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Ser informado é ser livre – por José Renato Ferraz da Silveira

“A informação pura e simples não gera transformação. O conhecimento, sim”

Prevejo que a Inteligência Artificial (IA) tornará a vida de todos mais fácil nos próximos cinco anos”.

Bill Gates (16 de janeiro de 2024 – Entrevista a Fareed Zakaria – CNN)

Lembrei da frase do matemático Norbert Wiener (1894-1964) “Ser informado é ser livre”. A simplicidade das palavras me obrigou a refletir.

O que significa ser informado é ser livre?

Liberdade é escolha. E para escolher é preciso ter informação sobre um leque de opções. Ou seja, a informação é uma condição de liberdade, mas também da prosperidade e, podemos afirmar, até de sobrevivência econômica.

Wiener dizia que a informação como uma quantidade era tão importante quanto a energia ou matéria.

O matemático e filósofo americano produziu trabalho relevante sobre probabilidades e ele deduziu a partir de inúmeros estudos que “todo o comportamento inteligente era o resultado de mecanismos de feedback, que poderiam ser simulados por máquinas”.

Em 2024, um dos paradoxos e contradições de nossa época é o contraste entre uma informação cada vez mais volumosa, caudalosa e a forma como o receptor a interpreta.

“Viver efetivamente significa ter a informação adequada” (Norbert Wiener). Segundo o Pew Research Center, em 2020, cerca de 59% dos adultos nos EUA diziam que o volume de informações disponíveis os deixava confusos sobre o que é verdadeiro ou falso. Esse dado evidencia a importância de desenvolver habilidades críticas de análise e avaliação da informação para poder transformá-la em conhecimento.

“A habilidade de avaliar a credibilidade da informação é essencial, especialmente no contexto de disseminação de notícias falsas, informações enganosas e desinformação. Em síntese, a diferença entre informação e conhecimento é fundamental e está no cerne do processo cognitivo. A simples disponibilidade de informações não é suficiente para gerar conhecimento. Para que a informação seja transformada em conhecimento, é necessário que haja um processo de interpretação e análise crítica que permita a compreensão e a integração dessa informação com outros dados previamente conhecidos” (EXAME).

Informação e conhecimento são coisas distintas

Como diz a reportagem da revista Exame: “na sociedade da informação, as tecnologias digitais e a internet têm proporcionado um aumento exponencial na quantidade de dados disponíveis em todos os campos do aprendizado, e esse volume tem crescido a uma taxa alarmante. Em contrapartida, o processo de transformar a informação adquirida em conhecimento não é tão simples quanto parece”.

A informação é um dado. O conhecimento vem da inteligência interpretando o dado e os processos de aprendizado, que geram uma evolução pessoal e transformam o indivíduo. Na matéria da Exame, reforçam-se essas premissas: “A primeira refere-se à quantidade de dados que, por si só, não tem significado. É um conjunto de fatos, estatísticas, acontecimentos ou qualquer outra coisa que possa ser descrita de maneira objetiva. Já o segundo, por outro lado, é um processo mais complexo que envolve a compreensão e a interpretação desses dados”. 

A informação pura e simples não gera transformação.  O conhecimento, sim.  A ilusão do mundo virtual é a de que, como você tem acesso a tudo, acumula conhecimento. Não é verdade! 

Para ter conhecimento, é preciso dispor de tempo de maturação.  Muita leitura, capacidade de análise. “Leitura e escrita constantes afiam a mente, reduzem erros e evitam a mediocridade” (Ney Paula Batista).

A informação pela simples informação passa. Já o conhecimento fica porque se torna uma parte do que você é ou poderá ser.

Relatório da UNCTAD e as atividades ligadas ao conhecimento, à comunicação e à informação

Li num relatório intitulado “A tecnologia da Informação para o Desenvolvimento” produzido pela UNCTAD (Conferência Nacional sobre Comércio e Desenvolvimento), que em 1967, “quando a revolução da informação estava em seus anos iniciais, 46% do PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano e 50% da renda do trabalho procediam de atividades ligadas ao conhecimento, à comunicação e à informação”.

