Artigos

Paz em Gaza cria a chance da imprensa contar os bastidores desta guerra – por Carlos Wagner

Para Trump, “a guerra acabou”. Já para Netanyahu, ela ainda não terminou

Líder norte-americano Donald Trump avisou Benjamin Netanyahu que o conflito com o Hamas acabou (Foto Reprodução/EBC)

Dando um passo de cada vez, como manda a cautela em assuntos espinhentos. O plano de paz do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 79 anos, para acabar com a guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza deu o seu segundo passo na madrugada desta segunda-feira (horário de Brasília).

O Hamas libertou os 20 últimos reféns que mantinha em seu poder desde outubro de 2023, quando o grupo terrorista invadiu o sul de Israel e capturou mais de duas centenas de pessoas, além de matar mais de 1,2 mil. Nos próximos dias, o Hamas deverá devolver os corpos de 28 reféns que morreram no cativeiro. Pelo seu lado, Israel iniciou a libertação de 2 mil palestinos de suas prisões. O plano de Trump tem 20 pontos. O primeiro foi o cessar-fogo, o segundo, a libertação dos reféns, o próximo poderá ser a entrega das armas pelo Hamas. Todos os bastidores do plano estão sendo revelados pela imprensa mundial.

Resumindo em poucas palavras a análise das informações divulgadas. Os americanos não estão abandonando os israelenses à própria sorte. Mas sinalizando que o seu grande interesse na região são os países do Golfo Pérsico.

Antes de seguir a nossa conversa vamos contextualizar os fatos, em obediência ao manual do bom jornalismo. Em 7 de outubro de 2023, um contingente de mais de 6 mil militantes do Hamas e seus aliados invadiram a fronteira sul de Israel por ar, mar e terra. Mataram 1.250 pessoas (homens, mulheres, crianças, civis e militares) e fizeram 251 reféns. Na Faixa de Gaza vivem 2,2 milhões de pessoas. O território faz parte da Palestina.

Vou focar a nossa conversa. O avanço do tratado de paz de Trump cria uma oportunidade para nós jornalistas remexermos nas perguntas que ainda estão sem resposta. Uma das questões que precisamos esclarecer é como Israel foi surpreendido pelo ataque do Hamas. A invasão do território israelense foi uma operação de grande envergadura. Este tipo de operação não é planejado e muito menos executado sem chamar a atenção dos serviços de inteligência.

Lembro que a inteligência de Israel acompanha online todos os acontecimentos na Faixa de Gaza. Como não detectaram os movimentos do Hamas a tempo de reagir? Li alguns artigos que argumentam que a inteligência americana também não detectou os preparativos dos ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, em Nova York, por terroristas da Al-Qaeda, de Osama Bin Laden (1957 – 2011), quando morreram 3.278 pessoas.

Não é possível fazer tal comparação. O ataque de 11 de setembro envolveu 19 terroristas, que sequestram quatro aviões comerciais. Diariamente, o tráfego aéreo nos Estados Unidos movimenta 12.857 aeronaves. Mais ainda: o 11 de setembro foi planejado a milhares de quilômetros de distância do território americano. Durante meses trabalhei fazendo reportagens sobre o atentado em Nova York. Na época, conversei com muita gente, incluindo quadros dos serviços de inteligência americanos e pessoas ligadas à Al-Qaeda.

Lembro que logo que aconteceu o 7 de outubro, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, 75 anos, disse ao então presidente americano, Joe Biden (democrata), 82 anos, que o ataque do Hamas se assemelhava ao 11 de setembro. Biden advertiu Netanyahu para ter cuidado na reação para não repetir os erros cometidos pelos americanos. O principal foi a desastrada invasão do Iraque, em 2003, que era governado pelo ditador Saddam Hussein (1937 – 2006).

Saddam era acusado de armazenar armas de destruição em massa. As armas não existiam – há documentários e muitos livros disponíveis sobre o assunto. Um dos resultados da invasão ao Iraque foi a proliferação, na região, de vários movimentos radicais, entre eles o Estado Islâmico, muito mais poderoso e articulado que a Al-Qaeda.

Netanyahu ignorou o conselho de Biden. Na ocasião do ataque do Hamas, o primeiro-ministro estava prestes a ser afastado do cargo devido a problemas com a lei. Aproveitou a confusão para consolidar uma aliança com a extrema direita israelense e foi para a guerra. Aqui temos mais um ponto a esclarecer para o leitor. Ao contrário do que todo mundo pensava, o resgate dos reféns não foi colocado como prioridade pelo Exército de Israel. O foco das ações militares foi na destruição do Hamas e seus aliados.

Houve uma oportunidade para negociar o resgate dos reféns, em janeiro, durante uma trégua entre Israel e Hamas. Foram libertados 38 reféns em troca de 90 palestinos que estavam na prisão em Israel. A guerra recomeçou dois meses depois da trégua com uma ferocidade incrível. O Exército israelense ampliou o uso da fome como arma de guerra. O resultado foi devastador, como mostram os vídeos das reportagens produzidas pelos jornalistas que trabalhavam na cobertura da guerra: mulheres, crianças e velhos reduzidos a pele e osso.

Aqui é o seguinte. As autoridades israelenses proibiram a presença de jornalistas na Faixa de Gaza. Então, todo o material jornalístico foi produzido pelos repórteres locais, que trabalharam identificados, como manda o manual para este tipo de cobertura. Pelo menos 520 jornalistas foram mortos durante o conflito pelas forças de Israel.

Como falei: o forte do trabalho dos repórteres foi levar para fora do campo de batalha as imagens de crianças, mulheres e velhos esqueléticos devido a fome. Estes vídeos começaram um processo de corrosão na imagem do Exército de Israel. E também ilustraram os cartazes nas manifestações populares contra a guerra ao redor do mundo.

Claro, repórteres morrem em cobertura de conflitos. Lembro que 2013 eu fazia a cobertura de uma onda de protestos populares no Brasil e um tijolo atirado por um manifestante passou a centímetros da minha cabeça. Imaginem em uma guerra, onde bombas e tiros cruzam os ares a todo o instante. Esclarecer as mortes dos colegas em Gaza merece um olhar atento.

Além disso, existe a estimativa de que 65 mil civis palestinos e 856 militares israelenses morreram. Nos primeiros anos na faculdade de jornalismo ouvimos que, “na guerra, a primeira vítima é a verdade”. Não tem como negar a afirmação. Mas nos dias atuais a tecnologia nos deu a chance real de chegar perto da verdade.

Para arrematar a nossa conversa. É fundamental o trabalho da imprensa em lançar luzes nos cantos escuros do governo de Netanyahu. É opinião unânime entre os jornalistas que, para se manter no poder, o primeiro-ministro precisa de uma guerra. Todo mundo sabe disso, inclusive Trump. Não foi por outro motivo que o presidente americano se apressou em declarar que a “guerra acabou”. Enquanto Netanyahu insiste que ela ainda não terminou.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 75 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Um Comentário

  1. Tupiniquim médio não está interessado no Oriente Médio. Simplesmente vai diminuir o espaço do assunto no noticiario. Coisa está tão feia que a CNN abriu espaço num horario noticioso para fazer jabá da Daniela Mercury. Todo mundo sabe que o pessoal do axé music já entrou em decadencia há decadas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo