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Dois Lustros – por Marcelo Arigony

“As águas do Rio Santa Maria certamente não são iguais às que...”

Na teoria clássica, a pena tem por finalidade prevenir o cometimento de crimes, retribuindo ao infrator o mal causado à vítima e ao tecido social, tentando assim viabilizar a ressocialização.

É a clássica tríade – prevenir, retribuir e ressocializar – absolutamente dissociada do atual momento, quando nem precisamos lançar mão da Teoria Agnóstica – criada por um tal penalista – para ter certeza de que aquela tem fracassado em seu escopo.

Noutro giro, lá pelos idos de 90, a renomada professora Ada Grinover pregava que justiça tardia é injustiça. Sim doutora Ada. Bravo!

Penso que há um erro na música brilhantemente cantada por Elis – escrita por Belchior, eu acho – quando diz que apesar de tudo o que fizemos ainda somos os mesmos.

Não somos os mesmos. Minha cabeça não é a mesma, e eu não sou. O Claudemir, o Brando e o doutor Ulysses não são os mesmos; as águas do Rio Santa Maria certamente não são iguais às que naquele leito choravam há dois lustros.

Podemos contar o que fizemos, o que vivemos, o que aconteceu conosco, mas éramos outros. Eles é que fizeram ou deixaram de fazer.

E aquela gente jovem reunida, aqueles do cabelo ao vento cantados pela Regina, são um retrato na parede da nossa memória, que ainda faz chorar.

Por isso, brilhante professora Ada, justiça tardia é rematada injustiça. Não há.

Falo sim do caso Kiss. Que vai a Júri novamente, mais de dez anos depois. Que pode ainda ser cindido; que talvez possa ser reaforado; que certamente será objeto de recursos; que será alvo de recurso do recurso, e recurso do recurso do recurso.

Já foram julgados muitos presos – envolvidos e não envolvidos – músicos presos, policiais presos, funcionários públicos presos, cidadãos presos, peritos, advogados, jornalistas, serventuários juízes e promotores presos; já foram julgados tios, primos, sobrinhos, filhas, esposas, namorados, e namoradas.

Pais e mães são julgados todos os dias, e me desculpem porque devo estar esquecendo de muita gente, todos presos. Estão há mais de dez anos presos. Por quantos lustros ainda mais?

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

Observação do editor: a imagem que ilustra esta crônica é a modificação de uma foto original de João Vilnei/Arquivo da Prefeitura)

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6 Comentários

  1. Desfecho juridico não aconteceu ainda. Só que não é o problema, é sintoma de um problema. Sistema juridico é de uma burocracia bizantina. Que coloca dinheiro no bolso de muita gente (incluindo os(as) causidicos(as)) e proporciona uma fatia consideravel de poder (vide STF). Que são responsaveis por manutenir e/ou alterar o sistema conforme bem lhe aprouver. É o mesmo dilema da reforma politica. ‘Se nos beneficia para que mudar? Só se for para nosso melhor beneficio.’.

  2. O desenlace do caso Kiss era bastante previsivel. Tanto no juridico quanto no resto. Vide o ‘para que nunca mais aconteça’ (algo comentado aqui). Noutro dia um incendio na Espanha deixou mais de uma duzia de mortos. Comunidade europeia. Utopias, há quem defenda que tudo o que acontece de ruim pode ser evitado. ‘Engenheiros(as)’ de obra pronta. Natureza humana muda muito devagar. Memória curta leva a repetição de problemas.

  3. Transição medonha do processo para Elis Regina. Na musica, salvo melhor juizo, a referencia é ao coletivo. ‘Nossos idolos ainda são os mesmos/depois deles não apareceu mais ninguém’. ‘Que quem me deu a ideia
    De uma nova consciência e juventude/Está em casa guardado por Deus/Contando os seus metais’.

  4. Pellegrini era da escola italiana. Tem sua parcela de culpa. Nada novo debaixo do sol, ‘In diem vivere in lege sunt detestabilis’ e o mais recente ‘Lex dilationes abhorret’.

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