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Um ano do Dia Nacional da Infâmia – por Leonardo Botega

Em seu livro “Democracia”, o cientista social Charles Tilly chama atenção para o fato de que a “democracia é um processo dinâmico que sempre permanece incompleto e que sempre corre o risco de ser revertido – de ser convertido em desdemocratização”. Desdemocratização foi justamente o tipo de processo que o Brasil vinha vivenciando nos últimos anos e que teve como ápice os ataques a Praça dos Três Poderes no dia 08 de janeiro de 2023, o Dia Nacional da Infâmia.

Há exatamente um ano, a sociedade brasileira assistiu o pior ataque a sua democracia desde o Golpe Civil-Militar de 1964. Golpe este que no próximo dia 31 de março irá completar 60 anos e que resultou em processo um ditatorial que durou 21 anos. Um processo ditatorial que permeia o imaginário coletivo de muitas das milhares de pessoas que participaram dos ataques daquele dia. Um exercício de Retrotopia, ou seja, a crença de que algo do passado (construído de forma idealizada) poderia ser aplicado para resolver os problemas do presente.

Esse exercício de Retrotopia se liga diretamente a tradição elitista, aristocrática, autoritária e antidemocrática que permeia significativos setores da burguesia e da classe média brasileira. Não podemos esquecer que os períodos democráticos não são propriamente a regra na existência da República Brasileira e que, sempre que se veem ameaçados em seus privilégios, tais setores não tem o menor pudor em desdemocratizar a sociedade brasileira.

Foi para barrar as Reformas de Base que setores empresariais e militares se uniram para depor João Goulart. Foi para conter o movimento que estava fazendo “aeroportos ficarem parecidos com rodoviárias” que esses mesmos setores conduziram o golpe judicial-midiático-parlamentar que depôs a presidenta Dilma Rousseff, prendeu o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, promoveu uma sequência de desmontes sociais e garantiu a vitória da extrema-direita nas eleições de 2018.

Felizmente, essa mesma extrema-direita não conseguiu completar a desdemocratização do Brasil. Mas foi por pouco! Não se pode minimizar o fato de que os meses que se seguiram a vitória eleitoral das forças democráticas que se uniram em torno de Luís Inácio Lula da Silva foram marcados por trancamentos de rodovias, acampamentos em frente aos Quartéis e por uma sequência de atos que, por mais patéticos que pareçam (como rezar para pneu ou tentar contato com alienígenas), serviram para construir os ataques golpistas de 08 de janeiro de 2023.

Tampouco podemos minimizar e, acima de tudo, esquecer que tais atos tiveram respaldo de membros do governo anterior, de parlamentares, de militares e de “líderes” religiosos que, após o fracasso da tentativa de golpe, se esconderam atrás de tentativas vazias de imbuir nas próprias vítimas os intuitos de quebra da democracia. Felizmente, tal tentativa também não emplacou. A ampla maioria dos brasileiros não apenas reprova os atos de 08 de janeiro, como também não acredita na fraude eleitoral alegada pela extrema-direita, conforme demonstrou a edição da pesquisa “A cara da democracia”, realizada pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT) em agosto de 2023.

As enérgicas reações institucionais e o não respaldo por parte dos segmentos majoritários da sociedade brasileira aos ataques golpista de 08 de janeiro, demonstraram a resiliência de nossa democracia. Uma resiliência que somente se manterá se a democracia seguir fazendo sentido para a maioria da população. Fazer a democracia ter sentido significa ampliá-la em todas a suas dimensões, sobretudo, sociais.

Sem o enfrentamento dos mecanismos que limitam a dimensão social da democracia, as forças da desdemocratização estarão sempre vivas. Sem o enfrentamento da captura dos processos decisórios pelos interesses do “centrão” e pelos plutocratas do “mercado”, a possibilidade da ocorrência de novos Dias Nacionais da Infâmia estará sempre presente. A democracia deve ser construída de fato como um governo da e para a maioria. Este é o grande desafio que a sociedade brasileira deve enfrentar ao longo deste e dos próximos anos.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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