estabilização. Não acontecerão milagres e nem as coisas voltarão a ser como antes. Negócio é se adaptar aos meios e concentrar nas pessoas que recebem a mensagem. Estas mudam também. Se colocarem anuncio em russo por ai não vai rolar.

  2. Publicidade tupiniquim ainda não se adaptou a web. Pegaram o que faziam quando tinham 30 segundos, é uma generalização e tem exceções, e jogaram nos espaços da rede, Youtube principalmente. Não mudou só como é feito os comerciais, mudou o comportamento de quem assiste.

  3. ‘[…] pode simplesmente abrir o Chat GPT e pedir qualquer coisa com um resultado digno de Cannes… talvez esteja acreditando no Papai Noel.’ Pois então. Quem ‘dá bola’ para Cannes e seus ‘leões’? Ou qualquer outro tipo de premiação? Um nicho.

  4. ‘[…] em que o diferencial pode sair das mãos de quem sabe fazer para as de quem sabe “mandar a IA fazer”.’ ‘Saber fazer’ pode ser alguém que assistiu uma série de videos no Youtube e não alguém que cursou uma faculdade. Até porque o ensino academico pode facilmente ficar defasado.

  5. ‘Enquanto uma produção tradicional envolve estúdio, equipe, locação, luz, figurino, maquiagem e edição, a IA oferece alternativas com menor investimento e maior controle criativo.’ Ha que colocar um grão de sal nesta historia. Terceiro filme da serie Homem Formiga, Quantumania, foi um festival de efeitos especiais. Orçamento final de 388 milhões de dolares. Bilheteria de 476 milhões globalmente. Deu prejuizo. Aconteceram muitas reclamações da artificialidade das imagens, muitos não gostaram. Industrial Light and Magic utilizou ‘The Volume’ em algumas produções (Mandalorian é o exemplo mais conhecido). Um cenario feito com telas com efeitos realistas. Também gerou reclamações quando utilizada de forma exagerada. Ultima série produzida, Andor, filmou em lugares reais também. O Senado (Star Wars) foi filmado utilizando a ‘Ciudad de las Artes y las Ciencias’ em Valencia. Certas partes da serie foi filmada na Escocia.

  6. ‘Isso porque sem conhecimento técnico, a IA, ao invés de fazer sua “mágica”, entrega bagunça.’ Otimismo e auto-engano. Depende da IA que esta sendo utilizada. A gratuita não é la estas coisas. As mais caras dão resultados bem melhores. Segundo aspecto: existe uma curva de aprendizagem. No começo do Youtube a massa de produtores de conteudo se virou e aprendeu a editar videos. A realidade é dinamica.

  7. ‘A diferença é que, agora, essa lógica se democratizou.’ Tupiniquins começaram a usar o verbo ‘democratizar’ no lugar de ‘disseminar’. Para prejuizo da palavra ‘democracia’, nem tudo que se espalha é ‘positivo’.

  8. ‘Não conheço nenhum CEO de multinacional que efetivamente faça algo que “ele mesmo deveria fazer” ao invés de delegar.’ O famigerado ‘microgerenciar’. Por isto que Elon Musk não é o CEO das empresas dele.

  9. ‘Ou, mais precisamente, nos bastidores da relação entre potenciais clientes e profissionais: usar IA seria trapaça?’ Ter uma plateia cativa de gente lesada mandando noticias ou indicios de noticias para as redações via Zap não seria trapaça?

  10. Na verdade aconteceu um movimento imbecil dos orgaos de imprensa para serem remunerados quando os buscadores (Google, Brave, etc) apresentavam seus sites como resultado de pesquisa. A criatura buscava uma informação sobre o ataque israelense, por exemplo, e apareciam o site do UOL, do Globo, etc. Quem estivesse interessado acessaria o site noticioso e, com ou sem paywall, leria o que fosse possivel. Com publicidade. Como o olho dos orgaos de imprensa cresceu agora aparecem na rabeira da busca (a menos que paguem). Primeiro aparece um resumo feito por inteligencia artificial.

  11. ‘O Brasil é um dos países que mais usa IA no mundo.’ Obvio que isto não para em pé. Se, o numero varia de fonte para fonte mas é parecido, somente 86% da população tem acesso a internet no Brasil (vide pandemia) a afirmação (cuja fonte basicamente é a EBC) fura. Brasil não está nem entre os 10 primeiros. Sempre que aparece algo ‘maior do mundo’, ‘melhor do RS’, ‘pior do mundo’, etc. é de bom grado desconfiar.

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