Pelo direito de sermos enviesados – por Giorgio Forgiarini
“Sim, queiramos ou não, tudo o que dizemos ou escrevemos” terá um viés

Aqui mesmo, em nosso Rio Grande, um portentoso veículo de comunicação e uma de suas jornalistas mais proeminentes foram condenados a indenizar uma magistrada em R$ 600 mil reais. A causa? Reportagens e colunas que expuseram alguns dos supersalários de membros do Poder Judiciário, dentre os quais, o da magistrada ofendida.
Na fundamentação da sentença, nenhuma menção a qualquer inverdade deliberada ou ofensa direta, nem por parte da jornalista, tampouco do veículo de comunicação. Não mentiram quanto aos valores, muito menos fizeram ilações pessoais à sua pessoa. Isso ficou registrado na própria sentença.
No entanto, segundo a Juíza, as publicações omitiram que parte dos valores recebidos pelos magistrados, dentre as quais a autora do processo, diziam respeito a indenizações, não à remuneração propriamente dita. Por isso, concluiu a Juíza, os textos da jornalista se consubstanciaram em uma “narrativa enviesada e sensacionalista, que associava a autora à figura de suposto privilégio imoral ou injustificado”.
Vamos ao ponto: enviesado é a característica daquilo que tem viés e viés é sinônimo de lado, sentido, direção. Assim, ser enviesado é ter um lado, um ponto de vista, uma opinião. Não há na Constituição qualquer proibição a que se tenha opinião ou que se escreva textos enviesados. Pelo contrário. Nossa Constituição explicitamente garante a “liberdade de manifestação do pensamento”, de viés, de opinião, por mais esdrúxula que ela seja (art. 5º, IV, da Constituição Federal).
Aprofundando o tema: ao descrever um fato ou narrar uma história, é absolutamente natural que o façamos a partir de um viés, dando ênfase ao que consideramos importante e deixando de lado nuances que julgamos irrelevantes, mesmo que de maneira inconsciente. Sim, queiramos ou não, tudo o que dizemos ou escrevemos necessariamente será enviesado.
Os que bradam contra as “pedaladas fiscais” de Dilma, por exemplo, se esquecem que pedaladas fiscais foram dadas em todos os anos desde que surgida a lei de responsabilidade fiscal e que o superávit de Jair em 2022 foi obtido com base em calote nos precatórios e em recursos que seriam dos estados.
Mas tudo bem. Falar que Dilma cometeu crime contra a lei orçamentária é ser enviesado, sim, mas entra no bojo dos direitos reconhecidos pela Constituição. De falar o que se bem entende, dando ênfase ao que lhe apraz e desconsiderando que não acha oportuno. Todo mundo tem direito de ser enviesado, logo, de elaborar argumentos enviesados.
Ser enviesado é muito diferente de mentir deliberadamente, ofender gratuitamente ou propositalmente falsear a verdade com o objetivo de prejudicar a terceiros ou de perceber benefício pessoal. Segundo a própria sentença, nada disso ocorreu.
A jornalista processada, de fato, omitiu que parte dos valores percebidos pela magistrada (e por todos os outros magistrados) tem natureza indenizatória, mas o fez justamente por entender que é irrelevante a natureza das verbas recebidas. E com ela eu concordo. Pouco importa se as importâncias nababescas recebidas mensalmente pelos magistrados levam o nome de remuneração, indenização, gratificação ou gorjeta. O que importa é o valor. Ponto!
Cifras desproporcionais são pagas com dinheiro público a um pequeno número de agentes e, sim, há interesse público aí. Se a jornalista considera ou dá a entender em seu texto que tais cifras performam um “privilégio imoral ou injustificado”, como escreveu a Juíza em sua sentença, é seu direito pensar e se manifestar assim. Não pode ser condenada por isso.
A magistrada tem o direito de se sentir ultrajada pelos textos? Claro. Mas como os próprios magistrados costumam argumentar em suas sentenças nos milhares de pedidos de indenização por questões até mais sérias, o ultraje não passa de “mero dissabor cotidiano a ser relevado”. Não houve um ataque. Não se fez uma falsa acusação. Houve apenas a exposição de um viés incômodo, mas que não deixa de ser legítimo. A liberdade de expressão não é absoluta. Deverei falar sobre isso em textos posteriores. Porém, seus limites não são assim tão estreitos.
Faço votos por que a condenação da jornalista em questão seja revista em Segunda Instância. Para que não sejamos nós tolhidos do direito de sermos enviesados e, principalmente para que o importante debate quanto às remunerações (ou indenizações, vá lá) de magistrados não seja inviabilizado.
(*) Giorgio Forgiarini é advogado militante, com curso de Direito pela Universidade Franciscana, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Ele escreve nas madrugadas de sábado.
Resumo da opera. Há gente na esquerda que sempre respeitou o(a) interlocutor(a). Flavio Koutzii. Adão Vilaverde. Gente que sabe que é necessario respeitar para ser respeitado. Porque o debate tem que ser sério, se descambar para a chinelagem, nivelando por baixo, fica impossivel. Vira perda de tempo. Com o tempo o publico em geral separa quem tem palavra e com quem vale a pena gastar tempo escutando/lendo.
‘Faço votos por que a condenação da jornalista em questão seja revista em Segunda Instância.’ Chance maior é que vá parar no STF. Segurança juridica por la foi para o ralo. Ainda por cima vai demorar um ‘pouco’.
