A fúria delicada da máquina – por Bianca Zasso
Se até mesmo as crianças gostam de acrescentar sentimentos aos seus brinquedos na hora do recreio, não se pode desejar que os adultos também não desejem um pouco de humanidade para as suas máquinas. A ideia de inteligência artificial já apareceu nos filmes de ficção científica em vários níveis. Da simpatia do robô Robby, de Planeta Proibido, de Fred Wilcox, até o menino-máquina que deseja ser amado pelos pais de A.I. –Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, muitas foram as vezes em que criaturas criadas por humanos inteligentes demonstraram a capacidade de sentir. E basta ser humano para saber que sentimentos provocam conflitos. E são eles a base de uma das melhores produções de 2015 que, infelizmente, passou longe dos cinemas brasileiros.
Ex Machina – Instinto Artificial, marca a estreia na direção do ótimo roteirista Alex Garland, responsável por Não me abandone jamais e Dredd: O Juiz do Apocalipse. Por estas referências pode se ter uma ideia de que o que nos espera não será nada clichê. Os primeiros instantes do filme soam familiares aos iniciados na ficção científica. Caleb, o protagonista, segue o modelo do programador inteligente e sem vida social que é selecionado para passar uma semana ao lado do dono da empresa onde trabalha, o gênio da informática Nathan. A casa do criador da empresa fictícia Blue Book mistura obras de arte e tecnologia, uma vista esplendorosa da natureza na varanda e quartos com paredes opressoras e nenhuma janela. A casa-paradoxo é reflexo do dono, considerado gênio pelo mundo e quem intercala bebedeiras e malhação pesada sem muita explicação. Até então temos apenas Caleb e Nathan, dois homens apaixonados por máquinas e em torna-las capazes de coisas para além da mera obediência. Eis que surge Ava. E Ex Machina toma novo rumo.
Ava é a robô da qual Caleb irá testar a inteligência artificial. Seu rosto, mãos e pés possuem formato e pele idênticos aos humanos, mas o resto de seu corpo é composto de engrenagens. A aparição da personagem basta para entendermos porque o filme ganhou o Oscar de efeitos visuais. Mas de nada adiantaria a modernidade e os artistas atrás das câmeras se não houvesse Alicia Vikander. Sua interpretação de Ava é sutil, perceptível na mudança do ritmo do piscar de olhos e do movimento de pernas e braços para se aproximar do gestual de um robô. No rosto da atriz vai surgindo aos poucos e sempre com um toque de delicadeza, uma rebeldia contra seu criador, cuja primeira expressão se dá ao verbalizar o desejo de estar em um cruzamento muito movimentado quando sair de seu “cativeiro”. Ava foi criada ao bel-prazer de Nathan, mas o objetivo de lhe conceder a capacidade de desejar foi alcançado e agora ela se entende como ser e quer ser dona do seu caminho.
A tradicional revolta da criatura para com seu criador é o clímax de Ex Machina. Porém, saber disso antes de assistir ao filme não estraga a jornada. Cada quadro tem a sua beleza e a cadência das cenas imerge o espectador naquela casa com jeito de esconderijo onde um homem muito inteligente brinca de ser deus. No ponto em que percebemos que o verdadeiro protagonista é Ava e não Caleb, a sensação de termos sido enganados não causa raiva, mas regozijo. Torcemos por Ava e vibramos com sua fúria vingativa com ares de renascimento. Ela vai ser quem ela quiser e descobrir o mundo. Longe de câmeras e controles pré-estabelecidos.
Há um quê feminista, inclusive. Aos que acham que esta colunista enxerga feminismo em tudo que a rodeia, fica o alerta de que a revolução brota de onde menos se espera e é preciso estar atento aos sinais. Nathan, em suas experiências com inteligência artificial, só cria robôs mulheres. Acaso? Pelo linguajar do personagem, pode-se pensar na ideia de que é mais fácil coagir uma mulher e que a fragilidade “natural” do sexo feminino se mostraria em algum momento. Nathan é gênio em programação e robótica. O que não o impede de ser um completo alienado sobre o que uma mulher, biônica ou não, é capaz por liberdade.
Ex Machina – Instinto Artificial
Ano: 2014
Direção: Alex Garland
Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix
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