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Prosa, Verso e Quadrinhos – por Pylla Kroth

“Isso é coisa dele!”, dizia minha mãe quando alguém não entendia meus pensamentos e me manifestava. Não sei por quê. Ou sei? Talvez seja a velhice chegando de mansinho, pois ultimamente tenho me lembrado de muitas coisas de quando eu era menino. Um geminiano atrevido que não deixava pra depois uma discussão. Hoje prefiro acreditar em algo mais e me conter antes de me manifestar, mas se guardar para fazê-lo mais tarde por muito tempo também fico terrível. Tenho quase certeza que aquele relógio de bolso do meu avô andava mais lento que os digitais de hoje. Às vezes quero atrasar esse meu aqui, mas a flecha do tempo me faz ser quem sou hoje, permitindo-me ser também quem não fui, afinal “viver e morrer são processos indissociáveis”. Então simbora viver, relembrar!

O Chico Anísio tinha um personagem que reflete muito bem essa coisa de minhas histórias de quando criança, “ quando eu era pequenininho lá em Barbacena!!!” e lá vinha ele com histórias… Quando pergunto para minha esposa se ela quer ouvir uma historinha, ela já sabe… “lá vem ele com uma história do menininho…”

Nestes últimos dias com a feira do livro acontecendo, não tenho como escapar de contar de quando eu era guri, e pedia pra minha mãe, quando ia para a cidade, me comprar um “Patinho” – assim chamávamos as HQs, histórias em quadrinhos. Urtigão, Zé Carioca, O Morcego Vermelho, Chico Bento, entre outros, brilhavam em meus sonhos de menino. E devo confessar que isso me ajudou, e muito, em minha iniciação no uso sistemático da ortografia correta e desenvolvimento da habilidade de ler e escrever, a alfabetização completa.

Passados os anos, neste quadro saudosista que me encontro, fui a Feira do Livro fazer minhas compras. No primeiro dia tudo aquilo que vi e me interessei não estava ao meu alcance financeiro. No segundo dia comecei a catar livros que me chamassem atenção pelas imagens. Foram poucos. Com o advento da Internet acho que não gastam mais dinheiro em impressão de imagens fascinantes ilustrando os livros, pois agora tem tudo livre no computador e se comprar  óculos especiais dá pra ver até em 3D. Continuei minha peregrinação pela feira, desta vez a procura de biografias e autobiografias. Desses tem em abundância, mas também não deu alcance em meu bolso, que triste realidade! Mais um dia de Feira e lá vai o magrão vasculhar as prateleiras. Com a licença dos vendedores gentis, folhei alguns, mais uns, e mais, e mais. Por fim, comecei me irritar com alguns “livros” e em determinado momento falei pra mim mesmo: “Papel aceita qualquer coisa mesmo, inclusive mentiras”.

Neste momento fui interpelado por um sujeito que vive enchendo o saco de todos na Internet com sua estupidez a respeito de política. Frequentemente me deparo com posts desse fulano ofendendo inclusive pessoas intelectualizadas na sociedade local, nunca respondi a um comentário deste sujeitinho arrogante e mal educado, mas prometi pra mim mesmo que o dia que me deparasse com ele na rua, iria me manifestar e dizer tudo aquilo que estava atravessado aqui na minha garganta e que nunca respondi em seus posts. Fazendo me valer daquele menino que falo no inicio deste texto. “Olha só quem eu encontro aqui na Feira? O meu cantor preferido!” diz ele. Bah….respirei fundo e me levantei do banco em que estava sentado pra começar meu discurso num vomito só, e larguei falando sério, mas em tom de brincadeira como às vezes costumo fazer dizendo verdades como se estivesse brincando: “Mas olha só tu aqui pela feira, sujeitinho intragável!!” E quando iria começar meu ataque “téti a téti chega um velho poeta da nossa cidade por traz, me fazendo sinal de “psiu” com o dedo nos lábios e deu um encontrão nele como se fazia em tempo de moleque de escola quando se queria pregar uma peça nos amigos. Ele tropeça e quase cai se virando pro poeta e se ajoelhando pedindo a bênção. Chegou me dar pena, o garganta da rede social estava agora cercado, quando se aproximou mais outro que também já vi ele ofender na rede. Pobre coitado, foi massacrado, maltratado, humilhado pro espanto de quem passava por perto e presenciou o pequeno barraco, novamente verdades ditas em tom amigável e brincalhão, porém bem verdades. Aquele dia só para mim já tinha valido a feira, mas em meio a ofensas ditas em formas de brincadeiras  de nossa parte ele tratou de ir saindo de fininho e teve até a coragem de humildemente nos convidar pro lançamento do seu último livro de poesias! Vejam bem, poesias, algo que em sua essência deveria ser altamente refinado, vindas de quem não mede palavras nas redes sociais quando se mete em discussões. Confirmando realmente meu pensamento  de que o papel aceita tudo mesmo. Imediatamente pensei que assim como nas redes sociais, na literatura também temos de filtrar os fakes. Feito meu desabafo, para o meu consolo a partir dali a feira passou a fazer mais sentido, e graças que ainda temos mais alguns dias pra pesquisar e investigar as prateleiras para adquirir nosso alimento intelectual de cada dia, o livro.

No último sábado teve o 14º Cartucho, encontro de cartunistas gaúchos, que ocorre paralelamente a Feira e foi de arrasar e trazer de volta meu lado criança dos “patinhos”, as HQs. Ao menos esses eu já adquiri e num precinho barbada, tem de balaios em várias bancas e são sensacionais. No dia da abertura do evento dos cartoons, ataquei de repórter por um dia pra uma determinada emissora de rádio local. Fiz uma Blitz. Foi de lavar a alma com o microfone na mão, e desta vez não para cantar, mas para fazer perguntas a personalidades e pessoas presentes. Como disse o meu colega naquela manhã, “o Magrão está aqui para fazer perguntas indiscretas que eu não posso fazer sem ser repreendido pela direção”. E foi aquele tiroteio, peguei no “contrapé” vários políticos e autoridades, sempre com humor, como é a marca do cartoon, das charges, das histórias em quadrinhos, que refletem as mazelas da vida desta forma que tanto me agrada, dizendo verdades muito sérias em forma de brincadeira de criança.

No fim das contas, esta que é uma das formas mais simples de literatura, feita de poucas palavras e muitas ilustrações, mas bem verdadeiras e de maneira muito didática, foi o que salvou a Feira do Livro para mim! Voltei para casa contente com meus “patinhos”, me sentindo novamente criança, com leitura de cabeceira para alguns dos próximos dias, ou melhor, noites!

Pois haverá coisa melhor do que, depois de um longo dia cheio das preocupações e consternações e desapontamentos da vida adulta e do complicado mundo e da pesada rotina que levamos, antes de dormir poder ler uma historinha curta que seja, dar uma risada gostosa e finalmente relaxar, o suficiente para que tenhamos sonhos de uma realidade mais simples, mais criativa, mais leve e mais pura, como a do mundo das histórias em quadrinhos? Creio que não!

Com este sentimento me sinto apto a terminar a escrita de hoje dando vivas à Feira do Livro de Santa Maria. E aos verdadeiros escritores e poetas, que nem sempre são os que escrevem a poesia, a crônica ou a narrativa de maneira formal, métrica e estricta, impressa em papel, mas aqueles que vivem e promovem o imaginário dos seus leitores em prosa e verso ou num simples balão de fala num quadrinho em preto e branco ou colorido, e que dão à palavra escrita um significado que transcende em muito meros símbolos impressos numa folha de papel.

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