Liberdade Vigiada – até quando? – por Amarildo Luiz Trevisan
“Liberdade tolhida, e problema não está em governos ou teorias conspiratórias”
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Quem nunca precisou de algo urgente enquanto a pessoa à sua frente permanece estagnada, imersa na tela do celular? Um clássico exemplo pode ser visto nas academias de ginástica: você quer utilizar um aparelho, mas encontra um/a colega sentado/a sobre ele, totalmente absorvido/a pelo dispositivo, como se o mundo ao redor houvesse desaparecido.
É inegável que a humanidade progrediu ao longo dos séculos. Como diria Hegel, conquistamos “ganhos de liberdade”. Comparando o regime de escravidão da Antiguidade à livre escolha da empregabilidade moderna, podemos enxergar um oceano de diferença. No entanto, a história que nos contam às vezes omite detalhes fundamentais. Se olharmos mais de perto, perceberemos que essa narrativa de avanço e emancipação não é tão linear quanto parece.
A grande divisão entre o homem antigo e o moderno se deu com a revolução no mundo do trabalho, certo? Sim e não. A mecanização nos libertou de tarefas braçais exaustivas e mal remuneradas, mas também impôs um novo tipo de controle. Hoje, enquanto somos liberados de muitos esforços intelectuais graças às novas tecnologias, paradoxalmente nos vemos cada vez mais dominados por elas. As redes sociais e as big techs, ao mesmo tempo em que facilitam nossas vidas, nos monitoram, manipulam nossas escolhas e nos condicionam a agir conforme seus interesses.
Já pesquisou um produto ou tema na internet e, logo depois, se deparou com uma enxurrada de sugestões relacionadas? Esse é apenas um vislumbre da vigilância em massa promovida pelo mundo digital. O que era para ser um simples rastro da sua navegação se transforma em mercadoria valiosa para grandes corporações, convertendo sua liberdade de escolha em um ciclo vicioso de consumo induzido.
Nossa liberdade está sendo tolhida a cada instante, e o problema não reside em governos ou teorias conspiratórias. O verdadeiro poder está nos algoritmos, projetados para manter nossa atenção e nos transformar em consumidores compulsivos. Vivemos na chamada “economia da atenção”, um sistema que nos prende exatamente quando acreditamos estar fazendo escolhas autônomas. A tragédia do titã Prometeu se repete diariamente: cada progresso na conquista da liberdade implica um novo preço a pagar em forma de submissão.
Mas ainda há saídas. Se não aprendermos a desligar o botão da conexão automática no celular, alguém vai acabar fazendo isso por nós. Igrejas já alertam seus fiéis: “os lobos modernos invadem os rebanhos através da internet e dos celulares”. Escolas começam a reagir – uma recente lei federal proibiu o uso de celulares durante todas as etapas da educação básica, incluindo recreios e intervalos. No trânsito, legislações endurecem punições para quem dirige utilizando o aparelho. Quem sabe, em breve, teremos uma nova norma social: respeitar a presença do outro e evitar o uso do celular durante interações sociais. Multa pesada: a perda do/a amigo/a.
Até quando vamos engolir essa liberdade vigiada? Talvez o problema não seja mudar a tecnologia, porque isso já passa da nossa alçada, mas sim aprender a usá-la sem deixar que ela tome conta da gente. O desafio é esse: encontrar o meio-termo entre avanço e autonomia, para que a gente não troque uma prisão por outra, dessa vez, digital.
(*) Amarildo Luiz Trevisan é professor do curso de Ciências da Religião e do PPGE/UFSM.
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