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Maio de 68 – por Orlando Fonseca

Cinco décadas, meio século. Este é o tempo que nos separa dos eventos que tomaram Paris, e a França e o mundo todo de um modo geral, em maio de 1968. Está a meio caminho, no tempo, entre o final da Primeira Guerra e hoje. E o que tem mais repercussão sobre o que percebemos na sociedade mundial: os ecos de uma guerra secular, ou os protestos estudantis de cinquenta anos atrás? A sanha bélica, ou a imaginação no poder?

Depois da Primeira tivemos a Segunda Grande Guerra, e anos de Guerra Fria que dividiu o mundo em blocos que hoje parecem cindidos. No entanto, as disputas entre potências ainda colocam os governos em estado de tensão e a população em estado de atenção permanentes. E o que restou dos slogans imaginativos, a ocupação da Sorbonne, as barricadas e os paralelepípedos? Onde foram parar aquelas palavras de ordem gritadas desde o Quartier Latin?

Não resta dúvida a ninguém que a década de 1960 é definidora de uma nova ordem cultural no planeta. Várias manifestações, por todos os cantos, colocaram em cheque os antigos costumes, seja nas relações interpessoais, seja na moda, seja nas artes visuais. O chamado Poder Jovem fez com que, pela primeira vez, o jovem não se parecesse com seus pais; o abusivo uso químico pretendia a expansão da mente. Os Beatles, a pop arte, a pílula anticoncepcional, a minissaia, a contracultura, a luta pelos direitos civis, os hippies, fenômenos que abalaram os sistemas morais, os bons costumes, o bom gosto, a ordenação legal vigente.

Na contramão de tudo isso, o Brasil experimentava o recrudescimento de um estado de exceção, com a ditadura civil-militar iniciada em 1964. Em dezembro de 68, o governo militar promulgava o temido Ato Institucional n.º 5, que afastava da imaginação qualquer possibilidade de libertação, pois o poder, com mão de ferro, interditava qualquer indício de oposição ao regime, prendendo, torturando, fazendo desaparecer. Ao contrário do que aconteceu em Paris, aqui se dava voz de prisão à palavra pela censura.

Os eventos na capital francesa não se prendem apenas ao mês de maio – embora este seja significativo como ponto de partida e definição. E se compõem da confluência de  três crises: a estudantil, localizada no Quartier Latin e que apresenta as imagens mais iconográficas; operária, através de uma greve geral de várias semanas, que só terminou com acordos trabalhistas significativos e ganhos para os trabalhadores; e a terceira, política, intensificada pela contestação sindical e estudantil ao regime, colocando em cheque o poder do general de Gaulle.

Para o historiador Benjamin Stora: “a força do Maio de 68 é que representa um movimento de impulso, de abalo. Abala uma sociedade: nas relações entre homens e mulheres, nas relações com o Estado, nas relações com a política, nas relações com a organização do trabalho, nas relações com a escola. Abre uma sequência nova.”

No Brasil, houve repercussões, como de resto acontecia pelo mundo todo. No Festival Internacional da Canção daquele ano, Caetano Veloso popularizou por aqui o famoso slogan dos rebeldes franceses. Cantando, com Os Mutantes, “É proibido proibir”, foi vaiado pelo público que queria Para Não Dizer que Não Falei de Flores, de Geraldo Vandré. O que fez o cantor baiano pronunciar o célebre discurso que contém ironias tais como: “se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos!”

Em parte tinha razão, e até foi preso, depois exilado por isso. Na França, a rebeldia dos paralelepípedos e dos slogans poéticos não continha uma pauta definida, e não conseguiu a adesão da população em geral, que deu vitória ao gaullismo nas eleições de junho daquele ano. Muitos anos depois, o mesmo veio a acontecer na Espanha, com o movimento dos Indignados, em maio de 2011, que após várias semanas de ocupações em espaços públicos, sem uma pauta, sem lideranças políticas, acabaram vendo os candidatos conservadores vencerem as eleições aquele ano.

No Brasil, as Jornadas de junho de 2013, as quais começaram em São Paulo com reivindicações sobre o preço da passagem, terminaram no impeachment da presidente, mais adiante. E agora, por onde anda o espírito rebelde, neste momento, em que as coisas estão piores do que antes?

A ideia de que a imaginação no poder é libertadora ainda está por acontecer, pois ao que parece, com as ameaças nucleares, que pairam sobre nossas cabeças, a imaginação do poder é mais forte. O mundo preconizado pelo Maio de 68 ainda está sufocado pelas sequelas da guerra, como há um século, e por interesses econômicos mais fortes.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.

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