‘Houve apenas a exposição de um viés incômodo, mas que não deixa de ser legítimo. A liberdade de expressão não é absoluta. […] Porém, seus limites não são assim tão estreitos.’ Liberdade de expressão segundo os vermelhos é ‘nós e os nossos podem falar tudo e os que considerarmos de direita ou extrema-direita não podem falar nada’. Simples assim.
‘[…] é seu direito pensar e se manifestar assim. Não pode ser condenada por isso.’ Tanto pode que ja foi. Pendente de apelação. A coluna não teria o assunto se não fosse assim.
‘Cifras desproporcionais são pagas com dinheiro público a um pequeno número de agentes e, sim, há interesse público aí.’ Porém não é aconselhavel ‘fulanizar’ demais. Porque dai o publico vira particular.
‘Pouco importa se as importâncias nababescas recebidas mensalmente pelos magistrados levam o nome de remuneração, indenização, gratificação ou gorjeta. O que importa é o valor.’ Juridicamente importa, basta perguntar a um(a) bom(a) advogado(a). Alas, contramão da cidade. Diuturnamente causidicos e causidicas ocupam os microfones dos meios de comunicação prescrevendo formas de comportamento (como se alguém ‘desse bola’), falando em ‘civilização’, ‘sociedade desenvolvida’, etc.
‘[…] mas o fez justamente por entender que é irrelevante a natureza das verbas recebidas.’ Fez juizo de valor. Com intuito de manipular ou influenciar a audiencia não se pode afirmar categoricamente, seria leitura de pensamento.
‘Ser enviesado é muito diferente de mentir deliberadamente, ofender gratuitamente ou propositalmente falsear a verdade com o objetivo de prejudicar a terceiros ou de perceber benefício pessoal.’ Sensasionalismo buscando resposta emocional, engajamento e cativar a audiencia não existem, é coisa da Globo. Audiencia que paga o salario ainda por cima.
‘Mas tudo bem. Falar que Dilma cometeu crime contra a lei orçamentária é ser enviesado, sim, mas entra no bojo dos direitos reconhecidos pela Constituição.’ Disto não há duvida. Se o judiciario considerou ou não crime é outro departamento. Existe um negocio chamado ‘transparencia’, as coisas aconteceram a olhos vistos. Se os bancos deram destino a dinheiro que deveriam receber e não receberam aparece nos balanços.
‘Os que bradam contra as “pedaladas fiscais” de Dilma, por exemplo, se esquecem que pedaladas fiscais foram dadas em todos os anos desde que surgida a lei de responsabilidade fiscal e que o superávit de Jair em 2022 foi obtido com base em calote nos precatórios e em recursos que seriam dos estados.’ Pois então. Dois erros, ou multiplos, não fazem um acerto. Bastante basico. Dilma, a humilde e capaz, pedalou e a coisa morreu porque o exercicio do orçamento acabou. Ela voltou a pedalar, apesar de avisada, os bancos publicos bancaram despesas e não receberam o repasse. Cavalão deu um calote nos precatorios (errado, obvio), mas existiu uma emenda constitucional para isto. Repasse para os estados? Mais de 400 bilhões durante a pandemia.
Tentar deliberadamente enganar os outros, de maneira tosca ainda por cima, é ofensivo. É o mesmo que chama-los de ‘trouxa’. Pessoal com espinhaço mole fica quieto, talvez sejam trouxas mesmo.
‘[…] ao descrever um fato ou narrar uma história, é absolutamente natural que o façamos a partir de um viés, dando ênfase ao que consideramos importante e deixando de lado nuances que julgamos irrelevantes, mesmo que de maneira inconsciente.’ Donde se entra no conceito de ‘honestidade intelectual’. Os que omitem de boa fé comportam-se como se espera num ambiente civilizado. Porém existem os jaguaras, fdp’s, mentirosos contumazes. Estes omitem porque a omissão lhes traria vantagens reais ou imaginarias. Como o Google e a IA estão na ponta dos dedos, o que antigamente ‘passava’ hoje não dá mais dois passos. Desmentir os panfleteiros inclusive é considerado ‘ataque’.
‘Nossa Constituição explicitamente garante a “liberdade de manifestação do pensamento”, de viés, de opinião, por mais esdrúxula que ela seja (art. 5º, IV, da Constituição Federal).’ Há que avisar o STF disto.
Problema das verbas indenizatorias é que resulta de um problema estrutural ou de gestão. A Corsan, assim como a CEEE, sofreram com as ações trabalhistas. No caso do judiciario casos como os da noticia não são incomuns. Assim como no legislativo e no executivo.
Vai dar em alguma coisa? Duvido muito. Mas é didático. Jornalistas costumam, hoje mais do que nunca, misturar fatos, opiniões e juizos de valor. Se der ruim ‘ataque a liberdade de imprensa’. Mostra também outra faceta da liberdade de expressão, não a censura prévia, as controversias serão resolvidas no fórum. Simples assim.
Se não é possivel ler o processo é possivel ler a sentença. ‘No presente caso, a parte ré não apenas divulgou os dados, mas o fez em veículos privados, com linguagem sarcástica e direcionada, omitindo deliberadamente os esclarecimentos oficiais prestados pela assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e promovendo uma associação direta entre o cargo da autora e a insinuação de que teria manipulado ou se beneficiado da verba recebida’.
‘[…] uma de suas jornalistas mais proeminentes foram condenados a indenizar uma magistrada em R$ 600 mil reais.’ Mais um dos casos onde o ‘como’ é tão importante como ‘o quê’.