Na atualidade, a tecnologia de informação é um dos componentes mais relevantes da formação do capital fixo das potências dominantes, sobretudo sob a forma de instrumento para pesquisa e desenvolvimento, design marketing, administração e gerência.

A tecnologia da informação “define-se como toda tecnologia baseada na eletrônica que pode ser usada na coleta, armazenamento, processamento de informação e acesso ao conhecimento”. Desta forma, compreende, portanto, tanto o equipamento (hardware) e o software como os serviços fornecidos.

Portanto, a tecnologia da informação é considerada a maior indústria global, a de crescimento mais rápido e, óbvio, uma das primeiras em lucratividade. “O número de empresas de tecnologia que desembarcaram no Global 2000, ranking anual da Forbes das maiores empresas do mundo (com base em receita, lucros, ativos e valor do mercado de ações), subiu para 169 este ano (eram 164 em 2022). Isso ainda é menos do que o recorde de 177 de 2021. Mesmo assim, registraram um recorde de US$ 4,2 trilhões (R$ 20 trilhões) em receita anual combinada nos últimos 12 meses, acima dos US$ 4 trilhões (R$ 19 trilhões) do ano anterior e dos US$ 3,3 trilhões (R$ 16 trilhões) dois anos antes” (FORBES).

Algo que chama atenção nesse setor é que nos Estados Unidos há mais de 500 mil empresas de tecnologia, das quais mais de 6600 estão no Vale do Silício. A crescente demanda por soluções inovadoras impulsionam o crescimento do setor da TI nos Estados Unidos. “As cinco maiores empresas de tecnologia com sede nos EUA investiram mais de US$ 200 bilhões em P&D em 2022, representando 80% de seus lucros e 30% de todos os gastos com P&D por empresas listadas nas bolsas de valores norte-americanas”.

Atraso brasileiro

Infelizmente, nessa disputa, o atraso brasileiro é igualmente imenso. No Índice Global de Inovação (IGI), o Brasil ocupa o 49° lugar entre 132 países, passando a ser o primeiro colocado na América Latina. Em relação à corrida da Inteligência Artificial, “o Brasil largou atrás, mas vai se igualar a grandes potências com PBIA (Plano Brasil da Inteligência Artificial)”, diz ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos(COINTELEGRAPH).

Santos avalia que o investimento de US$ 23 milhões do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), apresentado pelo governo Lula, tem potencial para posicionar o país entre os líderes do setor.

Andriei Gutierrez – vice-presidente e líder do Comitê Regulatório da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) e presidente do Conselho da Economia Digital e Inovação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo (Fecomércio/SP) – afirma que “IA não é uma corrida de 100 metros”.

Ainda segundo Gutierrez, “a IA é a cereja do bolo da Revolução Digital: um período longo (de cerca de duas décadas) no qual as sociedades estão em transição de uma sociedade predominante industrial-manufatureira para uma economia majoritariamente digital, impulsionada por dados e serviços digitais. Organizações que entenderem e se prepararem para essa macrotendência terão mais chance de êxito em médio e longo prazos”.

A demanda por data centers em todo mundo

Por fim, esse rápido avanço da inteligência artificial generativa deve escalar a demanda por data centers em todo mundo.

Para o banco Santander, o Brasil pode ser um dos beneficiários desse mercado lucrativo, que atingiu US$ 329,3 bilhões em 2023 e pode chegar a US$ 438,6 bilhões até 2028, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 6,6%. Na visão do banco espanhol, “embora os data centers estejam atualmente concentrados nos Estados Unidos e na Europa, esses mercados enfrentam desafios relacionados ao fornecimento de energia e água (usada para resfriar equipamentos), bem como a regulamentação sobre eficiência energética e emissões de carbono”. O Brasil seria uma opção viável por se “destacar globalmente pela sua geração de energia limpa, disponibilidade de recursos e eficiência de custos”, dizem os analistas do Santander.

O Itaú BBA consultou a Nvidia, fabricante de semicondutores cujas ações simbolizam a euforia com a IA: se valorizaram 1.100% desde as mínimas em 2022 A resposta sobre os gargalos energéticos, dizem os analistas, foi positiva: “Geografias com renováveis baratas e abundantes, poderiam hospedar data centers de IA. Isso inclui a América do Sul”.

