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O triste desalento dos educadores no Brasil – por Giorgio Forgiarini

“Só com amor não dá. Mesmo que haja muito amor envolvido. E há. Como há!”

Na Audiência Pública realizada na Câmara de Vereadores em 21 de maio último, o depoimento de uma professora emocionou os presentes. Com 26 anos de magistério, revelou que pela primeira vez cogita abandonar a profissão. Emocionou, mas não chegou a surpreender. O desalento entre educadores está muito longe de ser fato isolado e é sinal da sistemática desvalorização da educação (e dos educadores) por parte, não apenas de governos, mas da própria sociedade.

Seus reflexos começam na questão remuneratória. Em 2008 foi aprovada uma lei que estabeleceu um piso para o vencimento básico do magistério. Um avanço, dirão alguns. Eu não comemoraria dessa forma. Leis só são úteis para solver um problema não espontaneamente resolvido pela própria sociedade. Assim, uma lei que estabelece um piso remuneratório só tem lugar quando se constata não haver disposição voluntária em remunerar profissionais de maneira condizente. E de fato, quanto aos professores, não há essa disposição.

Prova disso é que essa lei do piso, embora tenha trazido resultados imediatos interessantes, não interferiu no âmago da questão. Municípios e Estados de todo o país adequaram os vencimentos básicos dos professores para cumprir a lei do piso, mas suprimiram muitos outros benefícios que antes se incorporavam às remunerações. Foi o que fez o Estado do Rio Grande do Sul. Promoções, progressões, gratificações e adicionais foram extintos. Na prática, o que se viu foi um nivelamento por baixo. Boa parte do professorado da rede pública experimentou importante queda na sua renda. “Mas o piso está sendo cumprido”, dirá Eduardo Leite.

A coisa não melhora. Em 2020 foi aprovada Emenda Constitucional que revogou a obrigatoriedade de atualização anual do valor do piso do magistério. Desde então, pipocam ações judiciais de municípios que não querem ter de atualizar o vencimento de seus professores ano após ano. E estão ganhando. Para esses, o piso do magistério, que mesmo atualizado já seria baixo, está congelado há 5 anos.

No Brasil professores não apenas ganham menos, mas também trabalham mais e atendem mais alunos. De acordo com a OCDE, docentes brasileiros trabalharam 94 horas a mais que os professores dos países daquela organização em 2023. Ademais, enquanto professores da educação básica do Brasil trabalharam com uma média de 28,7 alunos por turma, os dos países da OCDE atenderam a uma média de 13 estudantes por sala de aula. A sobrecarga é inegável.

Mas o desânimo também tem causas oriundas da mudança na rotina escolar. Para economizar com professores, estados e municípios lançam mão de paliativos caros. Empresas e fundações (supostamente) sem fins lucrativos são contratadas a peso de ouro para disponibilizar apostilas, resumos, vídeo-aulas e até programas de “aceleração de aprendizagem” que, ao invés de ajudar, acabam por tolher a autonomia do professor. De protagonista, passa a ser um reles coadjuvante, um transmissor de informações. A frustração é inevitável.

E o descaso vira violência. Episódios de agressão física, verbal e moral contra professores deixaram de ser atípicos. Estudo realizado pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo traz a informação de que metade dos professores já sofreu algum tipo de agressão em serviço, 70% perceberam ascensão da violência em ambiente escolar nos últimos anos e 80% já cogitaram deixar a carreira.

Mas se engana quem pensa que a violência contra professores parte só dos alunos. Pais, responsáveis e até o Poder Público também a praticam sem muita culpa. A desinformação, o extremismo e o imaginário de que “professores são inimigos da família” têm papel importante nisso. Gravadores e escutas vêm sendo plantados por pais nas mochilas dos filhos, com o não velado objetivo de “pegar os professores no flagra”. Com isso, coisas pequenas como uma frase mal colocada, uma chamada de atenção mais ríspida ou até um ensinamento que não condiga com os “valores professados em casa” passam a ser motivo para abaixo-assinados, manifestações histéricas, reclamações na ouvidoria e até boletins de ocorrência.

O cenário não é alvissareiro. Entre os jovens, há desinteresse. Entre os velhos, o já mencionado desalento. Há solução? Sim. Não sem antes brigar com os fiscalistas de plantão. Os mesmos que berram “não existir almoço grátis” precisam ser convencidos de que não se faz educação sem pôr a mão no bolso. Só com amor não dá. Mesmo que haja muito amor envolvido. E há. Como há!

(*) Giorgio Forgiarini é advogado militante, com curso de Direito pela Universidade Franciscana, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Ele escreve nas madrugadas de sábado.

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19 Comentários

  1. Resumo da opera. Coitadismo, professores as vitimas da vez. Problemas sendo solucionados sem muito ‘penso’, é so jogar dinheiro em cima do problema que resolve. Solução simples para problema complexo. Problema nenhum, não é com um texto em SM que as coisas vao se alterar. O inalienavel direito de uivar para a lua.

  2. ‘Não sem antes brigar com os fiscalistas de plantão. Os mesmos que berram “não existir almoço grátis” precisam ser convencidos de que não se faz educação sem pôr a mão no bolso.’ Gasto publico não tem qualidade. De fato, não existe almoço gratis, se colocarem uma montanha de dinheiro na educação vai faltar em outro lugar. Não dá para resolver tudo ao mesmo tempo. Condições ideais nunca acontecerão. O dinheiro vem do mesmo lugar, o orçamento é um só.

  3. ‘O cenário não é alvissareiro. Entre os jovens, há desinteresse.’ Sempre existiu. No meu antigo segundo grau maioria queria ‘começar a vida de uma vez’. Estudar ‘não é para mim’. ‘Não acrescenta nada’. Agora a lenda é de que a grande maioria quer virar ‘influencer’. Afirmação sem base. Escolas estão paradas no tempo e existe um pessoal ‘no meu tempo que era bom’.

  4. Detalhe importante, as vezes o ‘como’ é mais importante do ‘o que’. Militantes lecionando não faltam. Pais, alem disto, despencou nas provas internacionais estilo PISA. Numero de analfabetos funcionais só aumenta. E também os palpiteiros. Tem que incluir direito constitucional, educação financeira, educação para o transito, etc. Excelentes ‘cidadãos’ analfabetos funcionais que desconhecem as 4 operações.

  5. Nesta hora algum(a) imbecil vai dizer ‘o que tem errado nisto’. Sociedade brasileira é majoritariamente conservadora, assunto foi debatido com ela? Ou foi decidido em gabinete com ar condicionado por alguma ‘vanguarda’?

  6. ‘ Trata-se das questões de classe, gênero, raça, etnia, geração, constituídas por categorias que se entrelaçam na vida social – pobres, mulheres, afrodescentendes, indígenas, pessoas com deficiência, as populações do campo, os de diferentes orientações sexuais, os sujeitos albergados, aqueles em situação de rua, em privação de liberdade […]’. Diretrizes Nacionais, mesmo documento.

  7. ‘ Torna-se inadiável trazer para o debate os princípios e as práticas de um processo de inclusão social, que
    garanta o acesso e considere a diversidade humana, social, cultural, econômica dos grupos historicamente excluídos.’ Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Basica.

  8. ‘A desinformação, o extremismo e o imaginário de que “professores são inimigos da família” têm papel importante nisso. Gravadores e escutas vêm sendo plantados por pais nas mochilas dos filhos, com o não velado objetivo de “pegar os professores no flagra”’. Este trem já saiu da estação. Os gramscianos da canhota tomaram conta do ensino e incluiram a ideologia nos curriculos escolares.

  9. ‘E o descaso vira violência. Episódios de agressão física, verbal e moral contra professores deixaram de ser atípicos. […] Estudo realizado pelo […] Estado de São Paulo […]’. Que é majoritariamente completamente diferente do RS ou de Pernambuco ou do Ceará.

  10. ‘[…] ao invés de ajudar, acabam por tolher a autonomia do professor.’ Ideologia. Juridica inclusive. É o ‘professor em tese’. Todos seriam altamente capacitados, comprometidos e motivados. Para quem defende o ‘humanismo’ o ser humano é um conceito teorico asseptico. As formas ideais de Platão.

  11. ‘De protagonista, passa a ser um reles coadjuvante, um transmissor de informações.’ Protagonistas deveriam ser os alunos e alunas. Professores(as) deveriam ser mediadores, facilitadores. A ideia de que o corpo discente é um conjunto de copos vazios que devem ser preenchidos pelas jarras cheias do corpo docente é mesozoica.

  12. ‘De acordo com a OCDE, docentes brasileiros trabalharam 94 horas a mais que os professores dos países daquela organização em 2023.’ Cascata. OCDE não mede as horas dos professores brasileiros. Existe a media dos paises da OCDE e um numero magico de 800 horas que seria a media de carga horaria dos professores tupiniquins. Magico porque não se sabe a fonte. https://www.oecd.org/en/data/indicators/teaching-hours.html

  13. ‘Municípios e Estados de todo o país adequaram os vencimentos básicos dos professores para cumprir a lei do piso, mas suprimiram muitos outros benefícios que antes se incorporavam às remunerações.’ Se alguém que manje de direito for perguntado vai mencionar o principio da reserva do possivel. Simples assim.

  14. ‘Assim, uma lei que estabelece um piso remuneratório só tem lugar quando se constata não haver disposição voluntária em remunerar profissionais de maneira condizente. E de fato, quanto aos professores, não há essa disposição.’ Lei do piso não abrange só SM. Criaram-se inumeros municipios que só existem para criar cabides, sobrevivem de fundos de participação. Qual o busilis? ‘Piso do magisterio’ é ‘ninguém pode ganhar menos do que isto a la salario minimo’ ou é ‘salario base onde incidem todas as gratificações’?

  15. ‘Em 2008 foi aprovada uma lei que estabeleceu um piso para o vencimento básico do magistério.’ Canetada do Rato Rouco. Quando saiu achei que era inconstitucional. Mas daí criaram o Fundeb junto e passou. Servidores publicos gostam da rede do jardim da infancia, se der um doce para um tem que dar para todos. Policiais fizeram lobby e surgiu a PEC 300, nivelando os salarios dos policiais, civis e militares, aos percebidos no DF. Que são os maiores do pais. Por enquanto não rolou. Porque obviamente não existem recursos para isto.

  16. ‘Seus reflexos começam na questão remuneratória.’ Todo(a) servidor(a) publico(a) reclama que trabalha demais e ganha de menos. É da natureza humana, mas se for comparar com a iniciativa privada a diferença é gritante.

  17. Santa Maria, como toda unidade da federação, tem portal da transparencia e muitos links para encontrar informação. Onde não existe nada. Transparencia existe, mas encontrar informação é dificil muitas vezes.

  18. ‘Com 26 anos de magistério, revelou que pela primeira vez cogita abandonar a profissão. Emocionou, mas não chegou a surpreender.’ As pessoas se emocionam muito fácil. Com 26 anos deve estar quase se aposentando. Com 25 anos deve ter recebido gratificação por tempo de serviço. Alem disto a cada quinquenio ganhou licença-premio de tres meses.

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