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Sangueaudiência – por Leonardo da Rocha Botega

“No Brasil, a letalidade do combate aos crimes sempre teve cor de pele e CEP”

No último dia 28 de outubro, o país assistiu a ação policial mais letal da História do Rio de Janeiro. Ao todo, oficialmente, foram divulgadas as mortes de cento e vinte e uma pessoas, entre essas quatro policiais. Apesar da alta letalidade da Operação e de não ter conseguido prender Doca, um dos chefes do Comando Vermelho e principal alvo da operação, o governador Claudio Castro classificou a operação como “um sucesso”.

Em paralelo “à comemoração oficial”, uma série de denúncias começaram a vir à tona. Decapitações, disparos aleatórios, corpos empilhados na rua pelos próprios moradores da comunidade, mortos após se renderem, mortos sem ligação com o crime, policial morto exposto em uma operação de grande complexidade tendo menos de dois meses de atuação. Tais fatos levantam questionamentos ao “sucesso” da operação.

O que também levanta questionamentos é a informação divulgada pelo Uol de que dos noventa e noves mortos identificados pelo IML três dias após a operação, nenhum constava na denúncia do Ministério Público que embasou a ação. Além disso, a polícia do Rio de Janeiro aprendeu um número bem menor de fuzis do que os que foram aprendidos na casa de Roni Lessa, o miliciano assassino da vereadora Marielle Franco.

Todos estes questionamentos ao “sucesso” atribuído pelo governador Claudio Castro demonstram que a operação não passou de mais do mesmo. Mais uma ação de “sangueaudiência” que quase nada muda na realidade do combate ao crime organizado.  Nos últimos nove anos, foram realizadas seiscentas e quatorze operações policiais nos complexos da Penha e do Alemão e as regiões seguiram controladas por facções.

Além disso, o avanço do Comando Vermelho não foi contido. Não foi contido, pois não basta fazer a “guerra ao crime organizado” apenas nas favelas. Não é das favelas que vêm as armas. Não é nas favelas que o dinheiro do crime organizado é “esquentado”. Quem lucra financeiramente e politicamente com a “guerra às drogas” nem sempre está na favela. Parece clichê escrever isso, mas dois exemplos recentes demonstram isso.   

Em 3 de setembro, uma operação conjunta das polícias federal e civil prendeu quinze pessoas que lavavam dinheiro para chefes do tráfico e intermediavam a venda de armas para as três principais facções criminosas do Rio de Janeiro. Entre os presos estavam o deputado TH Joias, e o ex-secretário municipal do governo Marcelo Crivella e ex-secretário estadual do governo Claudio Castro, Alessandro Pitombeira Carracena.

Nessa operação, realizada em áreas nobres do Rio de Janeiro, não houve nenhum disparo e consequentemente nenhum morto. Também não houve nenhum disparo e nenhum morto na Avenida Faria Lima, em São Paulo, principal centro financeiro do Brasil, onde a polícia federal desmantelou o grande esquema de investidores que “esquentavam” dinheiro para o Primeiro Comando da Capital.

Pelo visto onde se usa terno e gravata, a polícia não usa bala, o “caveirão” não entra e ninguém é impedido de trabalhar por medo. Nesses locais, ter a mesma tonalidade de pele e usar as mesmas roupas que um criminoso não é atitude suspeita, tampouco correr com medo de bala perdida. Viver perto das máfias de terno e gravata é mais “seguro” do que viver perto do crime de chinelo e regata.

No Brasil, a letalidade do combate aos crimes sempre teve cor de pele e CEP. As comunidades desses CEPs nunca têm paz. Onde não estão as facções, estão as milícias. O controle territorial das milicias no Rio de Janeiro cresceu 387% em 16 anos. As UPPs ajudaram nesse crescimento. Saem as facções, as milicias entram. O vazio pós-operações sempre é preenchido, quase nunca pelas políticas sociais.

Operações policiais como a que foi feita no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão não resolvem essa questão. Apesar de seu impacto midiático, elas não resolvem as questões estruturais do crime organizado. Mas isso talvez não seja o mais importante para quem as ordena. A “sangueaudiência” coloca quem não sobe o morro (e não arrisca a vida) na vitrine. A “sangueaudiência” dá voto. Isso é o que importa para quem ordena.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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14 Comentários

  1. ‘Operações policiais como a que foi feita no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão não resolvem essa questão.’ Não são para isto. A politica de evitar operações implementada pelo governo federal e pelo Supremo Tribunal Cumpanhero só fez fortalecer e deixar expandir o crime.

  2. ‘Onde não estão as facções, estão as milícias.’ Só na midia fazem esta diferença. Primeira geração de milicianos que eram policiais militares, bombeiros e guardas civis já foi para a conta.

  3. ‘Viver perto das máfias de terno e gravata é mais “seguro” do que viver perto do crime de chinelo e regata.’ Enfim uma verdade. É.

  4. ‘[…] e usar as mesmas roupas que um criminoso não é atitude suspeita,[…]’. Terno e gravata na Faria Lima parece roupa de criminoso?

  5. ‘Nessa operação, realizada em áreas nobres do Rio de Janeiro, não houve nenhum disparo e consequentemente nenhum morto. Também não houve nenhum disparo e nenhum morto na Avenida Faria Lima,[…]’. É só não ter uma força armada recebendo a policia a bala e tudo se resolve pacificamente. Qual a alternativa? Ir para a favela desarmado ou entrar atirando na Faria Lima para fins de ‘igualdade’?

  6. ‘[…] e o ex-secretário municipal do governo […]’. E daí? Não teve ex-vereador preso implicado em furto de jóias aqui perto?

  7. ‘Não é das favelas que vêm as armas.’ PF fechou duas fabricas clandestinas, uma em SP e outra em MG. Até 3,5 mil itens por ano era a produção. Deve haver outras.

  8. ‘[…] nenhum constava na denúncia do Ministério Público que embasou a ação. Além disso, a polícia do Rio de Janeiro aprendeu um número bem menor de fuzis do que os que foram aprendidos na casa de Roni Lessa, […]’. Os 117 fuzis foram achados na casa de Ronie Lessa. Estavam incompletos. Não tinham uma pessoa segurando e atirando na policia. Quanto a denuncia, o que tem a ver o soprante com as bombachas?

  9. ‘Decapitações, disparos aleatórios, […] , mortos após se renderem, mortos sem ligação com o crime, […]’. Mentiras de sempre. Decapitações sem corpo decapitado aparecendo. ‘Após se renderem’ sem nenhuma evidencia, se aconteceu na serra e mais ninguém viu como pode aparecer denuncia? ‘Sem ligação com o crime’, mas com foto no rede social armado.

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