O Banco Suíço UBS é mais cético. Para os analistas, “o Brasil terá data centers, mas não numa quantidade capaz de mudar o jogo e colocar o país na rota de investimentos – e tampouco mexer de forma estrutural com a sobre oferta de energia renovável que vem assolando o país em meio ao baixo crescimento econômico”.

Caros leitores, como vocês avaliam?

Referências

EXAME. Informação x Conhecimento: como transformar dados em sabedoria. https://exame.com/carreira/informacao-x-conhecimento-como-transformar-dados-em-sabedoria/. Acesso em 13/10/2024.

RICUPERO, Rubens. O ponto ótimo da crise. Rio de Janeiro, Revan, 1998.

VERSIGNASSI, Alexandre. Crash: uma breve história da economia. 1 ed. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2019.

Leia mais

ABES. A IA não é uma corrida de 100 metros. https://abes.com.br/ia-nao-e-uma-corrida-de-100-metros/. Acesso em 10/10/2024.

Blog Userguiding. As 22 maiores empresas de tecnologia em 2024. https://userguiding.com/pt-br/blog/as-maiores-empresas-de-tecnologia.  Acesso em 10/10/2024.

EXAME. Na corrida da IA, o Brasil pode entrar no mapa dos data centers. https://exame.com/insight/na-corrida-da-ia-o-brasil-pode-entrar-no-mapa-dos-data-centers/p.  Acesso em 10/10/2024. 

FORBES. Quais são as maiores empresas de tecnologia do mundo em 2023. https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/06/quais-sao-as-maiores-empresas-de-tecnologia-do-mundo-em-2023/.  Acesso em 10/10/2024.

COIINTELEGRAPH. Brasil largou atrás na corrida da IA, mas vai se igualar a grandes potências com PBIA, diz ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação. https://br.cointelegraph.com/news/brazil-started-behind-in-the-ai-race-but-aims-to-match-major-powers-with-pbia-says-minister-of-science-technology-and-innovation. Acesso em 10/10/2024.

 (*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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8 Comentários

  1. Em tempo. Nobel de fisica foi dividido entre dois sujeitos. Um fisico e outro formado em psicologia aplicada com doutorado em ciencia da computação. Inteligencia artificial. Fisicos ficaram muito p@tos. Nobel de quimica para dois (teve um terceiro) pesquisadores de IA aplicada ao estudo de proteinas.

  2. Resumo da opera. O de sempre. Muito dinheiro jogado em programas para ingles ver supermarketados para tentar gerar votos. Vão importar algum tipo de equipamento da China e fazer muito anuncios. Venderão terrenos no Céu. Zero chance de algo sério.

  3. ‘esses mercados enfrentam desafios relacionados ao fornecimento de energia e água’. Que não se resolvem instalando paineis solares nos telhados.

  4. Andriei Gutierrez é doutor em ciencia politica e sociologia. Sabe p#rr@ nenhuma de IA. Que é uma corrida de 100 metros toda semana. Ninguém vai ficar esperando para o Brasil tirar o atraso.

  5. ‘[…] tem potencial para posicionar o país entre os líderes do setor.’. Luciana Santos formou-se em engenharia na decada de 90. Era militante estudantil, foi para a politica. Falou bobagem. IA hoje em dia esta na mão de grandes empresas no ocidente. Os maiores avanços não saem da academia. É mais dinheiro jogado fora, vide a empresa de ‘chips’ em POA, tão atrasada que tentaram vender e não conseguiram comprador.

  6. ‘ A ilusão do mundo virtual é a de que, como você tem acesso a tudo, acumula conhecimento.’ Ilusão é que o acesso ao conhecimento é facil. Que é distinto de ‘habilidades’. Sim, porque informação e conhecimento diferem-se na aplicação. Que exige experiencia. Que é obtida por tentativa e erro. Ou mentoria. Real, não a picaretagem.

  7. Norbert Wiener é autor da frase ‘Information wants to be free’, a informação quer ser livre. Um pouco diferente, as pessoas deveriam ter acesso a informação. Inclusive já foi utilizado como argumento para abolir patentes industriais.

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