ComportamentoCrônica

CRÔNICA. Gilvan Ribeiro, o exemplo de honestidade da Dinamarca e o sonho de que isso seja possível aqui

A utopia nos faz caminhar?

Por GILVAN RIBEIRO (*)

Para Eduardo Galeano, imortal escritor uruguaio, a resposta para o que indago neste título é Sim.

Dizia ele que a utopia está no horizonte, se eu me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos, se caminho dez passos o horizonte corre dez passos;  assim, conclui Galeano que, por mais que eu caminhe, jamais irei alcançar o horizonte, portanto, a sua função é me fazer andar.

Está reflexão me acompanha há alguns anos e certa vez me serviu para analisar algo que até hoje me incomoda.

Antes de qualquer coisa eu gostaria de destacar outra frase que me foi dita por um amigo, na ocasião em que lhe relatei a história que a seguir irei contar.

‘’Não devemos comparar os incomparáveis’’, foram palavras que me serviram para fazer leituras mais precisas de diversas situações da vida.

……

Era verão de 2013 na Dinamarca. Conhecer os países da famosa escandinávia foi um sonho que me acompanhou por toda a juventude. Consegui realizar este sonho com a ajuda do Martin, um amigo dinamarquês que conheci em 2009, numa competição em São Paulo.

Martin morava em Copenhague, a capital do país, e portanto escolhi como o meu primeiro destino por lá.

Na primeira semana turisteando, foi fácil perceber o porquê da Dinamarca ser considerada uma nação de primeiro mundo. Tudo muito bonito, organizado e funcionando nos seus conformes, digno de um país rico. Mas foi na última semana que ocorreu um fato que, pra mim, se tornou o mais marcante da viagem.

Na intenção de conhecer o local em que meu amigo havia passado a infância, fomos até uma cidade do interior, onde moravam os seus pais. Após um típico almoço de recepção, com direito a salmão fresco, Martin, sua mãe e eu fomos passear de carro para ver o mar. No trajeto até a costa, paramos à margem da estrada e de pronto questionei o que ali faríamos.

Disse-me o meu amigo que sua mãe intencionava comprar alguns legumes e frutas. Assim pude perceber que estávamos em frente a uma propriedade rural e que ali alguém havia organizado uma espécie de feira de hortifruti. Aquilo consistia, na verdade, em uma pequena mesa com algumas opções do gênero. Ao descer do carro eu percebi que o modesto comércio encontrava-se abandonado, justamente porque não tinha ninguém para nos atender e realizar a venda dos produtos.

Mais uma vez curioso, perguntei como se daria a nossa compra sem um vencedor para auxiliar. Neste momento, me deparei com algo que considero ser um dos maiores exemplos de educação que pude vivenciar. Para efetuar a compra, explicou meu amigo, basta você escolher o que deseja, checar o preço que está anotado e deixar o dinheiro na caixinha. Se precisar de troco, pode usar o mesmo recipiente que guarda o “lucro”, e pegar você mesmo o troco necessário.

Aquela experiência me causou sensações antagônicas. No primeiro momento, naturalmente, comparei este nível tão avançado de honestidade ao que, de modo geral, não temos no nosso país e isso me causou tristeza. Por outro lado, senti-me feliz por saber que em algum lugar do mundo, existem pessoas que alcançaram a capacidade de coabitar de forma tão civilizada.

De volta ao Brasil, me pergunto até hoje – quando iremos atingir esse nível?

Tendo em vista que as culturas são diferentes desde suas origens, já aprendi que não devemos comparar os incomparáveis. Assim, entendo que cada povo irá colher os frutos que fazem parte do seu “alicerce” cultural.

Quando penso nisso, me surge outro questionamento – será que no Brasil estamos fadados a conviver com a maldição causada pelos nossos processos culturais de origem? Ou seja, não carregam a capacidade de criar uma cultura melhor?

Pode parecer tola esta última pergunta, principalmente. Mas quem nunca ouviu a frase ‘’no Brasil sempre foi assim e sempre será’’.

Sinceramente, a carga de niilismo que estas palavras carregam me causa repulsa. Se você acredita nisso, peço que não repita tal frase na frente das crianças pelo menos.

Em contraponto de tudo, eu acho possível encontrarmos um meio termo. Ou seja. Quando compartilho exemplos de fora, trazidos de países em que certas coisas (já) deram certo, não é na intenção de fortalecer o estigma de vira latas impregnado na terra tupiniquim. Nem mesmo busco uma comparação com os demais.

O que pretendo, apenas, é dar forças à utopia que nos fará – quem sabe – caminhar para um futuro melhor. Quanto tempo isso irá demorar, quais processos precisaremos ainda passar, eu não sei. Mas se eu já vi que é possível, que humanos bípedes e falantes já conseguiram, então acredito que nós também podemos.

Aos pessimistas, não se preocupem que isso não é coisa de “guri novo” e que a minha opinião não irá mudar com o passar dos anos. Eu sei dimensionar que demoraremos, talvez, alguns séculos para melhorar a vida em nosso país.

Mas acreditar que isso é possível é o que vai nos fazer chegar lá um dia. Não se trata de ter esperança, no sentido de –  apenas – esperar. Mas sim,  acreditar na intenção de efetivamente caminhar para a construção do que desejamos.

Se isso é uma utopia, não me importa, parado e reclamando é que eu não vou ficar.

(*)  GILVAN RIBEIRO, 29 anos, é atleta olímpico e apaixonado pelo jornalismo (cursa o 8º semestre, na UFN) e pela Psicologia (está no 1º semestre, na UFSM). Ele escreve no site sempre aos sábados.  

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A foto que ilustra esta crônica é de Arquivo Pessoal.

 

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