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Bebeto, Gal e Boldrin, presentes! – por Valdeci Oliveira

A semana em que a cultura gaúcha e nacional ficou um pouco mais órfã

A semana que passou tornou a cultura gaúcha e nacional um pouco mais órfã. Num espaço de poucos dias, três grandes nomes da cultura popular brasileira nos deixaram. Bebeto Alves, Gal Costa e Rolando Boldrin. Digo “um pouco mais”, porque ela, a cultura nacional, mesmo resistente e heroicamente resiliente, já vinha, de certa forma, cambaleante.

É sempre importante lembrar que o setor foi o primeiro a parar durante a pandemia e o último a ter o efetivo retorno de suas atividades. E como cereja do bolo, nos últimos quatro anos, também experimentou toda a sorte de ataques, preconceito, patrulhamento e asfixia financeira oficiais, considerando as carências de políticas de fomento e apoio tão necessárias – e legítimas – para sua expressão.  E mesmo assim, aos trancos e barrancos, não se calou, não deixou se amordaçar.

Bebeto, Gal e Boldrin, cada um à sua maneira, ao seu tempo e espaço, talento e criatividade, nos deixam de herança a inquietude, o respeito pelo belo, a reverência à arte e a irreverência à sisudez dos padrões pré-determinados. Com suas vozes, e conforme a época e personalidade de cada um, nesse amplo e heterogêneo caleidoscópio que é a música popular brasileira – no sentido mais amplo que o termo possa abarcar -, buscaram se expressar unindo a tradição ao urbano, a vanguarda ao cotidiano, nossas raízes ao que de mais belo existe na simplicidade da alma brasileira.

E perdê-los, no sentido físico, carnal, nos choca, nos entristece. Nos resta, e isso não é pouca coisa, sua arte, que estará sempre ali, com acesso facilitado pela tecnologia, ao alcance dos dedos. Apreciá-los sempre será um deleite, não importando a inclinação musical do receptor, que se tiver a sorte e a benção de prezar e reconhecer a boa música não terá dificuldade alguma de entender e gostar. No máximo, se algum estranhamento inicial existir, o melhor é ouvi-los novamente, é vasculhar seus acervos disponíveis, é admirar suas diferentes fases.

Bebeto, Gal e Boldrin, em distintos períodos e não sem as dificuldades inerentes da profissão, tiveram o reconhecimento do público, da crítica e do chamado mercado musical, do entretenimento. Suas posições enquanto sujeitos sociais e políticos diante das intempéries, obstáculos e conjunturas que presenciaram e transpuseram ao longo de suas carreiras também os colocaram no patamar de seres humanos dignos desse nome.

Nunca li nem tive conhecimento de que algum dia tenham proferido, por menor que fossem, opiniões ou externado posições excludentes ou carregadas com algum tipo de ódio ou preconceito, muito pelo contrário, viam a arte – e assim a utilizavam – para agregar, fazer pensar, se autoconhecer e a reconhecer o outro. Buscaram falar cantando e contando. E foram ouvidos.

Sim, estamos mais pobres, mais tristes, incrédulos até.

Por outro lado, nos conforta o fato de que Bebeto, Gal e Boldrin estarão sempre presentes, com suas digitais, nítidas e reconhecíveis, fortemente marcadas nas páginas da história da cultura popular gaúcha e brasileira. Estarão sempre vivos para seus familiares, amigos e fãs. E essa eternização, ao lado do criar e recriar a partir do subjetivo e do concreto, do mexer com o nosso íntimo e do refletir, mesmo que às vezes lenta e pacientemente, a respeito do mundo que nos rodeia, é um dos papéis e contribuições que a arte oferece a quem a respeita, é um papel que ela se dispõe a cumprir.

Basta, para isso, não fecharmos as portas, não apagarmos as luzes, não tamparmos os ouvidos nem cerrarmos nossos olhos. E ao comungarmos com essa premissa, oferecendo trânsito livre à sua manifestação, tenho a certeza de que estaremos dando espaço para que artistas tão singulares quanto diferentes – como foram Bebeto, Gal e Boldrin – ocupem um merecido lugar junto aos nossos variados desejos musicais. Isso, mesmo que não nos demos conta, contribui com a nossa transformação, tão necessária como desejada, enquanto homens e mulheres sujeitos e construtores da própria existência.

Bebeto, Gal e Boldrin, presentes!

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. É também o atual presidente da Assembleia Legislativa gaúcha.

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